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Rio de Janeiro, 25 de abril de 2024


Campus

Seminário discute memórias audiovisuais da ditadura

Yasmim Restum e Maria Clara Parente - aplicativo - Do Portal

27/08/2015

 Lucas Sereda

“Cinquenta anos de dúvidas sobre como descrever e nomear um período tão importante da nossa história – ditadura militar, ditadura civil militar, regime repressivo, regime militar – indicam que há uma disputa de verdades”, defende a professora Andrea França, organizadora do seminário Memórias audiovisuais da ditadura: imagens em disputa, aberto nesta terça-feira, 25 de agosto, no Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, com a exibição de filmes e mesas-redondas sobre os anos de chumbo no país, na sala 102K.

O ciclo de debates terá, nesta quarta-feira, 26, a exibição de trechos de filmes de arquivo inéditos, como o documentário Retratos de identificação (2014), da cineasta e professora da Escola de Comunicação da UFRJ Anita Leandro, que reúne em sua obra arquivos de imagem ilustrativos do aparato repressivo do regime militar que vieram a público em função de resoluções da Comissão Nacional da Verdade. Além da professora, o doutor em Ciência da Comunicação da USP Eduardo Morettin traz para o debate um longa-metragem histórico dos anos 70 que teve suas gravações interrompidas pelas tensões entre historiador e cineasta da produção.

A busca e a análise de documentos audiovisuais da ditadura que migraram para outros países é o trabalho da professora Patrícia Machado (ECO/UFRJ), que será apresentado na mesa Imagens habitadas (e transformadas) por histórias da ditadura. O objetivo é investigar quem levou esses documentos para outros lugares e que camadas de sentido essas imagens ganharam a partir dessa caminhada.

Para Andrea, as imagens apresentadas no seminário podem revelar novas verdades que ilustram esse campo de disputa dos discursos políticos de forma estética. A opção pelo uso da imagem como forma de interpretação de verdades, segundo ela, se fez como uma alternativa aos depoimentos essencialmente textuais:

Reprodução do curta Oito Universitários– A disputa pela verdade passa pela disputa pela imagem e, por isso, o importante é trazer a imagem como protagonista, já que, quando se pensa em retratar um passado como a ditadura, a primeira coisa que vem à cabeça são depoimentos textuais, orais. No entanto, como trabalhar com esses registros fotográficos? Ainda mais agora em que há um melhor acesso a esses arquivos e fragmentos de filmes que desapareceram, migraram para outros países e sobreviveram aos incêndios em cinematecas ou à destruição de arquivos. É preciso questionar o que o cinema nacional fez com esses acervos visuais de vítimas da ditadura, prisioneiros que foram torturados, desaparecidos políticos. A imagem ausente desse corpo, que não existe mais, passa a ser protagonista a partir do momento em que vem a público. Quais são as possibilidades de fazer um cinema diferente com esses registros? – indaga.

Professora da disciplina Teoria e Crítica de Cinema, Andrea defende que as novas gerações fazem mais analogias e relações de sentido comparativas entre o período da ditadura e a atualidade do que aqueles que viveram os anos de chumbo:

– Entre as gerações mais antigas, vê-se o regime militar como um regime de exceção, de interrupção da história da democracia no Brasil. Os jovens olham para o passado de forma diferente, e o cinema contemporâneo vem trabalhando esse período como uma continuidade. A nossa polícia começou no Estado Novo de Getulio Vargas, e hoje há resquícios dessa ditadura, como no desaparecimento do pedreiro Amarildo. Será mesmo que o regime militar não foi a continuação de um modus operandi do nosso social? Pessoas continuam desaparecendo. Será que essas imagens de 30 anos atrás refletem o uma realidade que vivemos hoje?

Leia também: "Repressão se naturaliza em uma sociedade indiferente"

A cinematografia histórica, na opinião de Andrea, ainda demanda investimento e requer a liberação de arquivos e o interesse dos futuros cineastas e historiadores. No entanto, ela atenta para a existência de um mercado internacional vasto de filmes de arquivo e para o qual o Brasil deveria também se lançar:

 Maria Clara Parente – Hoje vivemos mergulhados em uma cultura visual, por isso é preciso saber trabalhar também com as imagens que já existem. Uma vertente possível do fazer cinematográfico são os filmes de arquivo. Muitas vezes há no imaginário de quem faz cinema um set de filmagem enorme ou uma grande equipe, mas há um campo incrível e pouco explorado no Brasil que é de um cineasta só: o cinema de arquivo, documental, que não requer qualquer outra filmagem, mas um trabalho de montagem que estrutura novas relações entre esses arquivos na ilha de edição.

E acrescenta sobre a necessidade do olhar crítico de cineastas sobre a história:

– A imagem, fotográfica e audiovisual, solicita uma análise de seus componentes, do circuito de olhares e signos em jogo, que muitas vezes extrapola a investigação do historiador – que vai olhar a imagem e associá-la a algum fato passado. O olhar crítico de um cineasta, de um estudioso da imagem vai perceber um fundo de plano, um extracampo, o direcionamento dos olhares, a luz que rebate na cena: uma análise estética absolutamente política e necessária para que melhor entendamos os silêncios da nossa ditadura.

A professora Tatiana Siciliano, co-organizadora do seminário, completa: “A ideia do seminário é entender como essas imagens, vídeos e arquivos audiovisuais circulam e ajudam a formar uma percepção sobre o momento da ditadura, ou seja, como essas representações se solidificam, através da memória das pessoas”.

Reprodução do curta PaixãoO seminário teve início nesta terça-feira, com a exibição dos curtas-metragens Paixão (com José Wilker, na foto), de Sérgio Santeiro; Oito universitários, de Cacá Diegues (foto abaixo); O apito da panela de pressão, do DCE Livre da USP; e O dia em que Dorival encarou a guarda, de Jorge Furtado, com debates mediados pelo professor de cinema da PUC-Rio Hernani Heffner, conservador-chefe da Cinemateca do MAM. Para o professor, os curtas, muitos filmados por estudantes de cinema entre as décadas de 1960 e 80, propõem uma reflexão sobre a história para além das colaborações ideológicas:

 Paula Bastos Araripe– As questões clássicas da ditadura já se esgotaram, enquanto que questões políticas, como o uso das universidades como espaço de debate, por exemplo, se mantêm vivas. Se há uma distância entre jovens de hoje e esse momento histórico, há também uma possível aproximação a partir da luta contra o sistema político que gera a insatisfação desse jovem. Os pilotis da PUC-Rio foram palco tanto da luta de jovens contra a ditadura como dos protestos de 2013.

A seguir, a programação desta quarta e quinta-feiras:

Quarta-feira - Dia 26:

15h às 19h – abertura do evento: Professora Andrea França (PUC-Rio)

Mesa 1: Montagem, temporalidade e versões do cinema

Eduardo Morettin (ECA/USP), Anita Leandro (ECO/UFRJ), Maurício Parada (História/ PUC-Rio). Mediação: Andrea França (PUC-Rio).

Quinta-feira - Dia 27:

9h às 13h

Mesa 2 – Memórias e imagens em disputa

Maurício Lissovsky (ECO/UFRJ), Mônica Kornis (FGV/RJ), Ana Maria Mauad (História/UFF). Mediação: Tatiana Siciliano (PUC-Rio).

14h às 18h

Mesa 3 – Imagens habitadas (e transformadas) por histórias da ditadura

Emilio Bernini (UBA/ Argentina), Andrea Molfetta (Conicet/Argentina), Patrícia Machado (ECO/UFRJ). Mediação: Mônica Kornis (FGV/RJ).