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Rio de Janeiro, 23 de abril de 2024


Economia

Economia aguarda reequilíbrio entre Executivo e Legislativo

Mariana Casagrande - aplicativo - Do Portal

18/12/2015

 Nicolau Galvão

Incerteza é a palavra que orbita o país, quando o assunto gira em torno de economia e política. Indicadores como a queda de 1,7% do Produto Interno Bruto (PIB, a soma dos bens e serviços produzidos) no terceiro trimestre – a terceira seguida e a maior entre 41 países avaliados – e a inflação de dois dígitos despertam o fantasma da depressão. Sucessivos recuos do consumo das famílias, dos investimentos e da produção industrial, somados aos dois rebaixamentos no ranking de pagadores aplicados pelas agências de risco Ficht e Standard & Poor's, sinalizam o fundo do poço. Para alguns analistas, contudo, o buraco se insinua ainda mais fundo. Tão difícil quanto dimensionar o tamanho do estrago revela-se o prognóstico para 2016. Pelo menos uma pergunta central desafia os cânones da área: até que ponto o próximo ano reunirá condições de cumprir os deveres de casa necessários à virada de jogo, desde o reequilíbrio das contas públicas até o desembaraço político? A resposta patina na "combinação, de intensidade jamais vista, entre uma crise econômica grave uma crise política gravíssima", avalia um desses cânones, o economista e professor da PUC-Rio Luiz Roberto Cunha, também decano do Centro de Ciências Sociais (CCS). "Essa interseção negativa entre política e economia é decisiva para a insegurança nos cenários interno e externo, o que impossibilita qualquer previsão econômica", argumenta. 

Em meio à concorrida agenda de aulas e entrevistas, concedidas, por exemplo, à rádio CBN e à Globo News, Cunha conversou com o Portal PUC-Rio sobre os rumos da nossa economia. Embora reconheça a extensão das perdas na renda, no emprego, na produção, no consumo, ele vê luz no fim do túnel: "Se o governo e o Congresso se acertarem para a aprovação de cortes de gastos e outras medidas estruturais, podemos esperar por cofres e bolsos mais cheios no longo prazo". O economista apoia a volta da CPMF, "o mais suave dos tributos", como um dos passos ao reequilíbrio das finanças públicas, porém ressalva: "Nada adianta, simplesmente, termos mais impostos. A questão central é credibilidade na política econômica, para que possamos reduzir os juros".  Com igual veemência, o professor lembra: "Não se pode fazer um país crescer só com consumo".

Portal: A economia brasileira revelou indicadores mais perversos do que as previsões negativas do início do ano. A inflação, por exemplo, ultrapassou o teto da meta (6,58% ao ano) e beira os 10%, foi para 9,92%. Os sucessivos recuos do PIB acordam o fantasma da depressão e alimentam o desemprego. A taxa  básica de juros (Selic) atingiu 14,25%, maior patamar desde 2006. Sofremos dois rebaixamentos no ranking de pagadores globais, o que mina o acesso ao crédito e a confiança dos investidores. Chegao ao fundo poço? É possível precisar um prognóstico para o próximo ano em meio a tanta instabilidade?

Luiz Roberto Cunha: Para mim, a questão mais grave em relação aos erros das projeções para esse ano é que não tínhamos ideia do tamanho da crise fiscal brasileira. Ela foi provocada, principalmente, pelo acúmulo de gastos do governo Dilma que não foram devidamente contabilizados na dívida do país. Mas ninguém esperava que os números desses gastos irresponsáveis fossem revelados e gerassem um impacto tão grande sobre a economia.

Portal: O senhor se refere às chamadas pedaladas fiscais do governo, que até fundamentam o pedido de impeachment deferido pelo Supremo? 

Cunha: Sim. Pedaladas foram feitas também por outros governos, mas não com essa dimensão. Os gastos não contabilizados – atrasos de pagamentos da Caixa Econômica, BNDES etc. – se mostraram mais graves, atingindo medidas mais duras do que se imaginava. Talvez houvesse intenção de adiar a contabilização dos gastos para 2016 ou 2017, mas aí surgiram todas essas discussões do Tribunal de Contas. Isso levou a medidas mais duras em termos de reduções de gastos, para acomodar as despesas passadas que não estavam devidamente contabilizadas, além de aumentar impostos e reduzir incentivos.

Portal: Como requilibrar as contas públicas e, não menos difícil, reajustar a política econômica para encaminhar a recuperação econômica em 2016? 

Cunha: Ainda não houve quase aumento de impostos, mas teve redução de subsídios, que, obviamente, estavam empurrando a atividade econômica para frente. Quando as empresas recebem recursos como créditos mais baratos ou redução de impostos, elas acabam produzindo mais. A política econômica do governo Dilma foi baseada nisso – tentar manter o crescimento e o consumo a toda força –, e aparentemente ela reconhece que estava errada.

