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Rio de Janeiro, 26 de abril de 2024


Campus

"Não podemos nos esquecer do AI-5"

Luisa Oliveira - aplicativo - Do Portal

22/03/2016

“Vocês, que são a futura geração de jornalistas, precisam saber o que aconteceu 50 anos atrás, para que aquilo não se repita”, afirmou o jornalista José Maria Mayrink, 77, ao lançar na PUC-Rio o documentário Estranhos na noite – Mordaça no Estadão em tempos de censura, que relata a censura, histórias e momentos dos jornalistas do Estado de S. Paulo durante a vigência do Ato Institucional nº 5 (AI 5), em 13 de dezembro de 1968. Em palestra a alunos do Departamento de Comunicação, na última quinta-feira, o jornalista do Estadão, que em 50 anos de carreira cobriu a eleição de dois papas e o golpe militar no Chile, conversou sobre os tempos difíceis do período militar e lembrou com emoção da sessão em que exibiu o filme para os entrevistados e suas famílias:

– Carlos Garcia tem mais de 80 anos e seus filhos tinham 8, 9 anos quando ele foi torturado. Ele e os filhos estavam presentes quando divulgamos o filme para os entrevistados e repórteres do Estadão. Vocês devem imaginar a emoção deles assistindo ao filme, né? Principalmente para os filhos.

Foram entrevistados profissionais como Júlio Mesquita, Ricardo Kotscho, Miguel Jorge, Carlos Garcia, Oliveiros Ferreira, Fernando Mitre, Sérgio Mota Melo e Flavio Tavares – cujo filho, o cineasta Camilo Tavares, dirige o documentário, que tem roteiro de Mayrink.

“Este documentário é um passo histórico na imprensa brasileira”, afirmou a professora e colunista do Estadão Suely Caldas, presa política.

O documentário, baseado no livro Mordaça no Estadão, lançado por Mayrink em 2008, também apresenta depoimentos das atrizes Irene Ravache e Eva Wilma e do ex-ministro Delfim Neto, que observam o período sob os pontos de vista da cultura, da política e economia. “Há ordens que são feitas para serem desobedecidas”, afirma Irene no filme.

Mayrink, que já teve matérias censuradas, lembra que, para despistar a censura, o jornal publicava poemas e receitas:

– Quando a censura passava, o jornal ficava com buracos na edição, então precisávamos completar os campos com alguma coisa. Por isso a escolha dos poemas e receitas de bolo. Certa vez publicamos um poema de Camões duas vezes!

 Apesar dos avanços democráticos, para o jornalista, a imprensa muitas vezes sofre censura “no âmbito judicial”:

– Por exemplo, o Estadão está sob censura desde 30 de julho de 2009, quando foi proibida a publicação sobre investigações e o inquérito a respeito de negócios suspeitos do empresário Fernando Sarney, filho do ex-presidente José Sarney. E não é somente o Estadão. Isso acontece Brasil afora com empresários, governadores, deputados que se sentem ofendidos, entram na Justiça e conseguem censurar rádios, jornais e telejornais.

Sobre o cenário político atual, alunos perguntaram a Mayrink se via semelhanças com o golpe que derrubou o presidente João Goulart, em 1964. O jornalista acredita haver mais diferenças que semelhanças entre os dois momentos políticos nacionais:

– A grande diferença é poder falar hoje. Divulgamos, e de forma mais rápida. O que aconteceu quarta-feira mesmo [a divulgação dos grampos telefônicos entre o ex-presidente Lula e a presidente Dilma Rousseff] gerou uma reação imediata, na mesma hora várias pessoas foram às ruas protestar.

O filme será transmitido no Canal Brasil e posteriormente no site do Estadão. Assista ao trailer em Estranhos na Noite - Mordaça no Estadão em tempos de censura

Censura ao 'Estadão': entenda o caso

A Operação Faktor (ou Boi Barrica) foi deflagrada em 2006 pela Polícia Federal, que investigou recursos ilegais da família Sarney às vésperas das eleições daquele ano. Durante a operação, foram identificados desvios de recursos, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e tráfico de influência. Fernando Sarney, filho do ex-presidente José Sarney, foi indiciado em três crimes. No início de 2009, o Estadão passou a divulgar trechos de grampos telefônicos autorizados pela PF envolvendo Fernando Sarney. Em uma das ligações feitas pelo empresário, está uma conversa com o pai para a nomeação do namorado da filha a um cargo do Senado. Em 31 de julho daquele mesmo ano, o desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF) Dácio Vieira, anulou as provas associadas ao empresário que alegou “proteção dos seus direitos individuais”. Para o STJ, as provas eram ilícitas. Desde então, há quase sete anos, o jornal está proibido de mencionar Fernando Sarney em reportagens.