Projeto Comunicar
PUC-Rio

  • Facebook
  • Twitter
  • Instagram

Rio de Janeiro, 19 de abril de 2024


País

Livro acorda silêncio imposto pelo AI-5 há 40 anos

José Augusto Martini - Do Portal

12/12/2008


Tempo negro, temperatura sufocante – Estado e Sociedade no Brasil do AI-5, Org. Oswaldo Munteal Filho, Adriano de Freixo e Jacqueline Ventapane

“Tempo negro, temperatura sufocante, o ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos”. A previsão do tempo na primeira página do Jornal do Brasil de 14 de dezembro de 1968 representva uma metáfora cirúrgica dos anos que viriam. Era verão, o dia seguinte ao decreto do Ato Institucional nº 5 (AI-5). Uma sexta-feira 13. O recém-lançado Tempo negro, temperatura sufocante – Estado e sociedade no Brasil do AI-5 (Editora PUC-Rio/Contraponto, 402 pgs.) relembra as quatro décadas do Ato. Em entrevista ao Portal PUC-Rio Digital, o professor da PUC-Rio Oswaldo Munteal Filho, um dos organizadores do livro, explica os significados do estopim dos anos de chumbo e observa suas influências nos dias de hoje.

- Os anos que se seguiram ao AI-5 ficaram conhecidos como “anos de chumbo”. Qual o significado do AI-5 para o Brasil?

- Foi um momento muito dramático, muito difícil para a história do Brasil. Porque foi um momento de cassação, suspensão dos direitos políticos e sociais, estabelecimento do estado de exceção e liquidação dos direitos individuais. Atualmente se fala muito do centenário do Machado de Assis, da chegada da corte em 1808, e outras efemérides, como maio de 68. É fundamental que se fale sobre isso, mas por que o silêncio sobre exatamente o que decretou o silêncio no Brasil? É o silêncio sobre o silêncio. Os 40 anos do Ato 5 representam ainda muito para o Brasil. Ainda caminhamos para uma democracia plena.

- O AI-5 fechou o Congresso, cassou o mandato de muitos políticos e suspendeu as garantias constitucionais. Qual era a intenção dos militares ao instaurar o Ato?

- O Ato 5 teve como principal característica a tentativa de conter o movimento social emergente. Este movimento foi atacado sob a forma de um Ato sem data de finalização. Do ponto de vista da história jurídica do Brasil, é algo impressionante. Foi um dispositivo legal sem data para acabar. Criou-se um dispositivo, chamado de "legal", mas com caráter de excepcionalidade. O Brasil nunca viu em toda sua história um ato dessa natureza.

- Alguns consideram o Ato um “golpe dentro do golpe”. Outros dizem que essa definição não só simplificaria o fato como não ajudaria na compreensão daquele momento...

- Golpe dentro do golpe é simplificar muito. Dá uma idéia da linha dura sobre um regime que tinha a intenção de derrubar o governo João Goulart, mas não de mergulhar o país numa noite profunda. A noite profunda veio mesmo em 64. Pintaram o quadro e a assinatura da obra veio em 68 na forma do Ato. O Ato Institucional nº5 só foi possível porque o Congresso Nacional deu aval ao Ato nº1, decretando estado de vacância, ou seja, que o presidente João Goulart não estava no país. E ele se encontrava no Rio Grande do Sul. Sei que muitos colegas consideram esse um ponto polêmico, e só tenho a lamentar, mas espero que essas pessoas compreendam. De uma maneira direta, o Congresso deu início aos Atos, ao chamar a primeira lista de cassação.

- Tempo negro, temperatura sufocante – Estado e sociedade no Brasil do AI-5, por que a escolha do título?

- O dia seguinte à promulgação do AI-5 era um dia de sol, luminoso do ponto de vista estético. Mas do ponto de vista político, da liberdade do indivíduo, da igualdade, foi um tempo negro, temperatura sufocante. Foi a forma que a imprensa teve, ainda que com um certo grau de distância dos fatos, de constatar que a ditadura tinha chegado às redações. E isso só piorou. Naquele momento a imprensa entendeu que era um movimento também contra ela e se apressou em denunciar, mas aí já era tarde. O título tem a ver com a previsão do tempo emblemática estampada na capa do Jornal do Brasil no dia seguinte à promulgação.

- 1968 ficou marcado como um ano de grande contestação da política e dos costumes, principalmente pelos jovens. O senhor acredita que este momento tenha precipitado o AI-5 ou este seria decretado mais cedo ou mais tarde?

- O Brasil estava sintonizado com os movimentos fora do país. Ouso dizer que os movimentos europeus é que se influenciaram pela América Latina. 68 no Brasil foi o resultado de uma tensão. Uma dimensão libertária, da rebeldia, do extravasamento, em choque com outra tendência, a da repressão, da contenção e do cerceamento. Vivíamos um laboratório no qual  havia as duas forças interagindo. Foi um momento muito explosivo e triste para o Brasil.

- O livro ajuda o leitor a pensar o passado recente do Brasil. O senhor acredita que o país tem dificuldade em olhar para sua própria história?

- Qualquer olhar para dentro é um olhar difícil. É um exercício doloroso. Se na escala do indivíduo é possível ver traumas, dificuldades e amputações, na escala do inconsciente coletivo fica difícil de imaginar o que se pode encontrar. O Brasil se viu defrontado com a sua sombra. A ditadura militar e particularmente o AI-5 projetaram sobre o país a sombra de sua própria identidade: um país dos coronéis. Não há liberalismo clássico no Brasil. Nossa experiência política não foi essa. É muito difícil ter essa percepção aguda da memória, da relação com o esquecimento. Quantas décadas se passaram para que se anistiasse o presidente João Goulart? Ele morreu em 76 e foi anistiado há poucas semanas, agora, em 2008.

- De que forma o acesso aos arquivos ainda não abertos pelo Estado pode ajudar a entender os anos em que o Brasil viveu sob a ditadura militar?

- Imensamente. Temos notícia que o governo federal quer abrir os arquivos em janeiro. Não digo arquivo com fotos dos generais em seu dia-a-dia, apesar destas serem muito interessantes como álbuns de família, ou como deleite pessoal. Mas os arquivos que realmente importam estão sob a guarda do Itamaraty e do Poder Judiciário. Há uma necessidade, um imperativo, pela abertura dos arquivos da ditadura. Nossos vizinhos sul-americanos já o fizeram. A população brasileira tem o direito de ter esse acesso.