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Rio de Janeiro, 19 de abril de 2024


Economia

Segundo governo: metas de conter inflação e retomar crescimento

Davi Raposo - aplicativo - Do Portal

11/11/2014

 Arte: Davi Raposo

Um dos grandes desafios do próximo governo de Dilma Rousseff (PT) será o de retomar os rumos do crescimento econômico ao mesmo tempo em que controla a inflação. Com o intuito de acalmar o mercado, a presidente Dilma declarou na última quinta-feira que vai “fazer o dever de casa” e cortar gastos, com um reajuste das contas do governo. Os posicionamentos de Dilma, reeleita num segundo turno apertado com o senador Aécio Neves (PSDB), foram uma resposta a um mercado ainda desconfiado com o próximo governo. Logo após a eleição, houve queda no Ibovespa e o dólar americano subiu. Os papéis da Petrobras também tiveram queda de 13%, em grande medida devido às denúncias de corrupção envolvendo a diretoria da empresa.

Com o cenário desenhado, resta oficializar o sucessor de Guido Mantega no Ministério da Fazenda. Luiz Carlos Trabuco, presidente do banco Bradesco, teria sido indicado pelo ex-presidente Lula. Outros dois fortes nomes para o cargo são o de Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central, e Nelson Barbosa, ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda na gestão Mantega. A presidente afirmou que não anunciará o novo ministro antes da reunião do G-20, que ocorrerá nos dias 15 e 16 deste mês, na Austrália.

Demissionário, o ministro Guido Mantega alegou que as bolsas do mundo inteiro estão despencando, e que este não é um fenômeno exclusivo do Brasil.

– As eleições provocam alguma volatilidade nos mercados e isso se deve também a fatores externos. Estamos vendo que todas as bolsas estão caindo hoje. Não me vão dizer que é por causa do processo eleitoral no Brasil. Ainda não temos essa força toda. Está tendo uma queda forte de commodities (produtos básicos com cotação internacional, como minério de ferro, petróleo e alimentos) no mundo – disse Mantega a jornalistas.

O professor Fernando Limongi, do Departamento de Ciências Sociais da USP, avalia que, enquanto a presidente Dilma não anunciar o sucessor de Mantega, a economia do Brasil continuará estagnada.

– A economia literalmente parou. A presidente Dilma vai ter que sinalizar quem vai ser o próximo ministro, e terá que ser alguém com afinidade com o mercado. É uma decisão estrategicamente complicada: tem que ser um nome que permita que venham investimentos, mas também mantenha as bases populares de emprego e renda que consolidaram o governo petista Nelson Barbosa é o mais próximo possível da presidente Dilma. Ele é exatamente o limite – afirma Limongi.

Na opinião de Limongi, o próximo ministro da Fazenda tentará agradar ao mercado. Isso implicaria quase que necessariamente em realizar uma política econômica com menos intervenção do Estado. No primeiro mandato, o governo incentivou setores específicos ao controlar o mercado externo e influenciar o Banco Central (BC).

– Eu acredito que o governo vai procurar preservar o emprego o máximo possível, porque sabe que essa é sua virtude daqui em diante. O mercado, por sua vez, deve procurar usar uma cartilha mais próxima do governo. Não dá para ficar apenas reclamando do Banco Central, se o país não recebe investimentos de capital. O próximo ministro terá que compreender os parâmetros usados e o modelo econômico para tomar decisões. Afinal, se parecer que houve um estelionato eleitoral, isso pode ser ruinoso para o PT: segurariam a crise, mas depois acabariam fazendo igual ao Plano Cruzado. Então, isso eles têm de evitar – opina Limongi.

Para Fernando Guarnieri, cientista político da Iesp-Uerj, parte dessa desconfiança do mercado vem da forma dura com que a presidente Dilma lidou com a questão durante a campanha eleitoral:

– Podemos dizer que a campanha do PT foi muito dura em relação à influência do mercado no governo, apostando em um discurso de medo da autonomia do Banco Central, para neutralizar a candidatura de Marina Silva (PSB).

O controle inflacionário é mais uma exigência que recai nas costas de Dilma. A inflação está no teto da meta estabelecida pelo Banco Central (6,5%), e a pressão para que ela ceda para os 4,5% (centro da meta) cresce a cada instante. Especialistas do mercado acreditam que este será um remédio amargo a ser injetado, mas que, se bem-sucedido, pode colocar o país na rota do crescimento (Leia também: Segundo mandato exige acerto político e austeridade econômica)

Outro fato que surpreendeu o mercado foi a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de aumentar a taxa básica de juros (Selic) para 11,25% ao ano. Antes a Selic marcava 11% ao ano, e o aumento não era aguardado por especialistas, que acreditavam que o Banco Central faria a manutenção da taxa anterior.

