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Rio de Janeiro, 27 de abril de 2024


Campus

Amigos ocultos: rostos conhecidos ganham nome e voz

Marina Ferreira - aplicativo - Do Portal

10/03/2015

 Divulgação Amigos Ocultos

“Eu sou desenhista de mão livre, faço rostos, charges, com lápis, caneta, aquarela, tudo”, conta Dutra, que há cinco anos frequenta a PUC-Rio – não como aluno de design, mas como segurança da universidade. Poucos saberiam disso, não fosse pelo projeto Amigos Ocultos, criado pelas alunas de Comunicação Social Duda Monteiro, de 20 anos, e Ana Luísa Ferraz, de 21, para dar visibilidade aos funcionários.

– É impossível imaginar um único dia na universidade sem os funcionários da limpeza, do refeitório, do elevador. Mas quando foi a última vez que conversou com algum? E seus nomes, sabe quais são? A resposta na maioria das vezes é negativa. Por isso criamos a página – conta Duda.

Davi Raposo

As histórias e fotos colhidas pela dupla (ou pelos colaboradores Wendy Andrade e Luciana Morin) são publicadas na página do projeto no Facebook, que já conta com mais de 3,3 mil curtidas desde que foi lançada, em novembro de 2014. A ideia surgiu durante a aula de Técnicas de Comunicação II do professor Luiz Favilla, em outubro. Duda, no 5º período de cinema, conta que elas acreditavam na força do projeto, mas nunca pensaram que daria tão certo:

– A ideia inicial foi da Ana, e eu apoiei depois de perceber que via mais essas pessoas durante a semana do que minha própria mãe, e nunca soube seus nomes. Acho que a aceitação foi grande porque os alunos passaram a reparar como essas pessoas estão muito presentes no nosso dia-a-dia. Duda Monteiro

Em dezembro, a reportagem do Portal acompanhou Duda na abordagem a Dona Paulina, funcionária da limpeza que se mostrou bastante surpresa ao ser abordada. Quando percebeu o interesse de Duda por sua vida fora do trabalho, o brilho em seu olhar ficou evidente, bem como o sorriso. “É? Então vamos conversar, vamos ali para a sombra”, chamou, com sua voz marcante, antes de começar a contar um pouco da realidade que vive:

– Moro no Vidigal, então não é difícil vir para cá. A única coisa ruim de morar lá, assim como em várias outras favelas, é quando as crianças estão nervosas, com dedo no gatilho. Eu chamo de criança porque elas não sabem o que fazem. Olha, nega, é complicado. A gente tem que se esconder debaixo da pia, porque eles atiram e a bala vai pra qualquer canto, não tem direção.

 Duda Monteiro Relatos como esse surpreendem e emocionam os seguidores da página, que comentam sua solidariedade e respeito pelas histórias. Alguns, porém, fazem mais do que apenas comentar. Ainda em novembro, a página divulgou a história de Diógenes, de 21 anos, funcionário do café da Associação dos Funcionários, que falou sobre sua admiração pelo jornalista Ricardo Boechat e a vontade de um dia cursar jornalismo. A estudante de jornalismo e ex-estagiária do Portal Marina Chiarelli, 20 anos, viu o post e ajudou Diógenes a conhecer seu maior ídolo.

Divulgação Amigos Ocultos  Por meio de contatos na Band News FM, onde Boechat comanda um jornal diário, acertou um encontro entre os dois. Diógenes ficou emocionado: “Muito obrigado, meninas, graças à entrevista consegui uma ponte para trocar uma ideia com a pessoa que me inspira e ainda consegui falar com toda a equipe, Maíra Gama e o também excelente Rodolfo Schneider. Muito obrigado”, escreveu.

Entre os diversos personagens que aparecem na página, alguns são reconhecidos facilmente pelos alunos, como Jonas, atendente do Fastway. Ele está sempre contando piadas, improvisando no inglês e cantarolando entre um pão de queijo e outro que serve.

 Wendy Andrade

– Eu gosto de divertir as pessoas, tento deixar o dia delas mais feliz. Um dia um menino chegou aqui cansadão, dizendo que tinha virado a noite estudando e não tinha ido bem na prova. Eu já cheguei com um “good morning, can I help you?”, disse a ele pra ficar calmo, que ia dar tudo certo, e o garoto saiu rindo. É isso que eu adoro fazer.

Um dos objetivos principais do projeto é dar destaque à vida dos funcionários para além do trabalho, com foco no que anseiam e sonham. “Sonho? Ai, tenho muitos... Não sei se você vai entender, mas eu sonho muito em ser feliz”, respondeu Sara, ascensorista do elevador do prédio Kennedy. Wendy Andrade

Tanto Duda como Ana Luísa acreditam que que o projeto está cumprindo esse papel, embora alguns não consigam falar de si sem atrelar-se ao ambiente da PUC. Uns divertem, como Giba, o ascensorista do prédio Kennedy, contando o que faz quando não está trabalhando: “Farra, como sempre. Não dá para esperar morrer, né? Tem que ficar no agito”. Outros tocam as estudantes pela falta de perspectivas, a dureza da vida:

– Perguntamos a Seu Pascoal, funcionário da limpeza dos jardins: “Qual o seu maior sonho?”. Ele respondeu, singelo: “À noite, sonho que estou atrasado para o trabalho”.  Wendy Andrade

A indiferença por parte dos alunos é sentida, mas as amigas Ângela e Sandra, auxiliares de serviços gerais, não se intimidam:

– Ah, comigo é assim: passou, não falou? Eu dou “bom dia” até a pessoa responder. Quando fui trabalhar no setor, uma colega falou assim: “Olha, você não fala com aluno e professor”. “Por quê?”, perguntei. E ela: “Porque eles não dão bom dia”. E eu disse: “Pois eu vou dar bom dia para eles!”. Entendeu? Eu acho isso muito importante.

 Duda Monteiro Com o início do ano letivo as postagens voltaram, e o projeto recebeu propostas para se expandir entre outras universidades, como a UFRJ. As boas ideias devem ser compartilhadas, principalmente se promovem uma vida universitária mais integrada e consciente da importância do outro. Muito certa sobre o projeto que ajudou a criar, Ana Luísa reflete:

– O melhor de tudo isso foi perceber que cada pessoa é um mundo, cada um tem seus sonhos, suas alegrias e, principalmente, suas conquistas. Tenho muito orgulho de fazer parte disso e de poder mostrar a todo mundo que, muitas vezes, um “bom dia” muda o dia de alguém.