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Rio de Janeiro, 25 de abril de 2024


Cidade

Violência atormenta a rotina da Zona Sul

Suzane Lima - Do Portal

24/03/2009

Reprodução

Os conflitos entre policiais e traficantes que aterrorizam a Zona Sul desde o fim de semana mudaram a rotina de alunos e funcionários da PUC-Rio. Estudante de Comunicação, Maria Gabriela experimentou o horror da batalha urbana na segunda-feira, quando um traficante invadiu o ônibus que a levava até Laranjeiras. "Foi um desespero total. Os passageiros se jogaram no chão com medo de um tiroteio", lembra. "Nosso maior medo era que o traficante fizesse algum refém. Felizmente, os policiais renderam os bandidos e ninguém se feriu".

Marcelo Cassis, do 8º período de Jornalismo e morador de Copacabana, tomou um susto quando saiu da estação do Metrô de Siqueira Campos e se deparou com o “cenário de guerra”:

 –Tudo estava muito confuso. Havia muitos policiais nas ruas, e os helicópteros aumentavam o clima de tensão. Tentei andar o mais rápido possível pela Barata Ribeiro, mas não tinha jeito, parece que o terror se espalhou por todo o bairro.

Para a estudante Hanna Cordeiro, que também mora em Copacabana, uma das áreas mais atingidas pelos recentes tiroteios e perseguições, o medo se tornou parte do cotidiano da cidade  – a ponto de mudar programações, agendas, rotinas.

 – A minha empregada que mora no Tabajara não foi trabalhar. Disse que os traficantes armados estavam espalhados por todos os cantos do morro. O tiroteio foi pesado e fiquei muito assustada, porque foi perto da minha casa.

Segundo a cientista social e Coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, Silvia Ramos, estas situações são mobilizadoras e traumatizantes, mesmo que não produzam consequências graves.

 – Escutar um tiroteio ou ter escolas fechadas é traumatizante. Já as soluções para estes episódios de violência cabem à  Policia Civil. A população é impotente diante de balas perdidas e conflitos. Deve manter a distância. 

Enquanto trabalhadores e estudantes avaliam alternativas para contornar a bala perdida e a escola fechada, especialistas alertam: os efeitos da guerra urbana vão além da contagem de vítimas e das rotinas assaltadas pelo medo. Há consequências menos tangíveis, mas igualmente trágicas, como o impacto dos conflitos no universo infantil. "Meu filho de 5 anos fez um desenho cheio de referências de violência, e achou que um tiroteio havia matado a mãe", preocupa-se um professor da universidade.

Junia de Vilhena, professora do Departamento de Psicologia da PUC-Rio e Coordenadora do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa e Intervenção Social (Lips) alerta que a violência crônica contribiu para o fato de as crianças apresentarem doenças "cada vez mais graves". 

 – O processo se inverteu. Antes, as pessoas tinham medo dos espaços fechados (claustrofobia), agora, têm medo de andar nas ruas (agorafobia) – observa a especialista.

Os capítulos mais recentes da guerra urbana foram deflagados no sábado, 21 de março, quando a Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana, foi invadida por bandidos da Rocinha. A caçada policial aos bandidos se desdobrou em tiroteios e cercos em vários pontos da Zona Sul. O conflito se refletiu em bairros como Humaitá, Jardim Botânico e Lagoa. Lojas e escolas fecharam as portas; o Túnel Velho, entre Botafogo e Copacabana, também fechou, por alguns minutos; operários de uma obra viraram reféns; moradores se encolhiam no chão de suas casas até a rodada de tiros cessar; cinco bandidos morreram e 19 foram presos.

O secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, garante que a Polícia Militar continuará na Ladeira dos Tabajaras e no Morro dos Cabritos, em Copacabana, por "tempo indeterminado". Ele responsabilizou os usuários de drogas pelos confrontos recorrentes entre traficantes em busca de expansão territorial, mas reconheceu que os serviços de inteligência da Secretaria e das polícias Civil e Militar falharam por não prever a invasão da Ladeira dos Tabajaras. 

Cronologia da violência

Sábado, 21/3: Traficantes da Rocinha invadem a Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana, e travam uma batalha com os traficantes locais. A polícia inicia uma caçada aos bandidos, que se espalharia por outros pontos da Zona Sul.

Domingo, 22/3: Tiroteios entre os traficantes continuam, a polícia faz um cerco à favela e monta pontos de revista nas proximidades do morro. Depois de um sobrevoo de helicóptero, os policiais prendem dois suspeitos.

Segunda, 23/3: Quatro traficantes são mortos por policiais e 12 são presos enquanto tentam fugir. Na fuga, invadiram um prédio no Humaitá e fazem cinco reféns. Um porteiro é baleado na Rua Casuarina, na Fonte da Saudade.

Terça, 24/3: Os policiais fazem uma busca na mata do entorno da Ladeira dos Tabajaras à procura de traficantes. Foi encontrado um acampamento na Ladeira Sacopã e um homem foi preso com munições e armas. Na rua Casuarina, na Fonte da Saudade, uma granada foi encontrada pelos policiais e detonada pelo Esquadrão Anti-Bombas.

Quarta, 25/3: Cerca de 250 policiais civis, parte do Batalhão de Operações Especiais (Bope), realizam uma operação na Rocinha. O objetivo é reprimir o tráfico e prender Antônio Bonfim Lopes, o Nem, chefe da venda de drogas no morro. Três bandidos morreram, duas pessoas ficaram feridas e seis foram presas. Uma tonelada de maconha e 200 quilos de cocaína foram apreendidas. Um laboratório de refino da droga também foi encontrado. Pelo menos 120 policiais continuam na Ladeira dos Tabajaras, mas não há registro de tiroteios.