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Rio de Janeiro, 25 de abril de 2024


Saúde

Pílula anticoncepcional oral pode trazer riscos à saúde da mulher

Natalia Etchecoin - aplicativo - Da sala de aula

18/09/2015

“Nunca mais tomo esse veneno”. É com essas palavras que a estudante de jornalismo Laura Rezende, de 21 anos, descreve sua experiência com a pílula anticoncepcional. Aos 18 anos, a jovem, que fazia uso do método contraceptivo desde os 14, passou quase sete dias internada no Centro de Tratamento Intensivo (CTI) de um hospital particular na Zona Sul do Rio de Janeiro, após ter o pulmão tomado por trombos (coagulação de sangue no interior dos vasos sanguíneos), que provocaram uma embolia pulmonar e necrose de parte do órgão.

O drama de Laura começou após uma viagem de avião que durou 11 horas. Duas semanas após voltar, ela começou a sentir uma forte dor em um ponto das costas. Procurou por duas vezes a emergência: da primeira foi diagnosticada com distensão muscular; da segunda pediram que ela procurasse seu clínico geral para testes específicos. Quando foi ao médico de sua confiança, após um exame de ausculta, solicitou uma tomografia. Com o resultado em mãos, foi identificada a embolia pulmonar.

Arquivo Pessoal Após deixar o hospital, ela procurou um hematologista para identificar com maior certeza a causa do susto. Nos exames não foram identificados predisposições ou fatores genéticos que provocassem a formação de trombos. Por eliminação, o médico identificou que a causa da embolia fora a pílula anticoncepcional.

Contraditória desde 1960

A história de Laura reflete a trajetória polêmica dos anticoncepcionais orais desde agosto de 1960, data em que a primeira leva do medicamento chegou às farmácias, primeiro nos EUA, logo após, no Brasil. Uma década depois, o número estimado de usuárias chegou a 10 milhões — hoje as sociedades de ginecologia internacionais calculam 100 milhões.

O lançamento das pílulas anticoncepcionais foi um grande marco e diversas manchetes da época intitulavam o contraceptivo como a salvação da humanidade: finalmente as mulheres poderiam ter total controle sobre a idade em que pretendiam engravidar e, assim, poderiam planejar melhor suas carreiras profissionais e aspirações pessoais. Já as autoridades políticas comemoravam o controle da natalidade.

Mas, se em 1960 para adquirir o medicamento era necessário receita médica e certidão de casamento, hoje em dia, apesar da recomendação formal do pedido de prescrição, a pílula anticoncepcional pode ser adquirida sem qualquer indicação, em qualquer farmácia, por qualquer pessoa. E é justamente neste ponto que começam as polêmicas. Se por um lado restringir a compra do medicamento põe em xeque o uso de um dos contraceptivos mais comuns no Brasil (27% das mulheres em idade fértil, segundo a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), por outro, o acesso indiscriminado elimina a necessidade da visita ao médico. Contudo, a consulta é indispensável. Somente através da análise clínica e do histórico familiar de doenças específicas, como distúrbios na coagulação, é possível que o médico indique o melhor método contraceptivo e, se for o caso, o anticoncepcional oral mais seguro.

Um veneno para o sangue?

  Neste ano, uma nova polêmica assombrou as usuárias do contraceptivo. Um estudo da Universidade de Nottingham, na Inglaterra, constatou que as pílulas anticoncepcionais da nova geração, que contêm tipos mais recentes do hormônio progestágeno (drospirenona, desogestrel, gestodeno e ciproterona), apresentam um risco quase duplicado (1,5 a 1,8 vezes superior) de desenvolver coágulos sanguíneos graves, um distúrbio do sistema circulatório conhecido como tromboembolismo venoso ou Trombose Venosa Profunda (TVP), se comparadas às mulheres que tomam contraceptivos orais com progestágenos mais antigos, como levonorgestrel, noretisterona ou norgestimata. Ainda de acordo com o estudo, em relação a mulheres que não utilizam o medicamento, o risco é quatro vezes maior.

  Para a pesquisa, publicada no respeitado periódico médico British Medical Journal, foram analisados mais de 10 mil prontuários de mulheres entre 15 e 49 anos, entre 2001 e 2013, no Reino Unido. Segundo o presidente da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular do Rio de Janeiro (SBACV-RJ), Julio Cesar Peclat de Oliveira, esse efeito indesejado e perigoso acontece porque esses hormônios podem promover um desequilíbrio nos agentes coagulantes presentes no sangue, levando à formação de trombos.

