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Rio de Janeiro, 20 de abril de 2024


Meio Ambiente

No Jardim Botânico, trabalho de formiguinha para salvar mudas

Andressa Pessanha - aplicativo - Do Portal

27/02/2015

 Paula Bastos

As consequências da estiagem das chuvas pelo segundo ano consecutivo e do problemático abastecimento de água já batem na porta do Jardim Botânico do Rio. Arboreto classificado na categoria A – pontuação máxima – pela Comissão Nacional de Jardins Botânicos, localizado na Zona Sul da cidade, o parque já adota medidas como a utilização da água de seus lagos e rios para regar o plantio, além de priorizar, no momento mais crítico da seca, a saúde de plantas científicas e mudas de maior valor botânico (veja também fotogaleria.) O diretor de ambiente e tecnologia do Jardim Botânico, Claudison Rodrigues, mobilizou seus 600 funcionários para economizar a água em todos os ambientes, e proibiu a lavagem de automóveis e pisos.

Em entrevista ao Portal, o gestor enfatiza a importância da preservação das florestas, sobretudo de arboretos como o Jardim Botânico, para a produção natural de água e limpeza do ar das cidades. Além da beleza natural oferecida para os mais de 600 mil visitantes por ano, o local é passagem do Rio dos Macacos, que banha os bairros do Alto da Boa Vista, Jardim Botânico e Lagoa. Para a preservação de sua nascente, Rodrigues conta com a parceria da Agência Nacional de Águas (ANA) para desenvolver o programa Produtor de Água, que visa “melhorar a produção de água” e instalar um núcleo de educação ambiental voltado para recursos hídricos.

Portal PUC-Rio Digital: A estiagem que atinge a região Sudeste desde o verão do ano passado prejudica não só o abastecimento de água nos reservatórios como também o desenvolvimento de plantas que necessitam de um nível específico de chuva para sobreviver. O quanto o Jardim Botânico foi afetado?

Rodrigues: Faz dois anos que já temos registros pluviais baixos, o clima está imprevisível. O nosso rio principal, que é fundamental para nós, estava com uma vazão mínima, quase sem água. Nós temos dois rios: o dos Macacos e o Iglesias, que nascem dentro da mata e passam por cima do aqueduto – um dos poucos remanescentes no Rio de Janeiro, construído no começo do século XIX – num certo momento tem uma comporta que junta os dois. Essa água vem canalizada e alimenta uma rede de canaletas, construídas por Frei Leandro no primeiro quarto do século XIX, tudo por gravidade. Até hoje é esse o sistema que funciona por aqui. Aquele chafariz que joga água a três metros de altura é por gravidade, não tem nenhuma bomba. Porém, esse sistema ficou muito seco. O lago da Região Amazônica, por exemplo, foi bastante atingido, porque ele é o último antes de a água sair para a Rua Jardim Botânico. Então vimos o rio secando e diminuindo a quantidade de que a gente dispunha. Quando isto acontece, usamos um caminhão pipa com um sistema de bombeamento próprio. Com falta de água nos rios, começamos a usar água dos lagos para molhar as plantas. Fomos muito atingidos. Começamos a observar muitas plantas, principalmente recém-plantadas, morrerem, plantas já maduras amarelarem, entre outros indícios.

 Paula Bastos Portal: Há no Jardim Botânico do Rio de Janeiro cerca de 9 mil exemplares botânicos de mais de 1.500 espécies. Como estão fazendo para mantê-los vivos em meio a uma crise hídrica que implica em racionamento na cidade?

Rodrigues: O que fizemos foi adotar algumas medidas com as pessoas que trabalham aqui. São cerca de 600 pessoas entre funcionários, terceirizados e colaboradores. Baixamos uma determinação de que não pode mais regar gramado, nem lavar pisos ou automóveis, por exemplo – só lavam o carro da presidente, e com balde. As gramas obviamente ficam mais amareladas, vão se ressentir, como as árvores mais maduras e consolidadas, mas a prioridade são as mudas e as coleções científicas, as quais não podemos perder. E água é para ser usada só nas mudas já plantadas, pois proibimos a plantação de mudas novas enquanto não melhorar a situação, já que estas são extremamente sensíveis a tais variações climáticas. Pedimos aos nossos funcionários que fiquem atentos em suas casas de trabalho para ver se há alguma goteira, pois assim iremos resolver o mais rápido possível. Há cartazes em todos os banheiros públicos aqui explicando que existe uma crise hídrica violenta e que todo mundo tem que usar água com maior cuidado: não ficar segurando a válvula da descarga, não ficar muito tempo com a torneira aberta, não lavar os cabelos na pia. Temos também, a partir de agora, uma estufa climatizada, que recebemos de uma doadora particular. Quando percebemos que a nossa coleção do orquidário começa a se ressentir, pegamos as mais valiosas no ponto de vista botânico e botamos na estufa climatizada. Fazemos um rodízio entre essas coleções importantes. É uma ferramenta que usamos para desestressar as plantas mais valiosas.

Portal: A ida ao Jardim é um dos programas mais adotados pelas famílias cariocas, com seus maiores índices de visitação concentrados nos fins  de semana e feriados como o carnaval, que deve reunir 970 mil turistas na cidade, de acordo com o previsto pela Prefeitura do Rio. Como pretendem manter o racionamento de água nesta situação?

