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Rio de Janeiro, 27 de julho de 2024


País

Novos rumos exigem de Dilma uma janela de entendimentos

Andressa Pessanha, Felipe Castello Branco, Juliana Reigosa, Lucas Augusto, Marcela Henriques, Maria Silvia Vieira - aplicativo - Do Portal

29/10/2014

 Agência Brasil

Passados os ventos de desconstrução que rondaram a campanha, a presidente Dilma Rousseff, reeleita por aproximadamente 55 milhões de brasileiros, terá de alicerçar três ou quatro missões capitais na largada do segundo mandato, preveem os analistas. A primeira é tecer costuras políticas em torno de “um Brasil mais próspero e justo”, como ressaltou no discurso comemorativo, para unir o país que sai das urnas dividido pela vantagem mais estreita desde a redemocratização. Pouco mais de três milhões de votos (cerca de três pontos percentuais) separaram a vitoriosa do tucano Aécio Neves. Dilma haverá de costurar alianças também num Congresso pulverizado por 28 legendas, sobretudo na Câmara, sem as quais fica difícil aprovar os programas desejados, inclusive a reforma política pregada no primeiro pronunciamento como mandatária para mais quatro anos no Planalto.

Ainda de acordo com especialistas, a presidente dependerá da abertura ao diálogo apregoada no discurso de domingo à noite, e da coordenação de competências técnicas, para virar alguns jogos que contribuíram, por exemplo, para a goleada sofrida em São Paulo (só 25%, aproximadamente), a locomotiva do país, com 1/3 do PIB (Produto Interno Bruto, soma dos bens e serviços produzidos). A virada mais premente, reconhece Dilma, é a recuperação do prumo econômico, desde a retomada dos investimentos até o controle da inflação, acima do teto fixado pelo governo, de 6,5%. As mudanças como ajustes na política fiscal, defendidos por analistas econômicos, soma-se o simbólico anúncio do novo ministro da Fazenda (Guido Mantega está demissionário desde o mês passado), ansiosamente aguardado por um mercado que há muito anda em compasso de espera. “A voz das urnas vai guiar a escolha de Dilma”, acredita o professor de finanças do Ibmec Gilberto Braga (ouça a entrevista completa).

Dos nós que a presidente reeleita terá de desatar – supostamente com as “pontes” políticas sinalizadas no discurso de ontem – fazem parte também a crise hídrica, decorrente de lapsos administrativos federais e estaduais, como reitera, por exemplo, o ambientalista e economista Sérgio Besserman, em entrevista ao *Portal*; e a melhora da qualidade dos serviços públicos, sobretudo de educação e saúde – como bradaram nas ruas em junho do ano passado e confiam os eleitores da classe C, decisivos para a vitória da presidente.

Os eleitores da classe média, supostamente mais sensíveis à qualidade dos serviços públicos, esperam grandes melhoras no sistema de educação. O plano de governo da petista promete uma expansão do acesso à educação, em todos os níveis, financiada pelos recursos provenientes da exploração do petróleo do pré-sal e do pós-sal. Outro ponto central das propostas para educação da atual presidente é a expansão do ensino técnico através do Pronatec. De acordo com o cientista política Ricardo Ismael, o Pronatec “não resolve”. Para o especialista, é necessário priorizar a educação básica, sobretudo o ensino médio e fundamental:

- Um dos pontos de campanha da Dilma foi o Pronatec. Mas isso não resolve. O que deveria ser priorizado é a educação básica, em especial o ensino fundamental e médio. É Isso que vai fazer com as pessoas estejam mais preparadas. O importante é pensar no que vem antes do Pronatec.

Para o cientista político Antônio Carlos Alkmim, se os recursos obtidos com a exploração do petróleo e do pré-sal forem realmente utilizados para expandir o acesso à educação, como prometido pela presidente eleita, é possível haver grandes avanços nesse setor: “se de fato tivermos recursos do pré-sal destinados à educação, essa política de melhorar a saúde estaria garantida”.

