A questão racial no Brasil é muito ambígua, pois as categorias raciais mudam de acordo com o lugar e a perspectiva, no entanto, isso não anula o fato de que há racismo no país, segundo o sociólogo Noel dos Santos Carvalho. Ele mesmo se considera negro, mas diz que em Salvador, onde a população negra é maioria, é tratado de um jeito, e, em São Paulo, de outro. Noel desenvolve uma tese de pós-doutorado sobre o Cinema Novo, que considera anti-racista, e que rompe com o modo como era tratado antes o negro no cinema brasileiro.
Ele explica que, enquanto nas produções da extinta produtora paulista Vera Cruz o negro raramente aparecia, e apenas como um personagem coadjuvante, nos filmes do Cinema Novo, como “Rio 40º” e “Rio Zona Norte”, ele aparece como herói, é um alter ego do diretor, e procura uma identificação com o público branco. A teoria de Noel é baseada em textos de pesquisadores veteranos do cinema brasileiro, como do cineasta e crítico David Neves.
Já nas chanchadas cariocas, Noel vê essa ambigüidade de maneira ainda mais clara. Esse estilo, para ele, é um caso à parte que precisa ser estudado levando-se em conta a época em que a Atlântida – que ficava no Rio de Janeiro – produzia os filmes.
- As representações raciais avançam, são ambíguas, e respondem a demandas históricas específicas. Analisar a representação do negro na chanchada da perspectiva do movimento negro é uma coisa, vai-se dizer que a chanchada era racista. Da perspectiva do cinema novo idem – diz.
As chanchadas retratavam o Rio de Janeiro, onde havia, como hoje, uma grande mistura racial. Portanto, segundo o pesquisador, apesar dos personagens dos negros serem sempre cômicos, debochados, são papéis centrais, de destaque.
- O negro é o índice do povo, é a representação do povo mais pobre nesse momento ao qual a chanchada é identificada. Essas pessoas não querem se ver mal, elas fazem piada de si, riem de si, porque o brasileiro faz isso. Rir de si não é necessariamente negativo – explica o professor, lembrando que o próprio Grande Otelo tinha ligação com o Teatro Experimental do Negro, que combatia o racismo através da crítica ao “black face”, ou o ator branco pintado fazendo papel de negro.
- No entanto, o próprio Teatro Experimental do Negro construiu representações que, vistas hoje, podem parecer, para pessoas do movimento negro, muito complicadas, prejudiciais racialmente – conclui Noel.
Fazendo uma comparação da chanchada com o sucesso de Carmem Miranda no exterior, ele conta que ela era vista de formas diferentes como uma representação do Brasil. Para os estrangeiros, segundo Noel, ela era a própria representação de um país negro, do samba. Porém, a elite brasileira a via como a branca que foi representar o país fora. “Portanto, sobre a Carmem Miranda pesam o discurso do racismo e o discurso da democracia racial juntos”.