 ArquivoO esperado ajuste fiscal garantiria ao governo alcançar a meta de superávit primário, que já foi alterada várias vezes, e de quebra ajudaria a controlar a inflação, com a redução dos gastos governamentais. A margem de manobra é estreita, uma vez que os meios para lograr o intento poderiam esfriar ainda mais a economia. Mas poderiam resgatar a confiança dos investidores depois de uma relação turbulenta nos últimos tempos.

Existe também um grande receio dentro da cúpula do partido petista sobre o uso de medidas impopulares para recolocar a economia brasileira no rumo do crescimento. O vice-presidente do PT, deputado José Guimarães (CE), afirmou que o nome deve atender ao mercado, mas também a outros “setores da sociedade”.

Para Fernando Guarnieri, é impossível o governo não praticar medidas impopulares para regular a economia e que isso já começou a acontecer, mas é viável manter as políticas sociais mesmo com a economia dando sinais de desgaste:

– Ter aumentado a taxa básica de juros (Selic) de 11% para 11,25% ao ano foi uma ação que impactou todos os brasileiros. Saiu o resultado das contas públicas e o país encontra-se em um enorme déficit. A consequência disso tudo será mudar a meta de superávit primário ou então fazer um corte como nunca se viu antes. Essas são, sem dúvida, medidas impopulares. No entanto a presidente Dilma falou em diversos debates que fará tais medidas para conter o desande da economia, mas manterá os empregos da população mais pobre. Esse é o trunfo do PT daqui pra frente – explica Guarnieri.

Na história do ministério, alternância de enfoque

Autor do livro Banco Central do Brasil, o Leviatã ibérico, em que interpreta a história econômica e política do Brasil a partir da visão do Banco Central brasileiro, o cientista político Eduardo Raposo, da PUC-Rio, lembra que dois tipos básicos de abordagem econômica se alternam na história recente do país: a ênfase no desenvolvimento econômico; e a linha “arrumar a casa”, ou seja, promover ajuste fiscal e linha de crédito – alternativa sinalizada pela presidente Dilma para o seu segundo mandato.

– No regime militar houve um predomínio da abordagem doméstica. O primeiro presidente do ciclo militar teve como ministro da Fazenda Otavio Gouveia de Bulhões, economista de cunho liberal que procurou arrumar a casa e para isso criou o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central  instituições destinadas a regular o crédito e a moeda. Ele fez a arrumação da casa e preparou o terreno para os próximos governos, como o Costa e Silva, Médici, Geisel e, posteriormente, o governo Figueiredo, este bem mais fragilizado na sua capacidade de crescimento. Foram todos ministros desenvolvimentistas, preocupados com uma produção acelerada da economia, sendo o mais expressivo desses Delfim Netto, o principal responsável pelo chamado “milagre econômico”, de 1967 a 74. Logo depois a economia internacional entrou num outro ciclo, com menos disponibilidade de recursos. A crise dos anos 1970, a globalização, as duas crises do petróleo e juros internacionais atingiram o Brasil, que não tinha nem poupança interna e petróleo – explica Raposo.

 Arquivo: Jefferson Barcellos A partir do processo de redemocratização, José Sarney promoveu novos planos de estabilização econômica, numa vertente mais monetarista. No governo Itamar Franco, o então ministro Fernando Henrique Cardoso teve como principal feito um bem-sucedido projeto de estabilização da economia, denominado de Plano Real. Com a criação de uma moeda estável, o país pode diminuir a inflação e crescer, tendo o próprio Fernando Henrique como presidente por dois mandatos consecutivos. No início de 1999, durante o segundo governo FHC, a crise internacional atingiu o Brasil. Investidores, receosos, tiraram bilhões de dólares do país. Se poder manter a paridade dólar/real, o governo foi obrigado a desvalorizar a moeda e a recorrer ao FMI (Fundo Monetário Internacional). O ministro da Fazenda na época, Pedro Malan, adotou um rígido controle de gastos públicos, diminuindo investimentos em infraestrutura e elevando a taxa de juros.

Para Raposo, os problemas econômicos do segundo governo Dilma são expressivos, mas não tanto quanto os que Fernando Henrique enfrentou:

– A crise de 1998 na Rússia encerrou um ciclo em que o mundo tinha grande disponibilidade de recursos internacionais. Isso acabou. Os dólares deixaram de entrar espontaneamente no Brasil e aquilo servia de âncora: se tinha muitos dólares entrando, o real naturalmente valorizava. Quando deixou de entrar tanto dólar, tiveram que fazer outra coisa, que foi a Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas as crises internacionais naquela época eram plurais. O Brasil não foi atingido diretamente pela crise de 2008 porque o nosso problema era falta de créditos, e o que atingiu o mundo foi justamente um acúmulo de otimismo que acabou gerando um excesso de crédito, que fez com que a economia dos EUA não crescesse tanto quanto esse otimismo fazia crer. A bolha teve que ser ajustada, e agora o mundo está em recuperação.