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Rio de Janeiro, 26 de abril de 2024


Saúde

Do baú de Rina, lembranças de uma vida intensa

Marina Ferreira e Maria Clara Parente - aplicativo - Do Portal

12/06/2015

 Marina Ferreira

Nascida na Itália, Guerrina Latini embarcou para o Rio nos anos 60, com o primeiro filho, Manfredo, ao encontro do marido, que viera antes. Com o bebê nos braços e sem falar português, recebeu a notícia de que ele havia ido embora com outra mulher. Sem documentos, para poder voltar para a Itália, Rina morou por oito meses em um hotel, com a ajuda da mãe, que lhe mandava algum dinheiro.

Para sobreviver, começou a trabalhar como cabeleireira em um salão de beleza. Logo foi apresentada ao cabeleireiro Angelo Della Noce, também italiano, pioneiro do ramo de beleza no Rio. Anos antes, Angelo abrira o primeiro salão de beleza da cidade, no Hotel Copacabana Palace. Encantado pela bela jovem – que costumava ser comparada à atriz francesa Catherine Deneuve –, ele a convidou para ser tinturista no salão. Os dois se apaixonaram, e Rina engravidou de Patrícia, sua segunda filha, em meio à separação de Angelo de sua primeira mulher.

Juntos ganharam muito dinheiro, fazendo cabelo de atrizes como Tônia Carrero e ganhando concursos. Mas o relacionamento era conturbado: Angelo era ciumento e Rina, agressiva. Depois de seis anos de brigas constantes, Rina pediu separação – incomum para mulheres da época. A gota d’água foi um telefonema do pai de Manfredo, 14 anos após abandoná-los. Angelo atendeu o telefone numa extensão e quando percebeu quem era teve uma crise de ciúmes – achou que Rina estava tendo um caso. O divórcio acabou no litigioso e, para afastar mãe e filha, Angelo trocou Patrícia de internato várias vezes – Rina nunca sabia onde encontrá-la. Até que, aos 12 anos, Patrícia decidiu morar com a mãe. Angelo morreu em 2007, aos 94 anos.

Veja a fotogaleria Lembranças de Rina

Rina sempre teve uma saúde muito frágil, fumava, trabalhava demais e sofria de peritonite aguda desde os 14 anos. Passou por 20 cirurgias, perdeu quase todo o intestino e vivia à base de remédios – que a filha nutricionista, progressivamente, conseguiu reduzir, com uma alimentação adequada  Marina Ferreira

Hoje, aos 89 anos, sentada em frente à janela do apartamento na Praia de Botafogo, com bela vista do Pão de Açúcar, a senhora de expressão perdida não reconhece mais os recortes de jornal em que aparece em destaque, como cabeleireira das estrelas, e se comunica com a filha Patrícia em italiano, nas raras vezes em que fala. Serena, uma de suas distrações é pentear cabelos – de bonecas e apliques –, seu maior prazer, como na juventude.

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Augusto Alves, 78 anos, contador, cuida da esposa, Thereza, 76, há pelo menos dez anos com Alzheimer.  

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Eliana Faria, 58 anos, presidente da Abraz-RJ, cuidou da mãe, Zélia, que morreu em 2014, após quase 20 anos com Alzheimer.

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Leo Arturius, cineasta de 32 anos, fez o filme "Impossível esquecer" a partir da doença do pai, Dílcio de Souza, morto em 2013, aos 74 anos, diagnosticado oito anos antes.

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