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Rio de Janeiro, 25 de abril de 2024


Campus

O fetiche dos objetos reúne especialistas na PUC-Rio

Marina Ferreira e Yasmim Restum* - aplicativo - Do Portal

04/05/2015

A relação humana com objetos – sejam relíquias, sejam bens de consumo – nortearam os debates no primeiro dia do seminário Comunicação, temporalidades e culturas, parceria inédita da PUC-Rio com a Universidade de Birmingham, do Reino Unido. O tema “Materialidade sagrada, trocas e consumos” reuniu os professores Simon Yarrow, do Departamento de História de Birmingham, e Everardo Rocha, coordenador de Pesquisas do Programa de Pós-Graduação do Departamento de Comunicação da PUC-Rio e organizador do seminário.

Yarrow, cuja pesquisa é centrada em culturas religiosas, crenças e práticas na história social das pequenas comunidades e instituições na Idade Média, tem como foco explorar a história das relíquias. Descrevendo o estudo do período medieval como um “ponto cego” na história do consumo, e ponderando que sua tese é pautada em pistas – sendo, portanto, difícil precisar os meios de troca e a movimentação de materiais preciosos entre as sociedades e povos da Europa medieval –, o historiador observou uma íntima relação entre a moral e o mercado na era medieval para entender o consumo:

  Paula Bastos Araripe– Os conceitos de valor comercial e valor moral se entrelaçam. A sacralidade dos materiais é o conceito chave para entender o valor de mercado nas esferas de troca. Na “Era da Fé”, as crenças e a religião norteavam a vida das pessoas e determinavam uma ligação quase primitiva do homem com os objetos. Essa troca de relíquias não era uma espécie de “capitalismo”, mas um fenômeno cultural que explicava a devoção religiosa, e a obtenção dessas relíquias tinha que ser merecida.

Para Yarrow, as trocas de relíquias entre diferentes regiões da Europa poderiam caracterizar um desejo profundo de comunicação. Ele destacou que não é o seu valor intrínseco, mas o valor atribuído a determinado objeto pelos homens que o tornam mais valioso: "Quanto mais veneradas, mais preciosas se tornavam as relíquias". Tomando como base Santo Agostinho, ressaltou que o culto às relíquias já explicitava uma possível ligação afetiva dos homens com os objetos, caso dos milagres. O vínculo humano com objetos se daria no âmbito físico, emocional e religioso. E eram classificados como relíquias a partir dos efeitos que produziam nos homens. “Os objetos passam a ser abrigo da esperança e desejo humano, o que em português vocês chamam de fetiche”, completou. 

Referência em estudos sobre o fenômeno do consumo e da publicidade para compreensão da sociedade contemporânea, o antropólogo Everardo Rocha frisou a compatibilidade dos seus estudos com os do colega britânico: “Meu contato com Simon foi exatamente no sentido de tentarmos pensar a relíquia como uma espécie de sistema de consumo, mesmo que um pouco diferente do que seria o consumo moderno, minha área de pesquisa”.

Para Everardo, o consumo moderno e as relíquias do fim da Idade Média podem dialogar, lembrando considerar a história não como permanente evolução nem revolução, mas negociação e sucessão de eventos, e que nesse parâmetro “o novo surge do velho”.

Ouça aqui entrevista do professor Everardo Rocha à repórter Rayssa Ranauro, na Rádio do Portal.

 Paula Bastos Araripe Ao traçar um breve panorama da história do consumo, Everardo destacou ser o consumo algo próprio do mundo moderno, e estudado como forma de linguagem e como forma de poder. Para o antropólogo, que desde a década de 1980 tem ajudado a consolidar a antropologia do consumo no Brasil, possuir relíquias na Idade Média pode ter inaugurado essa noção de prestígio e poder através dos objetos, pesquisa sobre a qual se lançou recentemente, e será tema de seu próximo livro.

Destacou como seus momentos principais o período Elisabetano, no século XVII, em que o consumo era forma de exibição dos nobres e monarcas; o Iluminismo, no século XVIII, quando a compra e venda de conhecimento, por meio das enciclopédias, se tornou grandiosa em toda a Europa; e no século XIX, com o surgimento dos grandes magazines na Europa, que teriam moldado as noções de shopping contemporâneas.

Nesta terça, segundo dia do seminário, o tema será as “Tecnologias e culturas do tempo”, com o professor David Gange, do Departamento de História da Universidade de Birmingham, falando sobre novas culturas do tempo e tecnologia, com foco no Oriente Médio; e a professora Tatiana Siciliano, do PPGCom da PUC-Rio, falando sobre invenções na Belle Époque do Rio de Janeiro. O seminário se realiza na 102K, das 16h às 19h, com transmissão ao vivo pelo Portal PUC-Rio Digital.

Leia também: Seminário 'Comunicação, Temporalidades e Culturas' inaugura parceria PUC-Birmingham.

* Colaborou Paula Bastos Araripe.