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Rio de Janeiro, 19 de abril de 2024


Economia

Avanço de serviços de música via internet muda rumos do rádio

Bárbara Chieregate e Mariana Bispo - Do Portal

18/08/2015

 Arte: Thayana Pelluso

A expansão da banda larga e o acesso crescente a smartphones e tablets muda drasticamente a forma de se consumir música. Os DJs dessas transformações são os serviços de áudio via internet (streaming). De acordo com a Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI) e Associação Brasileira dos produtores de Discos (ABPD), as assinaturas nessas plataformas já cresceram 39% neste ano e respondem por 23% do mercado digital no mundo. Aplicativos como Rdio, Deezer e Spotify disputam a preferência dos ouvintes, atraídos pela facilidade de acesso a generosos cardápios de áudio aliada à ausência de intervalos comerciais.

Os novos comportamentos de consumo – emblemas da perda do monopólio das mídias tradicionais sobre o fornecimento de música e notícia, impulusinada pelas tecnologias digitais – impõem, a analistas e profissionais da área uma reflexão profunda sobre os rumos das rádios musiciais, tradicionalmente líderes de audiência. Para o consultor Sérgio Carvalho, ex-gerente de programação do Sistema Globo de Rádio e da Nativa FM, as emissoras precisam investir em "novas estratégias de grade e novos modelos de negócio", que contemplem as mudanças decorrentes do avanço do consumo musical via streaming:

– Esses novos serviços se alinham à segmentação do consumo de música. Atendem diferentes perfis e em diferentes momentos, por isso vêm crescendo. Para enfrentá-los, o rádio musical precisa se redescobrir. Talvez agregar a vocação original para informação e prestação de serviço, e assim oferecer algo exclusivo. A programação precisa ser mais interativa com o ouvinte, estar afinada com os novos consumidores de áudio, que valorizam a personalização. Daí a importância de investir também em pesquisas qualitativas – avalia o especialista, que comandou a formatação da grade de programação da CBN e de programas como Rock Bola, na Rádio Cidade, Marketeria, na Paradiso, e Futebol Show, na Globo. 

A necessidade de acompanhar os novos ventos do consumo de áudio é sinalizada pelo avanço dos serviços de streaming até em terrenos tradicionalmente dominados por mídias tradicionais. Por exemplo, a plataforma Deezer fechou, em junho, uma parceria com o aplicativo EasyTaxi para oferecer "músicas personalizadas" em corridas no Rio e em São Paulo. Os táxis, onde sempre reinaram as ondas do rádio, viraram uma vitrine desses serviços cada vez mais acessados. As listas musicais são  escolhidas pelo próprio passageiro, caso seja usuário do Deezer, ou indicadas pelo motorista e tocadas por meio de smartphones ligados ao som do veículo.

O convênio é uma tática do aplicativo para ampliar o espaço nesse ascendente mercado, liderado mundialmente pelo Spotify – cujo salto de usuários confirma a arrancada dos serviços do tipo: pulou de 40 milhões ativos, em maio do ano passado, para os atuais 75 milhões. Cerca de 20 milhões deles pertencem à categoria premium, ou seja, pagam uma assinatura mensal para ter acesso ao conteúdo sem intervalos comerciais. O Spotify também tem adotado novas novas estratégias e tipos de conteúdo. Em maio, a plataforma incluiu notícias e outros gêneros não musicais no catálogo, como podcasts (forma de transmissão de arquivos multimídia originados pelos usuários, desde referências de áudio e informações até opiniões).

Para o professor e pesquisador Fernando Morgado, as novas plataformas impõe ao rádio um investimento maior em "informação e utilidade". A sobrevivência de emissoras tradicionais depende, segundo o analista, da “capacidade de ser útil na vida do consumidor, em casa, no carro e no celular”

A necessária renovação  da tradicional mídia de áudio também passa, acrescenta Carvalho, pela maior interação com ouvintes:  “A interação, ao vivo, com entrevistados e ouvintes, e as músicas veiculadas no chamado em tempo real são ferramentas que os (serviços de) streamings ainda não têm”. Ele reforça: “O rádio precisa investir nessa área”.

Pesquisas apontam a segmentação do produto de áudio, alinhada aos perfis dos ouvintes, como um dos caminhos essenciais para lubrificar a competivididade do rádio. Na visão do produtor e apresentador do programa A hora dos perdidos, na Rádio Cidade, Paulinho Coruja, essas novas ferramentas levam o rádio a pensar de uma forma mais segmentada de transmissão. “Mas nem todos ainda compreendem a necessidade de mudança”, admite. Coruja reitera a importância estratégia das avaliações regulares sobre as preferências e os comportamentos de consumo, para balizar a segmentação. “O que nos importa é o que o público quer ouvir e o que ele busca. Tudo o que é ouvido na Rádio Cidade é fruto de pesquisas e muita conversa com ouvintes”, frisa.

