Heróico ou heroico? Idéia ou ideia? Pára-quedas ou paraquedas? O novo acordo ortográfico entrou em vigor na primeira semana de 2009, e já suscita muitas dúvidas. A partir de agora, o hífen torna-se uma figura oscilante no vocabulário, as palavras paroxítonas perdem seus acentos agudos, o trema deixa de marcar o som do “u” e as letras K, W e Y estão oficialmente incorporadas ao nosso alfabeto. Érica Rodrigues, professora de Letras da PUC-Rio, acredita que o aprendizado das mudanças passará por um processo natural; e os dicionários serão nossos "melhores amigos".
Quinto idioma mais falado no mundo, o português é língua oficial em oito países: Brasil, Portugal, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Moçambique, Angola e Timor-Leste. Discutidas desde 1986, as mudanças nas regras ortográficas foram determinadas em uma tentativa de padronização da grafia vigente nestas nações. A ortografia utilizada no Brasil apresentava características peculiares comparada à de Portugal e dos demais países. Havia uma discrepância em relação aos componentes da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).
A nova ortografia tem o objetivo de facilitar o trâmite de documentos e a circulação de livros sem adaptações editoriais. Os textos em língua portuguesa passam a circular livres de restrições técnicas ou pedagógicas. Pretende-se, assim, reduzir as diferenças de escrita entre os países e formar um grupo linguístico expressivo, ampliando o prestígio do português na comunidade internacional.
Para se chegar ao pacto ortográfico, ambos os lados tiveram que ceder. As alterações foram maiores no outro lado do Atlântico. Perdemos, por exemplo, os acentos agudos dos ditongos abertos (éi, ói e éu) em palavras paroxítonas (heroico deixa de ser acentuado, por exemplo). Eles perderam aquelas consoantes mudas características do vocabulário patrício, presentes em algumas palavras apenas para exemplificar a fonologia ("facto" vira "fato", por exemplo). Neste caso, respeitam-se as diferentes pronúncias cultas da língua, possibilitando uma dupla grafia. Tais mudanças devem ser implementadas no Brasil até 2012, enquanto nas demais nações o prazo estende-se a 2014.
O acordo não altera características do português falado. “Nunca teremos uma escrita que espelhe totalmente a pronúncia. Ela (a língua) é viva, depende de onde você mora, suas vivências”, ressaltou a professora Érica Rodrigues.
Uma opinião semelhante é observada em Escrevendo pela nova ortografia, publicada pelo Instituto Houaiss e PubliFolha: "A padronização gráfica das palavras reflete uma imagem de unificação e de uniformização em si mesmo artificial, visto que tal unidade nunca se realizou, não se realiza e nem se realizará na fala corrente".
Ao determinar alterações no português escrito pelos brasileiros, o acordo tem gerado polêmica entre acadêmicos, escritores, estudantes e profissionais de diversas áreas. Alguns argumentam que as mudanças têm um caráter de transformação pouco significativo e trarão grandes gastos editoriais.
– Sou contra a reforma porque várias palavras escritas no Brasil, mesmo com a reforma, vão ficar diferentes de Portugal. As mudanças deixam algumas palavras ambíguas também. Não dá para saber se "para" é verbo ou preposição sem analisar o contexto. Além disso, há os gastos com atualização de dicionários, livros e softwares. Acho muito esforço por algo pouco necessário – opinou Fabiano Ristow, estudante de Jornalismo da PUC-Rio.
Érica afirma que o acordo não tornará a escrita mais simples. Para ela, o aprendizado do novo vocabulário será mais fácil para as crianças em processo de alfabetização.
– Nós adultos temos uma memória gráfica, então tudo o que é escrito de forma diferente vai gerar um estranhamento. Para as crianças, o processo é natural. As dificuldades maiores, como o uso de “z” ou “s” em algumas palavras, vão continuar existindo – conclui.
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