O especialista explica que a Trombose Venosa Profunda (TVP) é uma doença potencialmente grave, que ocorre pela formação desses coágulos nas veias profundas. Na maioria das vezes, eles se formam na panturrilha, mas podem também instalar-se nas coxas e, ocasionalmente, nos membros superiores. Segundo a Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV), a cada 100 mil habitantes, 60 casos da doença são diagnosticados por ano. Ao se movimentar, o trombo pode causar entupimento das veias em várias partes do corpo, como cabeça, braços, pernas. Nesses casos, os principais sintomas são dores e inchaço. Também podem ir parar em órgãos como o pulmão, provocando a embolia pulmonar, como foi o caso de Laura, e o cérebro, causando o Acidente Vascular Cerebral (AVC).

A estudante Laura, além de tomar um anticoncepcional com um dos progestágenos citados no estudo, tinha outro fator de risco. Ela acabara de voltar de uma longa viagem de avião, e a redução do fluxo sanguíneo nos membros é um dos fatores que favorecem a formação de trombos. 

Ainda de acordo com Peclat, a bomba relógio fica ainda mais perto de explodir se a mulher que faz uso da pílula tem mais de 35 anos, alto índice de massa corporal (IMC), e, principalmente, se é fumante, já que a mistura dos hormônios com as substâncias tóxicas do cigarro favorece a formação de coágulos.

Mesmo com esse resultado, os pesquisadores ingleses fizeram questão de ressaltar que os contraceptivos orais continuam a ser considerados seguros, já que uma mulher grávida, por exemplo, tem um risco dez vezes maior de sofrer com a formação de coágulos. De acordo como presidente da SBACV-RJ, atualmente as pílulas de segunda geração (que combinam etinilestradiol e levonorgestrel, com dosagem estrogênica inferior a 35 microgramas) são consideradas mais seguras que as de terceira ou quarta geração.

Vítimas unidas

Os casos de mulheres que tiveram reações nocivas como as de Laura se acumulam nas redes sociais. No Facebook, por exemplo, a página “Vítimas de anticoncepcionais – Unidas a Favor da Vida” acumula mais de 47 mil curtidas e centenas de depoimentos de mulheres que sofreram danos pelo uso do medicamento. Fundado em setembro de 2014, o coletivo é representado pela professora universitária Carla Simone Castro e pela administradora Simone Vasconcelos Fator. No ano passado, Carla sofreu uma trombose venosa cerebral atribuída ao uso da pílula anticoncepcional. Já Simone sofreu uma embolia pulmonar, assim como Laura.

O coletivo se articula também fora do mundo virtual. Vendo a grande repercussão da página – mais de mil depoimentos nos primeiros cinco meses – Carla e Simone procuraram a deputada Mara Gabrilli (PSDB-SP) para que o tema viesse a integrar a pauta de discussões da Câmara dos Deputados. No dia 12 de junho deste ano, foi realizada na Comissão de Seguridade Social e Família a primeira audiência pública para discutir os efeitos colaterais prejudiciais devido ao uso dos contraceptivos orais. Uma das principais reivindicações é a obrigatoriedade de notificação à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por parte dos médicos, dos casos de trombose, embolia pulmonar e outras reações adversas graves relacionadas à pílula. O objetivo é fazer com que a Agência tenha o conhecimento do real número de casos de complicações e, assim, sejam formalmente adotadas medidas como a obrigatoriedade de receita médica.

Laura é a favor destas medidas. “A gente não pensa nisso, mas estamos ingerindo doses significativas de hormônios sintéticos durante todos os dias da nossa vida fértil, sem avaliar as consequências desse ato repetido e, muitas vezes, sem acompanhamento”, desabafa.

Como escolher?

Uma das principais queixas da estudante é justamente a negligência por parte dos médicos na hora de prescrever o medicamento. “Acho que é muito fácil para o ginecologista. É o que eles sempre fazem e, muitas vezes, sem uma necessidade real. No meu caso, na verdade, eu nem precisava de pílula anticoncepcional quando comecei. O médico acabou receitando somente para regular o meu ciclo menstrual. Ele ainda citou múltiplas vantagens que o uso ia trazer para mim, como a redução de espinhas e a diminuição das cólicas”, relata.

