Adriana Ozorio - Da sala de aula
04/02/2009Durante um passeio de domingo pelo bairro Jardim Botânico, as amigas paulistanas Gabriela Linhares e Paloma Veiga param para tirar foto com a estátua sorridente de Otto Lara Resende, no Largo que leva o nome do jornalista. Segundos depois, Gabriela lembra que não sabe o nome do homenageado e volta para perguntar “quem é essa pessoa?”. Nas palavras do próprio, impressas na folha de jornal que o monumento da imprensa carioca segura – “sou um jornalista, especialista em idéias gerais. Sei alguns minutos de alguns assuntos. E não sei nada.”
Apesar das tiradas sarcásticas que incomodaram muita gente – “o mineiro só é solidário no câncer” é a mais famosa delas – Otto Lara Resende ganhou um sorriso maroto pelas mãos do escultor Joás Pereira. “Ele foi um homem bonito. Quando concebi a estátua, não queria fazer nada que lembrasse a acidez que ele pudesse ter em vida”, conta o artista plástico paraibano.
A homenagem ao jornalista faz parte da tendência do Rio de Janeiro do século XXI: menos militares paramentados ou a cavalo no alto de pedestais e mais estátuas informais, congeladas em posições corriqueiras e instaladas em locais de grande circulação. O pioneirismo é de Noel Rosa, que, também imortalizado por Joás Pereira, bebe cerveja em uma mesa de bar do Boulevard 28 de Setembro, em Vila Isabel. “Fora do pedestal, as pessoas passam a interagir com a obra, a criança cresce ao lado dela, e isso dá margem para as pessoas, desde cedo, se envolverem com a arte”, explica o escultor. “O contato físico com as estátuas do Rio vem, aos poucos, deixando de ser exclusividade dos pombos, que têm especial predileção por fazer cocô no Floriano Peixoto da Cinelândia e na Princesa Isabel da avenida que leva seu nome, em Copacabana. A história que agora se conta em praça pública tem privilegiado a intimidade do carioca com personagens de um passado recente, contemporâneos de muitos de nós”, escreveu Tutty Vasques, em sua coluna na Veja Rio.
Segundo Vera Dias, chefe da Divisão de Monumentos e Chafarizes da Prefeitura do Rio de Janeiro, há mais estátuas na capital que em qualquer outra cidade brasileira. São 690 no total e 15 figurativas. Nos últimos anos, personalidades recentes da cultura popular são as principais homenageadas. O poeta Manuel Bandeira completa um ano à frente do prédio da Academia Brasileira de Letras, no Centro, assinada pelo mineiro Otto Dumovich, o mesmo que esculpiu Cartola, no Morro da Mangueira, e Braguinha, em Copacabana (esta é exceção, por estar em pedestal). Pixinguinha chegou ao centro do Rio em 1997. A estátua mais famosa, no entanto, é a do poeta Carlos Drummond de Andrade, que completa seis anos esse mês. O vendedor ambulante Fernando Cerqueira costuma, há cinco anos, sentar no banco ao lado de um cabisbaixo Drummond e observar o mar de Copacabana. “A estátua transmite paz. Apesar de nunca ter lido nada dele, tenho muito carinho pela figura.”
Por estarem ao alcance de todos, as estátuas estão sujeitas a vandalismos. A de Drummond é uma das que sofre mais. Já teve os óculos de bronze roubados cinco vezes, o que suscitou a “campanha” Vamos Botar Lentes de Contato no Drummond, criada pelo humorista Hélio de La Peña. Os óculos do poeta mineiro agora são patrocinados pela Essilor do Brasil, fabricante das lentes Varilux, por dois anos. A Essilor promete ainda instalar câmeras no local.
A Divisão de Monumentos e Chafarizes informa que cada reposição do artefato custa aos cofres públicos R$3 mil. “Nós estamos tentando fazer campanhas educativas e, mais adiante, colocar câmeras em torno dos monumentos para punir quem comete esses crimes”, diz a arquiteta Vera Dias. Além de Drummond, recentemente outras estátuas que sofreram violências foram a do símbolo alvinegro Manequinho, que teve o órgão sexual arrancado, e a do Índio Curumim, que está sem as mãos e o arco.
Não há projetos de novas esculturas figurativas, mas a Prefeitura estuda homenagear Tom Jobim. Esculpir o compositor é um sonho comum entre os artistas plásticos. Edgar Duvivier tentou e não conseguiu emplacar o projeto. “O secretário de cultura Ricardo Macieira não queria porque o aeroporto já levava o nome de Tom Jobim. Claro, não iria propor colocá-lo no Aeroporto Santos Dumont ou no Cumbica”, ironiza Duvivier. Vera Dias discorda do escultor quanto à localização da estátua do compositor. “Eu conheço três ou quatro iniciativas do Tom Jobim no Aeroporto Internacional, mas eu acho que ali não é o local ideal para ele. Eu o imagino no Parque Garota de Ipanema, porque é o lugar da história que levou a Bossa Nova para o mundo, e por ser fechado. E a Garota de Ipanema sempre passou pelo Arpoador.”