Rodrigues: No carnaval, quando passam os blocos, fechamos os portões para evitar a degradação do local e o susto das pessoas que estão lá para visitação. O Jardim Botânico tem uma tradição: ele só fecha no dia 25 de dezembro, no dia 1º de janeiro e enquanto blocos passam na Rua Jardim Botânico - depois abrimos. Isso já é feito há vários anos, principalmente desde que os blocos ficaram maiores. O carnaval só nos impacta dessa maneira. Quanto a outros momentos de pico, é difícil limitar. Nós já tivemos um recorde de 7 mil pessoas num sábado. É algo totalmente fora de controle. O Jardim Botânico está fazendo um estudo de capacidade de carga, para saber quantas pessoas de fato cabem aqui dentro, para podermos limitar. Não podemos receber, por exemplo, dez escolas com 40 alunos, mais o público comum. Vamos começar a agendar as escolas para organizar e não deixar ficar tão cheio quanto daquela vez. A visitação ao Jardim Botânico está crescente. A nossa análise é principalmente pela segurança, pois a cidade do Rio está muito insegura, até para programas de verão como praia. Por isso, as pessoas vêm cada vez mais, porque encontram um ambiente bom, em família. E aqui não temos ocorrência nenhuma, nenhum assalto ou correria. Hoje em dia isso conta muito na cidade.

Portal: Tendo em vista que o desabastecimento não tem previsão para acabar, assim como o período de seca, já pensam em algum projeto de reservar água para situações emergenciais?

Rodrigues: Esta crise é um alerta para nós em relação a isso. Vamos construir mais um reservatório de 50 mil litros. Como sempre tivemos rios passando aqui dentro, temos poucos reservatórios, não havia motivos para construir cisternas. Portanto, temos pouca capacidade de armazenamento. Agora já temos uma funcionando e vamos reativar outra que estava com infiltração, além da nova. Vamos guardar água para momentos mais duros.

Portal: A Prefeitura ou o Governo do Rio têm ajudado nestes projetos de racionamento?

Rodrigues: Não. O que temos são nossos parceiros do próprio Ministério do Meio Ambiente, além de alguns bons parceiros para nossos projetos. Várias instituições apoiam nossos projetos, mas não para essa questão da água. Estamos mesmo procurando esses parceiros, pois temos muita demanda aqui. O que temos de novidade é a parceria que começamos no fim do ano passado com a Agência Nacional de Águas (ANA), um órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, como o Jardim Botânico. Eles têm um programa chamado Produtor de Água. Fizeram uma visita, e na semana depois do carnaval vamos retomar nossos projetos. Vão analisar as áreas em torno das nascentes dos rios para avaliar quais áreas precisam de reflorestamento para proteger nascentes e encostas e, onde houver erosão, implantar desde obras simples até de engenharia mais complexa, para melhorar a condição de produção da água. Outra melhoria dentro do projeto será na cabana do Lago do Pescador. Vamos reformá-la e instalar um núcleo de educação ambiental voltado para recursos hídricos, pois entendemos que não basta tomar medidas de engenharia e reflorestamento sem trabalhar com as pessoas para que entendam que a água é o recurso natural mais ameaçado do planeta hoje em dia.

 Paula Bastos Portal: Levantamento da Organização S.O.S. Mata Atlântica e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) calcula que aproximadamente 3,7 hectares de Mata Atlântica foram desmatados no Rio, incluindo as matas ciliares (que margeiam rios e mananciais). Esse desmatamento pode ter relação com a escassez de recursos hídricos?

Rodrigues: Não tenho nenhuma dúvida disso. Nós vivemos a era da mata secundária. A cidade, em 1865, estava perdendo água porque as nascentes estavam secando por falta de vegetação. A Floresta da Tijuca, por isso, foi reflorestada, pelo major Archer, a mando de D. Pedro II. Ele, com uma visão totalmente à frente do seu tempo, fez um mix de diferentes espécies, como é recomendado hoje em dia. Esta floresta toda aqui deve, em grande parte, a esse trabalho dele. Mas o imperador e as autoridades só se preocuparam por causa da falta de água na cidade, além das enxurradas de lama que desciam quando chovia. Então, a água e a árvore estão diretamente relacionadas. Uma nascente, se você desmata em volta, tende a secar, pois ela precisa daquela cobertura florestal. Mas atualmente estamos num impasse, pois para se plantar é preciso ter chuva; para ter chuva, é preciso florestas. Então talvez tenhamos ultrapassado um limite, que vai tornar tudo mais difícil.

Portal: Além da flora, há alguma medida para proteger a fauna do Jardim?

Rodrigues: Temos uma área pequena de fauna aqui. Fazemos vários monitoramentos de sapos, pereceras e morcegos; recolhemos animais que aparecem com problema, mas não somos especialistas no assunto. Temos aqui um viveiro de triagem, apesar de não ser nossa missão. Para tratar estes animais precisamos ter autorização do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Por isso, não conseguimos observar muita coisa sobre eles associada à mudança de clima, calor ou falta de chuva.

Portal: Em dezembro do ano passado, os mais de 136 primatas do Jardim Botânico ficaram sujeitos a doenças recorrentes da água contaminada do Rio dos Macacos. Depois do incidente, que métodos utilizam para manter o rio limpo?

Rodrigues: O rio é bombardeado de diversas maneiras e fica difícil mantê-lo limpinho por muito tempo, toda hora tem uma questão. Uma piscina que esvaziam em uma das casas da Rua Pacheco Leão, perto do rio, pode acabar extravasando do sistema de coleta de esgoto, que é de 1934, portanto nada preparado para suportar a quantidade de água ejetada dali. Já identificamos cloro na água em várias análises, e isso é mortal para certas espécies. Água de esgoto, quando chove, escorre pela rua e cai na rede de drenagem, parando no rio. Ainda assim, comparado a rios mais próximos como o Rio Cabeça, o Rio Carioca, o nosso Rio dos Macacos é exemplar, porque os outros estão podres e viraram esgoto. Vários estudos nossos comprovam que o clima aqui dentro é melhor do que lá fora. Colaboramos também para a melhoria do microclima local e redução do CO².