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Rio de Janeiro, 25 de abril de 2024


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Mercado de livros vê na web um caminho para driblar crises

Marina Ferreira - aplicativo - Do Portal

17/11/2015

 Arte: Thayana Pelluso

O mercado editorial brasileiro passou por muitas transformações nos últimos anos. O advento dos e-readers, como Kindle e Kobo, a chegada ao Brasil da loja on-line Amazon, o boom dos livros para colorir e, agora, os ‘escritores-blogueiros’. Dos dez livros mais vendidos no país em 2015, segundo o PublishNews, quatro são de jovens influentes na internet.

Com o livro campeão de vendas da Bienal do Rio, Kéfera Buchmann, youtuber de 22 anos, é autora do sétimo livro mais vendido do ano, o Muito mais que 5inco minutos, da Editora Paralela, superando 119 mil cópias. O sucesso comercial está diretamente relacionado ao sucesso da curitibana na internet – o canal de Kéfera no Youtube conta com 6 milhões de inscritos e tem mais de 485 milhões de visualizações.

Também aparece na lista Christian Figueiredo, 20, blogueiro que fala sobre o universo adolescente. Seu livro, Eu fico loko, lançado pela Novas Páginas, ocupa a oitava posição da lista e vendeu quase 114 mil exemplares. Em seu canal no Youtube, Christian tem 3,5 milhões de seguidores. Em agosto deste ano, lançou Eu fico loko2, que vendeu mais de 20 mil cópias só em outubro. Paula Bastos

O livro de Isabela Freitas, 24, dona de um blog sobre relacionamentos com 100 mil visitantes diários, aparece em nono lugar. Seu primeiro livro, Não se apega, não, lançado em 2014, vendeu quase 109 mil cópias apenas em 2015. Junto com Não se iluda, não, também editado pela Intrínseca, foram no total 500 mil exemplares.

Mercado supera dificuldade com jovens

Sobre o investimento das editoras nesse nicho literário, a assistente editorial da Editora PUC-Rio, Livia Salles, pondera que, “como qualquer tendência, tende a ser passageira. Mas isso não seria um demérito”.

– Parece estranho pensar que até os blogs já ficaram meio ultrapassados, por isso os youtubers, mais que os blogueiros, representam uma tendência de comunicação de forma geral, principalmente entre os jovens. Era natural que ultrapassassem barreiras de mídia e fossem parar nos livros. O investimento é positivo, já que uma das grandes dificuldades do mercado editorial brasileiro sempre foi se comunicar com os jovens. Antes, havia uma divisão muito clara: livros infanto-juvenis, que eram mais para crianças, e livros de literatura adulta. Faltava o meio-termo.  

O sucesso na web exerce grande influência sobre as vendas, e o mercado editorial passou a prestar atenção nesses formadores de opinião entre o público teen. Para o diretor de Marketing e Eventos do Grupo Editorial Record, Bruno Zolotar, os blogs “são a imprensa para livros juvenis e infanto-juvenis”. 

– Há pelo menos sete anos temos um forte trabalho com blogs principalmente voltados para o público mais jovem. Fazemos seleção de blogs parceiros, encontros com os blogueiros, e enviamos livros para eles analisarem.

Para a coordenadora de imprensa da editora Rocco, Adriana Sardinha, o trabalho realizado com essas novas plataformas na internet exige certo critério: 

– Fazemos uma seleção anual para escolher os blogs que serão nossos parceiros ao longo de 12 meses. É uma escolha sempre difícil, e procuramos abrir espaço para blogs com diferentes perfis, por exemplo voltados para livros jovens, outros mais literários, de ficção científica e distopia, romances femininos etc. Também deve se levar em conta a qualidade dos textos publicados, o respeito à língua portuguesa, a identificação com os livros da editora, o número de seguidores e a média de atualizações. Os blogs e canais de youtube são verdadeiros formadores de opinião, muito importantes para a divulgação de determinados livros, por atingirem um público que não está na mídia tradicional.