Especialistas lembram que o processo de segmentação, com outras tazões características e metas, começou, de certa forma, com a consolidação do FM, nos anos 1970. Dela derivou uma estratificação de emissoras, com perfis diferentes, voltadas a nichos específicos de mercado. O professor da PUC-Rio, Julio Lubianco, coordenador de jornalismo da CBN-RJ, ressalta que os usuários estão novamente "em busca de customização", embora num contexto diferente:

– O público-alvo não é mais a classe C-B, o jovem de 12 a 26 anos. O público agora é a pessoa tal, morador da rua tal, CEP tal. Vai, sim, haver uma reconfiguração do mercado, porque a demanda por conteúdo permanece, e até cresce quando você tem mais dispositivos.

Lubianco também observa que as rádios "se movimentaram" e passaram a oferecer modos para o ouvinte customizar a programação online. Seja nas páginas eletrônicas ou nos aplicativos para aparelhos móveis, a possibilidade de personalização do conteúdo já é uma realidade em grande parte das emissoras. “Um ouvinte da CBN pode montar a própria playlist. Uma lista de mais de 80 podcasts está disponível no aplicativo da rádio, e ele pode ouvir quando quiser”, completa.

Especialistas acreditam que as plataformas de streaming de áudio e o rádio podem exercer funções complementares. Diretor-executivo do Rdio no Brasil, Bruno Vieira destaca "o poder dos serviços sob demanda de se integrarem às programações ao vivo, assim como ajudarem a conduzir a curadoria musical de um programa com inúmeros filtros de segmentação (idade, região, sexo, horário). Vieira também destaca que a parceria rádio-streaming não só é possível, como já acontece:

– O Rdio tem parcerias com grupos de rádio tanto no Brasil (Grupo Bandeirantes) quanto nos EUA, com o Cumulus, que reúne mais de 500 estações.

O diretor-executivo da Rádio Globo, Claudio Henrique, aposta neste tipo de combinação. Ele acredita que a internet e as novas tecnologias só beneficiam o rádio. “O tipo de informação encontrada no rádio é muito parecido com a da internet. O rádio fazia o que a internet faz hoje em dia: participação de pessoas, interatividade, rapidez, mobilidade”, compara. Ele afirma que a Rádio Globo caminha em compasso com a internet, e ferramentas como o Facebook e o Whatsapp estão efetivamente incorporadas à programação: “As pessoas participam dos assuntos e comentam pelo Facebook. Já o Whatsapp virou um grande tronco de telefonia para nós: hoje usamos muito mais para engajar o ouvinte do que o telefone convencional”. Claudio Henrique acrescenta que a Rádio Globo tem o site de rádio mais acessado do Brasil, o que traz novos ouvintes:

– Não sofro nenhuma concorrência da internet, pelo contrário – garante, categoricamente, o execitivo – Muita gente nos acompanha pela internet, porque temos na nossa página principal um player. Qualquer pessoa pode nos ouvir em qualquer lugar do mundo.

Consumo de rádio em celulares cresce

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) divulgada em 2014, pelo IBGE, confirma que o brasileiro está mudando a forma de consumir áudio. De 2004 a 2009, o rádio estava em 88,1% dos domicílios. Já em 2013, o percentual caiu para 75,8%. A queda coincide com a propagação das emissoras e de outros canais de música nos celulares, que alcançam, no ano passado, 88% de audiência.

– Na verdade, o que mais cresceu no Brasil não foi a quantidade de celular, foi a quantidade de rádio. Antigamente, para ouvir rádio, você precisava ter um aparelho. Hoje em dia, qualquer pessoa tem um rádio à mão, basta ter um celular – reitera Cláudio Henrique.

Para a pensionista Solange Pires, de 60 anos, a entrada das emissoras nos aparelhos celulares facilitou bastante a comunicação e a rotina. Todas as noites, a partir das 23 horas, Solange deita na cama, conecta os fones no celular e sintoniza a Globo. Até o meio-dia do dia seguinte, “entre um cochilo e outro”, consome informações e músicas pela mídia que há anos ganhou a preferência dela.

– A possibilidade de interação entre ouvintes e radialistas e a participação do público são características que me motivam, até hoje, a admirar e consumir o rádio.  Sou fascinada por ele. Ao mesmo tempo em que ouço uma notícia ou música, sinto e imagino cenas, como numa leitura. É como se estivesse vendo tudo o que é falado pelos radialistas.

Morgado salienta a capacidade do rádio de se reinventar, o que jamais o deixará obsoleto:

–  Até hoje, não foram poucos os desafios enfrentados (pelo rádio). O que garantirá a sobrevivência é que ele mantém a capacidade de renovação – avalia o pesquisador.