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12/06/2015Diagnóstico
Minha mãe foi diagnosticada com Alzheimer por volta de 1999. Ela morava sozinha em São Fidélis, interior do estado, e todos os filhos estavam casados. Percebi que ela dizia as mesmas coisas sempre que eu telefonava. Podia ligar várias vezes no mesmo dia, que ela repetia tudo o que já tinha me falado. Achava aquilo muito estranho, e a situação se agravou quando os vizinhos começaram a alertar minha irmã, que morava perto dali, em Campos, sobre comportamentos estranhos da mamãe, como uma vez em que ela foi ao banco e fez a maior confusão porque teriam cortado o dinheiro dela. Acusou funcionários e até os próprios vizinhos de a estarem roubando.
A família
De quatro em quatro meses, enquanto foi possível, nos revezávamos nos cuidados com a mamãe, o que não é recomendável, porque não se deve tirar o doente do ambiente a que está acostumado: isso afeta tanto quanto a doença em si.
A não aceitação da doença é o principal fator para que a família também adoeça. Como eu morava no Rio, minha irmã teve que assumir um cuidado que deveria ser de todos os filhos. Minha irmã ficou sobrecarregada, também cuidava de um filho com doença cardíaca rara.
Uma vez minha mãe, já doente, tirou toda a roupa, e minha irmã não teve paciência justamente por não aceitar a doença, chegou a se exaltar com ela. Em uma situação dessas, quanto mais você grita, mais desorientado o doente fica. Ela deveria ter falado: “Mãe, vem cá, vamos pôr a roupa?”, manter a calma. O desespero de ver a mãe naquele estado e a impotência faziam muito mal a minha irmã. A vontade que ela tinha era de sacudir a mamãe para fazê-la entender.
Além desses incidentes, outro fator crítico no cuidado ao doente é que ele desenvolve várias manias. Minha mãe, por exemplo, ia ao banheiro de cinco em cinco minutos, não usava o papel higiênico de forma adequada, às vezes não colocava a calcinha, ou se machucava. Também usava as escovas de dente de todo mundo da casa, e nós tínhamos que supervisionar constantemente.
Marilane (à direita na foto), minha irmã, sofria muito vendo as mudanças na nossa mãe, principalmente quando ela parou de se importar com maquiagem, que ela sempre amou. Nós três sempre fomos vaidosas, mamãe estava sempre de batom, era muito característico dela. Foi muito triste quando ela foi perdendo essa vaidade. Começamos a vê-la perdendo a vida, mas com vida, e foi difícil principalmente porque ela era jovem, tinha só 53 anos quando descobrimos a doença.
Minha irmã acabou morrendo em 2005, por causa de um câncer. Eu sabia que o emocional dela estava muito abalado, mas nunca achei que ia perdê-la. Foi sofrido, porque a gente se dava muita força. Acabei trazendo minha mãe para morar comigo, e foi complicado porque não tinha estrutura física e financeira. Essa transição foi muito difícil. Eu morava em um apartamento pequeno, e ela em uma casa enorme, na roça mesmo. Várias vezes ela tentou se atirar da janela, fugir, então tivemos que colocá-la em uma instituição asilar. Foi tudo muito sofrido. Costumo dizer que a saudade é o amor que fica.
Possível estopim
Tenho uma teoria de que as perdas que sofremos na vida têm relação com o surgimento do Alzheimer. Minha mãe sempre foi alegre. Para ela, foi mais fácil esquecer-se da própria vida do que lidar com a ausência do meu pai – ele a abandonou por outra mulher.
Falar sobre a doença
Contar para o paciente que ele tem a doença é muito complexo. Eu nunca contei para a minha mãe sobre o câncer da Marilane, e ela morreu sem saber que filha já havia morrido. Eu achava que ela iria sofrer muito se soubesse de tudo, nós três erámos muito unidas. Um dia, quando a doença não estava muito avançada, saíamos para passar eu, ela e meu marido. Senti que ela estava pensando que aquela terceira pessoa era a Manana. Sempre que ela reconhecia uma pessoa estranha conosco, associava à filha. Perguntava “É a Marilane?”, e eu a abraçava e inventava que ela estava em Campos, e já chegava.
Dona Zélia, a mãe de Eliana, morreu em 2013, aos 89 anos.
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Acordo toda manhã e penso: “Mãe, hoje é mais um dia nosso”
A nutricionista carioca Patrícia Della Noce, 55 anos, cuida da mãe, Rina Latini, ex-cabeleireira, portadora de Alzheimer há 10 anos.
“Ela é uma estrela que se apaga lentamente, mas ainda consigo ver sua luz”
Augusto Alves, 78 anos, contador, cuida da esposa, Thereza, 76, há pelo menos 10 anos com Alzheimer.
“Minha mãe nunca soube lidar com o sofrimento"
Márcia Martorelli, 59 anos, professora aposentada, cuida da mãe, Maria Cecília, 88, com Alzheimer há 11 anos.
“As pessoas não se informam sobre essas doenças, acabam descobrindo só quando acontece com elas"
Leo Arturius, cineasta de 32 anos, fez o filme "Impossível esquecer" a partir da doença do pai, Dilcio de Souza, morto em 2013, aos 74 anos, diagnosticado com Alzheimer oito anos antes.
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