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Rio de Janeiro, 19 de abril de 2024


Economia

Economia do compartilhamento se estende às cidades

Carolina Ernst* - aplicativo - Do Portal

12/11/2015

 Arte: Thayana Pelluso

A economia do compartilhamento, celebrizada com a onda dos serviços de compra coletiva há três anos, tende a movimentar US$ 335 bilhões (R$ 1,2 trilhão) por ano até 2025, projeta a consultoria PricewaterhouseCooper. As previsões animadoras disseminam a modalidades por diversos empreendimentos e setores, como o imobiliário. A construtora Gafisa, por exemplo, incorpora o conceito ao Smart Santa Cecília, condomínio recém-lançado na capital paulista. Os moradores compartilham, por meio de um aplicativo para o smartphone, diversos bens e serviços, desde bicicletas e aulas particulares de música até cômodos. Para o professor de Urbanismo e Arquitetura da PUC-Rio Raul Bueno, essa tecnologia teria efeitos mais pródigos se aplicada na cidade propriamente dita. "A cidade oferece mais oportunidades de compartilhamento", argumenta.

Ao chegar aos condomínios, o modelo compartilhado esboça implicações mais complexas do que a perspectiva de o interfone ser trocado pelo aplicativo. Isabela Mascarenhas, sócia da Lalubema Sistemas, explica que o aplicativo Gafisa Home&Share foi criado para facilitar a vida dos moradores. O sistema de sharing foi exclusivamente desenvolvido para o condomínio. A novidade reaquece a discussão não só sobre os formatos econômicos adequados para a vida condominial, mas sobre o formato de moradia adequado às crescentes demandas ambientais e urbanas.

No centro da discussão está o perfil de condomínios fechados inspirado nos subúrbios americanos e europeus. No Rio, esses tipos de residência propagaram-se nos anos 1980, com o povoamento de áreas como a Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste. O Plano Piloto da Barra, de 1969, projetava grandes avenidas e espaços abertos, que acabaram ocupados por núcleos de moradia fechados e isolados. As grandes distâncias a serem percorridas induziram tais moradias a concentrar serviços de lazer, conveniências e segurança. 

O lançamento de São Paulo reforça tal modelo. Sistematiza o compartilhamento de serviços, prática adotada já em muitos prédios residenciais e comerciais, todavia de maneira informal, inconstante. Carolina  Mendes, estudante de Direito da PUC-Rio, conta que no condomínio onde mora, as famílias se uniram e organizaram um mecanismo de transporte para as crianças. Depois de um ano, o condomínio passou a responsável pelo serviço e o sistematizou. Com o gerenciamento pelo aplicativo, a economia compartilhada tende a se tornar um padrão também nos condomínios, acreditam alguns especialistas em projetos imobiliários.

Até o amadurecimento de uma rede de trocas formalizada nas moradias coletivas, os entusiastas do compartilhamento já recorrem ao sistema por meio de plataformas específicas. Caso, por exemplo, das referentes a jantares compartilhados, transporte solidário e hospedagem de animais. "Cada plataforma tem o próprio modo de operação e sustento", explica Vitor Pajola, porta-voz do ConsumoColaborativo.com.

O aplicativo condominial integra várias plataformas e serviços, supostamente ajustados às necessidade dos moradores. Por exemplo, como a maioria dos condomínios da Barra concentra grande quantidade de bichos de estimação, o empresário Sérgio Hernandez, programa desenvolver, para este público, um segmento específico da plataforma o PetHub, especializada na hospedagem de animais.

Outra iniciativa alinhada com o compartilhamento em condomónios é o Tem Açúcar? Desenolvido designer Camila Carvalho, o serviço gerencia o empréstimo ou a doação de objetos entre vizinhos. "Conheci a ideia quando fiz o curso Gaya Education, de designer sustentável, nos Estados Unidos. Aí eu pensei: preciso trazer essa ideia para cá”, conta. Em agosto, após nove meses no ar, o site atingiu a marca de 56 mil usuários. Camila destaca a importância desta lógica:

 – Em vez de olhar o que a gente não tem e produzir mais, a gente realoca os recursos abundantes.

Ainda no âmbito do compartilhamento associado ao setor imoboliário, o AirBnb torna-se uma referência mundial. Inaugurada em novembro de 2008, em São Francisco, Califórnia, a plataforma permite aos usuários alugar o apartamento ou parte dele. O gerente de Marketing do Airbnb, Samuel Soares, lembra que, quando o site começou a operar no Brasil, em 2012, a desconfiança dos brasileiros foi superada com estratégias de pagamento específicas para o mercado nacional. Vencida a resistência inicial, o país passou a ser reconhecido como um dos mais hospitaleiros: hospedou, em três anos, mais de 450 mil viajantes, por meio do Airbnb. Para Samuel, o "maior benefício" é troca cultural entre o hóspede e o anfitrião:

– As pessoas estão dando mais valor à experiência do que à posse. Com base nesta premissa, a plataforma online propicia a integração de pessoas de várias partes do mundo e, consequentemente, as trocas de experiências e culturas.

