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Rio de Janeiro, 24 de abril de 2024


Mundo

América Latina não será prioridade, diz especialista

Ana Luiza Scorza - Da sala de aula

21/01/2009

 Ana Luiza Scorza

Credenciado pela consagração histórica e simbólica, Barack Obama tornou-se oficialmente o primeiro negro a comandar a Casa Branca neste 20 de janeiro. O sucessor de George W. Bush deflagra comoção, esperança e ansiedade dentro e fora dos Estados Unidos. Para a América Latina, o novo presidente americano traz a perspectiva de novas relações. Mas, segundo Michael Shifter, vice-presidente do Inter-American Dialogue, centro de estudos de Washington especializado nas relações entre os EUA e a América Latina, Hugo Chávez, Alvaro Uribe, Lula, Evo Morales e Cristina Kirchner haverão de ter paciência. Em entrevista exclusiva ao Portal PUC-Rio Digital, Shifter afirma que, embora o novo presidente tenha interesse em tornar a política externa americana mais "aceitável", a América Latina não está entre as prioridades.

Portal PUC-Rio Digital - A vitória de Obama foi recebida em tom otimista no Brasil e na comunidade internacional. Que mudanças efetivas de rumo os brasileiras podem esperar do novo presidente americano?

Michael Shifter - O mundo, a América Latina e o Brasil podem esperar, acima de tudo, mudanças no estilo e na aproximação com a administração de Obama. Ele aposta no forte diálogo, na diplomacia e no multilateralismo. Eu acredito que o novo governo vai tentar ir mais fundo nas parcerias com o Brasil. Afinal, o novo presidente é muito inteligente e, certamente, entenderá a importância de se manter essa relação que é tão crucial para os EUA.

- O fato de os democratas serem, historicamente, mais protecionistas do que os republicanos pode afetar os interesses brasileiros?

- Com a crise econômica e, especialmente, com o foco tão grande na equipe econômica escolhida por Obama, é difícil imaginar que a nova administração será protecionista e introspectiva. Uma coisa são as retóricas de campanha, outra coisa é governar. O novo presidente certamente vai querer providenciar cuidados com a saúde e melhores condições sociais para os trabalhadores americanos, a chave do círculo eleitoral do Partido Democrata. Mas, sendo realista, vai ser muito difícil, politicamente, reduzir e remover os subsídios relativos ao etanol à base de milho, o que preocupa o Brasil, por exemplo.

- A maioria dos governantes da América Latina deverá cobrar de Obama mais apoio e desenvolvimento para a região. De que forma isso poderá acontecer?

- Os altos funcionários do governo Obama serão consumidos por outras prioridades, principalmente devido à crise econômica e aos problemas da política externa com Afeganistão, Iraque e Irã. É improvável que a América Latina se torne uma prioridade. Obama, no entanto, tem frisado que os Estados Unidos deveriam saber lidar com as questões urgentes do Oriente Médio e, ao mesmo tempo, melhorar suas relações com os aliados, como a América Latina, por exemplo. De uma forma ou de outra, a região não deve esperar mais atenção ou recursos econômicos, mas sim uma política mais cooperativa.

- A vitória de Obama fez com que muitos líderes latino-americanos pressionassem por sérias mudanças na política externa americana. O fim do bloqueio a Cuba é uma das principais demandas. Isso será possível?

- Obama certamente gostaria de cumprir todas as suas promessas e suspender as restrições sobre remessas e viagens de cubanos-americanos para a ilha. Ele pode fazer isso por meio de uma decisão do Executivo. O novo presidente também pode pedir uma revisão da Lei Helms Burton e de outras legislações restritivas, mas o embargo não será suspenso rapidamente. Obama vai cuidar dessa questão delicada de forma cuidadosa e gradativa. Vão acontecer mudanças bem positivas, mas talvez não tão profundas como a América Latina e muitos outros países gostariam de ver.

- O presidente venezuelano, Hugo Chávez, cobrou novas relações entre os EUA e a América Latina. Já Álvaro Uribe suplicou pelo apoio americano no combate às Farc. Até que ponto isso é viável?

- Obama não vai olhar para a América Latina como uma região dividida em “amigos dos americanos” e “adversários dos americanos”. Ele tentará encontrar um meio termo e trazer os países da região de uma forma conjunta, para trabalhar em cima de problemas comuns. O novo presidente estará aberto a novas relações com Chávez, mas também será firme contra as propostas da Venezuela de construir coalizões regionais ou mundiais que se oponham aos Estados Unidos. Ele vai, acima de tudo, se comprometer em defender os interesses americanos. Além disso, deve apoiar a proposta de Uribe de combater as Farc, embora insista para que o governo colombiano respeite as normas e as práticas dos direitos humanos. Para Obama, não há qualquer contradição na busca de áreas de cooperação com Chávez, ainda que, ao mesmo tempo, ele dê apoio às políticas de segurança do governo Uribe.

- O que pode mudar na questão migratória?

- O novo presidente estará sob muita pressão da comunidade hispânica nos Estados Unidos e de muitos líderes latino-americanos. Eles querem que Obama realize a reforma global de imigração como uma de suas mais altas prioridades legislativas. A política de imigração é uma questão que divide os EUA e o próprio Partido Democrata. Obama deve se movimentar com cautela nesse difícil cenário. Além disso, ele já deixou claro que a crise econômica, a saúde e a energia são suas maiores prioridades na agenda política.

- Na opinião do senhor, de que forma o governo Bush errou em relação à América Latina e o que Obama pode fazer para reparar tais erros?

- Um país sério deveria ser capaz de lidar com as questões urgentes do Oriente Médio e, ao mesmo tempo, estreitar os laços com a América Latina e outras regiões. A administração Bush era tão obcecada com o Iraque que acabou ignorando alianças tradicionais. Obama tem a oportunidade de consertar esse problema. Ele vai se dedicar muito à política externa em relação a países como Iraque, Irã e Afeganistão, mas, ao mesmo tempo, não vai esquecer que os Estados Unidos têm um importante papel no cenário mundial e devem cuidar também das relações com os outros países. A administração de Obama deve evitar a “mão pesada” ou indiferente. Ela deve tratar a política externa de forma séria e buscar verdadeiras alianças nas áreas de interesse comum.