Portal: Quais as diferenças entre a retração atual e outras crises econômicas do país? 

Cunha: Crises econômicas, o Brasil já teve muitas. Na época da inflação alta, por exemplo, foram criados programas que tentavam reverter a situação, como o Plano Cruzado, em 1985; Plano Bresser, em 1986; Plano Verão, em 1989. São programas típicos de crises econômicas. Crises políticas, também tivemos várias, sob diferentes contextos: suicídio de Getúlio, renúncia de Jânio, golpe militar de 1964. Mas a combinação, e este é o ponto importante, entre uma crise econômica grave com uma crise política gravíssima, nós nunca tivemos com tamanha intensidade. Além disso, há uma terceira variável que afeta fortemente a atividade econômica: investigações da Lava Jato e outros casos de corrupção que afetaram duas cadeias produtivas muito importantes para o crescimento do país e, em particular, do Rio de Janeiro: os setores de óleo e gás e da construção pesada. A combinação crises econômica e política intensas e a desorganização de cadeias produtivas extremamente importantes para o crescimento do país revelam-se fatores decisos.

Portal: Claro que não há fórmula mágica, mas qual seriam os deveres de casa essenciais para o Brasil se afastar do fundo do poço e voltar a crescer?

Cunha: Se o Congresso Nacional, encarregado de aprovar cortes de gastos, aumento de impostos e outras medidas estruturais a longo prazo e o governo entrarem em harmonia, podemos olhar para uma luz no fim do túnel, mesmo que não seja em 2016.

Portal: A volta da CPMF, embora controversa, pode ser um teste importante, simbólico, à capacidade de entendimento entre o Executivo e o Legislativo, e um passo necessário ao requilíbrio econômico?

Cunha: Sem dúvida. Infelizmente, acho que a sociedade brasileira, especialmente a grande imprensa, ficou com uma postura muito negativa em relação à CPMF. Dos tributos, é o mais suave e neutro possível, porque incorre em operações financeiras. As pessoas de renda mais baixa são pouquíssimo afetadas, enquanto que as que têm muito dinheiro e realizam muitas movimentações irão pagar mais. No entanto, é importante ressaltar que de nada adianta, simplesmente, termos mais impostos. A questão central é credibilidade na política econômica para que possamos reduzir os juros.

Portal: O consumo das famílias brasileiras caiu 2,1% de abril a junho, em comparação aos três meses anteriores, e 2,7%, em relação ao período equivalente do ano passado. Como o governo inverter este curso, que desacelera ainda mais a economia?

Cunha: Não pode. O modelo que se tentou durante alguns anos e até obteve algum sucesso foi o modelo de dar mais créditos, reduzir os juros e criar condições para o consumidor comprar mais.  Em 1994, quando se conseguiu, com o Plano Real, mudar a situação econômica do Brasil, iniciou-se a melhora na distribuição de renda. A partir daí, isso foi continuado no governo Lula, com programas de transferência de renda e continuidade da inflação baixa. Mas, não se pode fazer um país crescer só com consumo.

Portal: É preciso, por exemplo, aumentar a dosagem dos investimentos em infraestrutura e reduzir drasticamente os subsídios e incentivos fiscais? 

Cunha: É imprescindível haver investimentos em estradas, portos, aeroportos, escolas, hospitais e outros setores públicos. O Brasil ficou olhando muito para a questão do consumidor, já que ele também é um eleitor. Este caminho que não podia ter continuado. Deve ser tomado apenas por um período. O problema que percebemos hoje é que uma parte do investimento feito em hidrelétricas, Angra 3 e Petrobrás foi desviado, impossibilitando o crescimento dos investimentos.

Portal: Outro fantasma, talvez o mais assustador, nesses tempos de crise é o desemprego. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), 20% dos jovens entre 18 e 24 anos estão desocupados, enquanto a média nacional está em torno de 9%. Por que essa parcela da população está sendo mais afetada?

Cunha: O desemprego no Brasil estava baixo nos últimos anos, numa questão estatística, porque avalia-se quem está procurando trabalho em relação a quem tem condições de estar no mercado. Com uma série de problemas sociais e programas ligados à educação, como o Fies, tirava-se do mercado de trabalho uma porção dos jovens que procuravam se especializar antes de procurar emprego. Infelizmente, este é um dos programas feitos um pouco sem critério, e teve de ser reduzido com os ajustes próprios da crise. Há mais jovens procurando trabalho nesse momento de queda econômica, e essas pessoas são as que têm menos experiência e preparo.