Ainda no setor imobiliário, o conceito de compartilhamento assume uma variação voltada a consumidores do Rio interessados em dividir espaços para reuniões de diversas naturezas – de jantares com amigos e happy hour corporativo até curso de línguas e oficina de ioga. O Transborda92 é a reinvenção do Catete92, uma casa aberta, colaborativa, autogerida. Funciona com financiamento coletivo mensal e contribuições voluntárias. As atividades são organizados em grupos no Facebook e WhatsApp. Os organizadores são unânimes ao referendar a eficiência do modelo compartilhado: “Impossível voltar atrás”, dizem.

Vitor Pajola pondera que  o compartilhamento de serviços e bens de consumo não é um conceito propriamente novo: "Sempre existiu, mas acabou sumindo diante do consumismo desenfreado”, observa. Ele completa:

– Agora, diante de uma maior conscientização e com a ajuda da tecnologia, a prática está retomando seu lugar com força. Por meio do nosso site, vemos pessoas que encontram o assunto pela primeira vez, se maravilham e querem participar de alguma forma.

O interesse crescente se reflete na multiplicação das plataformas associadas à economia compartilhada. Em cada cinco brasileiros, um já conhece e se identifica com o conceito, constata pesquisa da Market Analysis realizada nas principais capitais do país entre janeiro e fevereiro deste ano. Apesar de resistência de alguns ao primeiro contato, a maioria percebe benefícios concretos na economia compartilhada, inclusive a oportunidade de poder ajudar. “Enquanto no mundo capitalista a solução de todos os problemas da humanidade está no dinheiro, na economia colaborativa está na colaboração e compartilhamento entre as pessoas”, opina Camila.

Cidades compartilham melhor do que condomínios, pondera professor

A disseminação da lógica compartilhada no setor imobiliário renova o debate em torno dos modelos de habitação e organização urbanas.  “Os condomínios estão buscando compartilhar serviços. Mas a cidade faz o compartilhamento de serviços de uma maneira muito melhor”, pondera professor de Urbanismo e Arquitetura da PUC-Rio Raul Bueno.

Ele acredita que o "futuro não está nos condomínios com mais serviços", e sim numa organização urbana mais harmônica e favorável ao compartilhamento. O arquiteto argumenta que, em uma cidade com alta densidade demográfica, o morador tem mais opções ao redor e, assim, "não é obrigado a pagar asltas taxas condominiais": 

– Por que sou obrigado a pagar uma academia de ginástica dentro do condomínio? E se eu não gosto dessa academia? Se está no meu condomínio, não importa: sou obrigado a pagar por ela – exemplifica.

Ainda de acordo com o urbanista, há uma tendência mundial de se a abandonar o modelo dos grandes condomínios rumo a cidades "um pouco mais compactas, um pouco mais densas". Em Nova York, por exemplo, completa o professor, observa-se um movimento contrário ao empreendido nos anos 1990: migração do subúrbio, sinônimo de áreas verdes e tranquilas nos Estados Unidos, para as regiões centrais. "As pessoas estão buscando mobilidade e mais opções de serviços. Daí a inversão de fluxo", explica.

Renata Portella, de 45 anos, integra o vasto grupo de moradores do Rio, e de outras capitais brasileiras, que desafiam o prognóstico de Bueno. Em 2008, mudou-se com o marido e as duas filhas para um dos 325 condomínios da Barra da Tijuca, Zona Oeste carioca. Trocaram as conveniências e a mobilidade proporcionadas pelo apartamento na Fonte da Saudade, Zona Sul, pelo espaço maior do prédio na Península, cuja área de 165 quilômetros quadrados equivale ao bairro do Leblon. Foram atraídos pelo planta "muito maior" do apartamento, pela infraestrutura de serviços e pelo verde ao redor. "Na Zona Sul, pagaria o triplo do preço”, compara Renata. Ela considera um bom negócio o pacote de conveniências embutido na taxa condominial:

–  A maioria dos edifícios tem academia, salão gourmet e spa, por exemplo –  justifica – Já estrutura própria de segurança, embora importante, não foi um fator decisivo para a nossa mudança – completa.  

Já Bueno acredita que empreendedores começam "a entender que os condomínios não têm grande futuro, principalmente os horizontais: ocupam áreas enormes e enclausuradas, geram danos ambientais e bolhas de segurança superficiais". Quanto ao uso de aplicativos específicos para a comunicação e o compartilhamento de bens e serviços entre moradores, o especialista considera desnecessário. "Essa tecnologia deve ser aplicada, sim, cidade, como nos aplicativos de aluguel de bicicletas. A cidade oferece muito mais oportunidades de compartilhamento”, prega o professor.

O professor de Arquitetura e de Engenharia Civil da PUC-Rio Marcelo Bezerra também acredita a economia compartilhada se expanda não só nos imóveis, mas também em outros setores na cidade. “Chegará o momento, por exemplo, em que o aluno, ao vir de carro para PUC, vai econtrar outra pessoa esperando para usar o veículo”. O senso coletivo tende a mudar, segundo Bezerra, a confiuração dos condomínios. "O condomínio do futuro vai ter mais áreas coletivas e menos áreas privativas", aposta.

*Colaboraram: Giovanna Santoro e Thayana Pelluso