Segundo o médico Márcio Colovsky, especialista em ginecologia e obstetrícia pela Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e pós-graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), existem no mercado inúmeras pílulas anticoncepcionais, diferentes em concentração hormonal, tipos de hormônios e combinações. “A tendência moderna é a individualização e personalização da medicação para cada pessoa, já que o que é bom para uma paciente pode não ser para outra. Durante a consulta, o médico conversará com a paciente para saber as necessidades e particularidades dela”, explica. 

Conheça os métodos contraceptivos disponíveis hoje

Considerados muito efetivos:

Implante (cápsula introduzida embaixo da pele que libera o hormônio etonogestrel)

Vasectomia

Sistema Intrauterino de LNG (é um modelo de DIU que libera progesterona e pode ser utilizado por 5 a 7 anos)

Esterilização feminina

DIU de Cobre

Efetivos:

Injetáveis mensais

Pílulas Combinadas

Pílulas de progestagênios

Anel vaginal

Adesivo

Moderadamente efetivos:

Condom masculino (camisinha)

Abstinência em períodos férteis

Diafragma com espermicida

Pouco efetivos e não recomendados:

Coito interrompido

Espermicida isolado

Fonte: Manual de Contracepção Febrasgo

 

Ainda de acordo com o especialista, que foi médico do Instituto Municipal da Mulher Fernando de Magalhães e chefe de clínica ginecológica da Policlínica de Botafogo por mais de 10 anos, antes da escolha do melhor método são verificadas questões como a presença de ovários policísticos; o histórico de endometriose; o histórico de câncer de mama, ovário ou útero na família; além de casos de trombose, aneurisma ou demais problemas relacionados à coagulação. Também são levados em consideração fatores como idade, peso, tabagismo. “Os exames são necessários a partir destes dados. De um modo geral, solicitamos dosagem hormonal, ultrassom do abdome ou transvaginal e hemograma completo. E, a partir de resultados alterados, o especialista pode solicitar novos exames”, destaca.

Coslovsky ainda ressalta que alguns fatores são considerados contraindicações absolutas para pílula anticoncepcional. Entre eles estão: alterações de coagulação, infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral e câncer de mama em pacientes em idade reprodutiva. “Contudo, apesar de não ser a recomendação correta, muitas mulheres escolhem por conta própria a medicação, ou por indicação de amigas, ou pelo que leem na internet”, alerta.

A endocrinologista Rita de Cássia Weiss, membro do Departamento de Endocrinologia Feminina e Andrologia da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), destaca que a Organização Mundial da Saúde (OMS) deixa claro que os métodos contraceptivos orais não devem ser utilizados quando os riscos superam as vantagens do uso do método. “Mulheres com trombofilia podem, por exemplo, fazer uso de pílulas que contém apenas progesterona, assim como as mulheres que estejam amamentando”, indica a especialista. 

Laura faz hoje, após tomar anticoagulantes devido à embolia, um controle rigoroso de seu fator de coagulação sanguínea, e não viaja sem o conhecimento de seu médico. A estudante adota a camisinha como método contraceptivos, evitando alternativos como DIU hormonal e anel vaginal. “Me sinto melhor não bombardeando o meu corpo com hormônios. E morro de medo de métodos alternativos como o DIU. Então, prefiro adotar a camisinha, me prevenindo, além da gravidez, de doenças sexualmente transmissíveis”, diz. 

Conheça os outros fatores de risco pra Trombose Venosa Profunda (TVP)

Idade mais avançada (acima de 40 anos)

Obesidade

Presença de varizes nas pernas

Problemas congênitos

Gravidez (aumenta em quatro vezes o risco)

Pós-parto (aumenta de três a cinco vezes mais que na gravidez)

Diversos tipos de câncer

AVC (acidente vascular cerebral)

Traumatismos, sobretudo nas extremidades inferiores (risco por volta de 70%)

Doenças crônicas, como a insuficiência cardíaca, bronquite, enfisema pulmonar

Doenças agudas, como o infarto do miocárdio e infecções

Uso de medicações para o tratamento de câncer

Fraturas ósseas