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Rio de Janeiro, 27 de julho de 2024


Campus

"Rocinha não é menos cidade que a 5a Avenida"

Larissa Fontes e Luisa Gabriela Oliveira - Do Portal

05/12/2014

 Davi Raposo

Desde o fim da Idade Moderna, da formação dos burgos até as grandes metrópoles atuais, ocorreram grandes transformações nas relações sociais, e os ambientes urbanos foram palco de inúmeros movimentos sociais. A cidade não é somente lugar de moradia e passagem, mas objeto de estudo em diversas ciências que discutem e ampliam a concepção de sociedade. Os estudos do professor Michel Agier, da École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS de Paris), têm como foco dois grandes aspectos: tentar descrever o que há de urbano na antropologia e, indo um pouco mais longe, perguntar a possibilidade de uma antropologia da cidade, não apenas na cidade.

Por meio das pesquisas que realizou sobre a cidade no contexto antropológico, Agier traz ao público uma análise urbana através dos relatos das suas experiências como profissional e cidadão. Após ter realizado pesquisas em campos de refugiados na Colômbia, em periferias na África e na Palestina, Agier morou em Salvador, durante sete anos. Mesmo com a disparidade de cenários, foi na capital baiana que ele se converteu aos estudos antropológicos nas cidades, inaugurados em Anthropologie du carnaval (2000):

– Em Salvador eu tive uma descoberta de uma cidade que achei linda e feia ao mesmo tempo. Tem tantos contrates entre o alto e o baixo, o Oceano e a Bahia, o moderno e o antigo – contou, em sua primeira visita à PUC-Rio, esta semana, para falar sobre O que faz “urbana” a antropologia urbana.

Baseando-se no modelo da cidade de Paris, Michel encontrou no solo soteropolitano o que procurava. Em português admirável, conta:

– Passei muitos anos me perdendo nas ruas. Até que houve um momento em que eu não me perdi mais, sabia sempre onde estava. Eu fiz meu holograma, fiz minha cidade.

Ele destaca a importância das cidades para as pesquisas e na formação de teorias dos antropólogos, e dos desafios que impõe, lembrando que originalmente questões como mobilidade, crescimento urbano, diferentes formas de aglomeração não eram contempladas pelos fundamentos originais da antropologia, podendo causar desconforto entre os pesquisadores tradicionais:

 Davi Raposo – Mas não há incompatibilidade entre a urbanização e a antropologia. Pelo contrário, há um laço muito particular e necessário que faz da urbanização uma das maneiras para a antropologia manter a globalidade do seu ponto de vista, a mudança que obriga o antropólogo a dizer algo do urbano e a complexificar suas teorias sobre o homem e a sociedade. Mesmo que seja muito pequena, a cidade como objeto de pesquisa e esmagadora demais. É lugar de individualização extrema e de caos. É a multidão sem totalidade. É um verdadeiro desafio.

Mesmo que em sua tese a cidade seja um “símbolo do anonimato”, Agier ressalva os efeitos das recentes espacialidades que os novos centros produzem: distâncias, segregações e individualização sobre as relações sociais nesses contextos de espaços urbanos.

– Podemos dizer que é uma antropologia, em geral, da cidade, no sentido de experiência localizada de vida, de descoberta, de conhecimento. Se as problemáticas urbanas transformaram a antropologia, esta contribui para uma redefinição da cidade.

“Olhares Cruzados”

Autor do livro A antropologia da cidade: lugares, situações, movimentos (São Paulo, Ed. Terceiro Nome, 2011), Agier considera que toda antropologia urbana implica em uma descentralização do olhar e um esquecimento metodológico do conceito de cidade – medieval, clássica, industrial. O pesquisador propõe um “esquecimento estratégico” de tudo o que é previamente sabido sobre o conceito de cidade, e acredita que uma maneira de provocar essa descentralização é por meio de comparações, o que ele chama de olhares cruzados. Pela estética das diferenças, ele acredita que uma desigualdade social e política se manifesta:

– O que eu quero dizer é que a Rocinha não é menos cidade do que a 5ª Avenida, em Nova York, por exemplo.

A antropologia não é urbana, ele afirma. Não é rural, médica, ou religiosa. Ela é e deve ser, em sua opinião, uma antropologia geral. Mas, mesmo excluindo suas fragmentações temáticas, Agier acredita que toda antropologia deveria ser concebida por sua urbanização. Para ele, o antropólogo se confronta com a transformação rápida e brutal da vida social e das culturas na experiência do quadro urbano, e o processo resultará em mudanças nos métodos dos pesquisadores:

– A antropologia saberá se renovar como se renovam a sociedade, as culturas.

Além da conferência que ministrou na PUC-Rio, o professor comanda um ciclo de palestras na UFRJ até o dia 11 de novembro.