Além das parcerias com blogs, as editoras viram na internet um caminho para sobreviver às crises. Páginas no Facebook, vídeo-resenhas e press kits dos lançamentos integram as estratégias mais eficazes para aumentar as vendas, segundo Zolotar.

– Para cada público e título existe uma estratégia e táticas. Não adianta fazer jornal para o público que fica o dia inteiro na internet, nem internet para o público que gosta de mídia impressa. A internet 2.0 possibilitou maior interação com o público e principalmente com a Galera – selo jovem da editora – usamos este canal. O Facebook, por ser a mais popular plataforma do tipo no país, com mais de 80 milhões de usuários, é a que mais usamos e na qual mais investimos – a editora acumula 698 mil curtidas/seguidores na sua página na rede social.

Assim como as editoras, eventos literários também apostaram na força da internet. A 17ª Bienal do Livro, realizada em setembro no Rio, com a presença de youtubers, blogueiros e autores queridos por adolescentes, recebeu 676 mil visitantes – 12,5% a mais do que o esperado.  A feira foi um evento declaradamente jovem: a organização investiu na relação entre autor e fã, construída principalmente na internet, e eles foram 56% do público. Em espaços criados chamados Maracanã e Copacabana, escritores como Bruna Vieira, Collen Hoover e Eduardo Spohr – muito populares entre os jovens na internet – deram cerca de 19,5 mil autógrafos. Com essa estratégia, 3,7 milhões de livros foram vendidos – 8% a mais do que em 2013 – e o faturamento foi de R$ 83 milhões – aumento de 18% em comparação a última edição da feira.

Apesar dos números positivos, o mercado editorial brasileiro encolheu 5,16% em 2014, e as editoras de livros didáticos tiveram influência na queda. O setor ainda é muito dependente dos livros comprados pelo estado, que comprou 31,32% de exemplares a menos, segundo a pesquisa “Produção e vendas do setor editorial brasileiro”, encomendada pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) e pelo Sindicato Nacional de Editores de Livros (Snel).

Leia mais: “É preciso dirimir desequilíbrios da dependência do livro didático” 

 

No mesmo ano, a Amazon, uma das maiores lojas on-line do mundo, e forte no segmento de livros e e-books, com seus preços abaixo do mercado e distribuição ampla, chegou ao Brasil e acirrou ainda mais a disputa. Livros como Fama e Anonimato, de Gay Talese, custam quase R$ 20 menos no site da Amazon do que no de grandes redes brasileiras. O Kindle, leitor digital da marca, passou a ser vendido no país e a rede de livrarias Saraiva, no mesmo ano, lançou um leitor próprio, o Lev, não tão bem-sucedido.

Os preços competitivos das lojas online e a falência das ‘livrarias de bairro’ levou a questão do preço de capa a ser debatida no Senado em junho deste ano. O projeto de lei 49/2015, da senadora Fátima Bezerra (PT-RN), que institui a Política Nacional do Livro, é amplamente apoiado por editores e livrarias. A proposta busca definir um teto máximo para descontos nos livros e uma regulamentação dos preços de forma geral – no primeiro ano de lançamento do livro ele teria desconto tabelado, de no máximo 10%. O projeto está agora em tramitação na Casa, e o senador Ricardo França foi designado para ser relator da matéria. Para Livia Salles, a lei beneficia “não somente as pequenas livrarias, mas também o público leitor”.

– Essa ideia começou a ser rediscutida no Brasil depois da chegada das grandes empresas de comércio eletrônico no país, principalmente a Amazon. As pequenas e médias livrarias não conseguem o poder de desconto que as grandes redes conseguem. A lei do preço único garantiria, ao menos durante o período de lançamento, igualdade nesse desconto, ou seja, todas ofereceriam preços parecidos ao leitor. Desde modo, não fará muita diferença comprar na Saraiva ou comprar na livraria do bairro. Isso pode ajudar na sobrevivência do pequeno livreiro, que exerce um papel importante ao público-leitor, pois é um tipo de livraria que não fica fadada à venda de best-sellers apenas. Ou seja, há uma maior diversificação de livros à venda graças aos diferentes tipos de livrarias. E isso vai interferir no tipo de conteúdo que as editoras estarão dispostas a publicar. Então, há sim uma tendência a democratização não apenas de acesso, mas de oferta de conteúdo. E isso levaria a uma menor concentração de mercado.

