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Rio de Janeiro, 23 de abril de 2024


Campus

Reflexões sobre juventude e beleza encerram seminário

Yasmim Restum e Paula Bastos Araripe - aplicativo - Do Portal

06/05/2015

O corpo pode ser o maior recurso de jovens mulheres em sua busca por espaço social, seja em um concurso de rainha do carnaval na Nigéria ou em um curso de modelo na favela carioca Cidade de Deus, como permitem ver as pesquisas de doutorado da professora britânica Juliet Gilbert, professora do Departamento de Estudos Africanos e Antropologia da Universidade de Birmingham; e da professora Cláudia Pereira, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da PUC-Rio, que encerraram nesta quarta o I Seminário Comunicação, temporalidades e culturas, parceria da PUC-Rio com a Universidade de Birmingham.

A professora Juliet, cuja linha de pesquisa gira em torno de juventude, religião, meios de subsistência e aspectos da cultura popular como moda e beleza, contou que os concursos de beleza na Nigéria se tornaram espetáculos populares, com a coroação das jovens veneradas não só por sua beleza mas também por iniciativas sociais, em ações de caridade. Ela passou 15 meses na cidade de Calabar para acompanhar o concurso que elege a rainha do carnaval da cidade, em que destacou as competições como fontes criadoras de ideais femininos de beleza e comportamento.

Para a antropóloga, a ênfase da sua pesquisa está na iniciativa dessas jovens de obter poder e autonomia social, o que inaugura um debate sobre feminismo na comunidade:

– O que realmente populariza os concursos são a luta pelo poder e pela independência feminina, e a produção, consumo e rejeição de hábitos culturais que cristalizam a desigualdade entre os gêneros. Esses valores são difundidos e reafirmados pelas participantes e ainda mais pela jovem vencedora. Todas as candidatas são modelos de inspiração em uma sociedade que é dominada pelas desigualdades e inseguranças de um forte patriarcalismo.

 Paula Bastos Araripe Ao comentar os critérios de avaliação das jovens nigerianas e as qualidades necessárias para serem coroadas, a antropóloga ressaltou as contradições nos ideais do concurso que buscam uma emancipação feminina através da reafirmação de valores patriarcais:

– Ser uma Rainha da Beleza é uma marca de status. Embora não as ensine a “arte da conquista”, o concurso eleva consideravelmente a chance dessas meninas se casarem com algum milionário, o que é irônico, porque eles só aceitam candidatas solteiras para promovê-las como líderes da comunidade.

ASSISTA NA VIDEOTECA

A palestra com Simon Yarrow e Everardo Rocha, na segunda-feira

A palestra com David Gange e Tatiana Siciliano, na terça-feira

A professora descreveu com detalhes a preparação e o isolamento das jovens concorrentes em um acampamento de duas semanas, onde elas aprendem o papel de uma boa esposa, aprendem sobre responsabilidade social:

Paula Bastos Araripe  – Guiadas pelo lema “Dê o seu melhor, não importa o resto”, as jovens fazem doações de utensílios de higiene e limpeza, e se solidarizam com causas de idosos e crianças da comunidade. Além de comprarem roupas a mando dos jurados, elas têm aulas de dança, desfile e são orientadas por instrutores internacionais, isso é muito valioso para elas.  A chave para entender como as jovens nigerianas usam os concursos está na possibilidade de conseguirem respeito e autoridade, ampliarem seus contatos para conquistar seus sonhos e objetivos futuros. Vencer o concurso é mais do que uma coroa, é ganhar uma voz.

A possibilidade de jovens modelos imprimirem mudanças em seu meio social também foi observada pela professora Cláudia Pereira em sua pesquisa de doutorado em Antropologia Cultural. Em sua pesquisa de campo, Cláudia acompanhou, durante cinco meses, aulas do curso de modelo Lente dos Sonhos, na Cidade de Deus, e outros cinco meses no curso de modelo do Senac, em Copacabana, para realizar uma análise comparativa.

No processo, a pesquisadora notou, além da mudança de postura física das alunas da Cidade de Deus, a adoção de novos hábitos alimentares, de higiene, etiqueta e comportamento, como evitar roupas excessivamente decotadas, ou mesmo bailes funk. Segundo Cláudia, as jovens aspirantes a modelo chegaram a influenciar as mães, que diziam receber aulas das próprias filhas para ter melhor postura e “saber chegar em uma festa”.

A pesquisadora relatou como os cursos, semelhantes na forma, poderiam ser diferentes pela diferença geográfica e social. O curso Lente dos Sonhos era gratuito, e as mães inscreviam as filhas para que não ficassem na rua. Apesar de falarem de modelos como Gisele Bündchen e Naomi Campbell, a perspectiva da maioria das alunas não era seguir carreira, mas melhorar a postura para se saírem bem em entrevistas de empregos. Já as alunas do Senac de Copacabana se inspiravam nas modelos mais famosas e esperavam se tornar famosas como elas.

Modelos em suas comunidades

 Paula Bastos Araripe Ao comentar sobre duas de suas entrevistadas – uma jovem muito magra, que se sentia excluída e desengonçada declarou ter finalmente se encontrado no mundo; e outra, gordinha, que, sem apoio da família, abandonou o curso –, Cláudia chamou atenção para o fato de que o corpo, para as jovens, era importante também seu bem estar social:

 – O corpo é moldável socialmente. Um tipo de corpo é mais ou menos valorizado de acordo com o social. O pertencimento na sociedade está muito ligado em como a pessoa sente seu corpo em relação aos outros.

Juliet também apresentou o exemplo da jovem coroada Miss Niger Delta em 2015 e contou sobre o momento decisivo de sua vitória:

– A vencedora do concurso Miss Niger Delta em 2015, Deborah Alfred Ibeinmo, vai voltar ao seu estado de origem e dar início a um programa de educação preventiva na área da saúde, e é isso que se espera de uma rainha da beleza: inserção em uma área precária da sociedade e tentar modificá-la, restaurá-la. Isso colabora para formar um ideal de liderança feminino. Quando um jurado perguntou à jovem que ganharia o concurso quem salvaria de um edifício em chamas, sua resposta foi: “Eu salvaria a Rainha do Carnaval de Calabar, porque ela é a esperança, ela saberia como guiar a comunidade”.

Ouça a entrevista da professora Juliet Gilbert ao repórter Ricardo Conti, na Rádio do Portal.

A professora Claudia agradeceu a oportunidade de revisitar sua tese, defendida em 2008, e a possibilidade de dialogar com Juliet e sua pesquisa sobre as jovens nigerianas:

– Apesar da abordagem diferente das palestras, os temas têm total aderência por apresentarem um debate sobre o caminho das mulheres em busca de espaço público notório em uma sociedade patriarcal e excludente.

Ouça a entrevista da professora Claudia Pereira à repórter Mariana Bragança, na Rádio do Portal.

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