Leia mais: Para resistir a gigantes do varejo, livraria investe na pluralidade 

 

A febre pode ter diminuído, mas os livros para colorir ainda compõem um forte braço de sustentação do mercado literário. Só em 2015 eles renderem R$ 25 milhões, e o livro ‘antiestresse’ Jardim Secreto, da Editora Sextante, vendeu mais de 704 mil cópias – o mais vendido do ano, seguido de Floresta Encantada, da mesma editora.

 Divulgação Outra saída utilizada pelas editoras para manter-se de pé é o relançamento de livros clássicos, apostando no design das capas e no conteúdo aprimorado. De acordo com a gerente de Comunicação e Marketing da editora Zahar, Isabela Santiago, a estratégia vem mostrando resultados:

A coleção Clássicos Zahar conta hoje com 48 títulos, em edição comentada e ilustrada. São sempre versões integrais da obra, anotadas e com traduções caprichadas. Muitas dessas edições contam também com ilustrações raras, imagens originais de época ou especialmente pesquisadas para essas publicações. Em seguida ao lançamento das edições comentadas, lançamos uma versão chamada Bolso de Luxo, que tem o mesmo conteúdo, mas com preços mais acessíveis. Tudo isso encontrou um público muito jovem e leitor, tanto nas redes sociais onde diversos blogs, vlogs e canais de vídeo resenham os livros e compartilham suas críticas, como nas livrarias. Na Bienal do Livro de São Paulo, em 2012, vendemos cerca de 750 mil exemplares e agora, em 2015, tivemos pela primeira vez um estande próprio na Bienal do Rio, e os clássicos representaram 50% das vendas – a coleção já publicou obras como Peter Pan, Rei Arthur, O conde de Monte Cristo e O mágico de Oz. Na mesma linha, a Editora Record editou em 2014 diversos títulos do escritor colombiano Gabriel García Márquez, ganhador do Nobel de Literatura, com capas de design mais arrojado e moderno. Para Zolotar, o grande número de livros lançados todos os meses exige maior cuidado com as edições, mesmo de livros celebrados.

– O mercado hoje em dia está muito focado em lançamentos, são mais de 2000 novos títulos lançados todo mês. Com isso, livros mais antigos, mesmo de autores consagrados, perdem espaço nas livrarias. Para fazer o que chamamos de recolocação é necessário criar um fato novo, e novas capas possibilitam isso. Geralmente as vendas aumentam muito. 

Brasil é 9º maior mercado do mundo

Apesar do cenário de crise econômica, o Brasil tem o nono maior mercado editorial do mundo, com cerca de 500 editoras ativas e eventos literários que movimentam milhões – em 2012, a Bienal Internacional do Livro de São Paulo teve rendimento de R$ 22,4 milhões. Com esses fatores, Isabela Santiago acredita que o mercado “tem capacidade de absorver os títulos lançados todo mês”.

– Pelo resultado das vendas podemos acreditar que os brasileiros estão comprando mais livros. Além disso, temos mesmo um fenômeno de literatura jovem em curso e eles estão com certeza lendo mais no mundo inteiro.

Para Adriana Sardinha, “os jovens são os grandes responsáveis pelo aumento considerável de leitores no país”.

– Os jovens são trazidos para a literatura por best-sellers como Harry Potter, Jogos Vorazes, Divergente e outras séries de sucesso internacional. De forma geral, esta é a maior mudança, ou a mais significativa, no panorama da leitura no Brasil. É sem dúvida um dado positivo que se refletirá em longo prazo, com o aumento de uma nova geração de leitores adultos.