O professor de antropologia da UFF, Bernardo Kocher, reconhece que houve um aumento nos gastos públicos com a educação. Contudo, para o especialista, a quantia investida ainda está aquém do necessário para transformar o ensino no país:

- Há um crescimento nos gastos públicos com a educação, mas as demandas continuam sendo colossais. O dinheiro investido ainda não representa uma educação satisfatória. Deveria haver uma intervenção do governo federal no ensino médio – propõe o especialista.

Na área da saúde, Dilma pretende expandir o programa Mais Médicos, e criar o programa Mais Especialidades. A presidente se comprometeu a fortalecer e universalizar o Serviço de Atendimento Móvel de Emergência (SAMU) e expandir as Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Para Kocher, é fundamental ampliar o sistema de saúde, proporcionando atendimento para a parcela de brasileiros que, atualmente, não têm acesso à saúde pública. Entretanto, o especialista faz a ressalva de que essa ampliação no sistema não pode deixar cair a qualidade da saúde no país:

- O fundamental para a saúde no segundo mandato da presidente Dilma é a inclusão da imensa massa de brasileiros que está isolada desse sistema. Essa é uma questão com uma envergadura muito grande. Todo o processo de ampliação desse sistema público envolve o aumento de gastos. Porém, é importante que essa ampliação seja feita, sem deixar de lado a qualidade desse sistema.

Passados os ventos de desconstrução que rondaram a campanha eleitoral, a presidente reeleita, Dilma Rousseff, terá de alicerçar três ou quatro missões capitais na largada do segundo mandato, preveem analistas. A primeira é tecer costuras políticas em torno de “um Brasil mais próspero e justo”, como ressaltou no discurso comemorativo, para unir o país que sai das urnas dividido pela vantagem mais estreita da história das eleições: pouco mais de 3 milhões de votos (cerca de três pontos percentuais) separaram a vitoriosa – reeleita em segundo turno por 54,5 milhões de brasileiros (51,64% dos votos válidos) – do tucano Aécio Neves, que obteve 51 milhões, ou 48,36%.

Dilma haverá de costurar alianças também num Congresso pulverizado por 28 legendas, sobretudo na Câmara, sem as quais fica difícil aprovar os programas desejados, inclusive a reforma política que anunciou como prioridade no primeiro pronunciamento.

A diferença reduzida para o adversário obriga a presidente a estabelecer um diálogo com uma oposição revigorada. “É possível que o enfraquecimento do PT paulista e a mudança do eixo petista para Minas leve a um entendimento e à busca de uma agenda comum”, avalia o cientista político Cesar Romero Jacob, diretor do Departamento de Comunicação da PUC-Rio. Até porque, na visão do especialista, autor de livros como A geografia do voto nas eleições presidenciais no Brasil: 1989-2006 e o recém-lançado Atlas das condições de vida na Região Metrpolitana do Rio de Janeiro (ambos pela Editora PUC-Rio), não foram observadas nesta eleição “ideologias tão divididas”:

– As bases dos programas (de Dilma e de Aécio) são semelhantes. Buscam um estado de bem-estar social, apesar de as ênfases na campanha terem sido distintas. No caso do PT, a ênfase é na política social e, no caso do PSDB, na política econômica. Mas as agendas têm pontos comuns. Esta característica, aliada à diferença apertada nas urnas, propicia a abertura de uma janela de entendimentos – pondera Romero Jacob.

Para o cientista político, a presidente até sinalizou tal intenção no discurso vitorioso. Ele ressalva que faltou definir claramente “a oposição” e a forma com que essas pontes seriam criadas.

De acordo com especialistas, a presidente dependerá da abertura ao diálogo apregoada, mesmo de forma superficial, no discurso de domingo à noite, e da coordenação de competências técnicas para virar alguns jogos que contribuíram, por exemplo, para a goleada sofrida em São Paulo, a locomotiva do país, com um terço do PIB (Produto Interno Bruto, soma dos bens e serviços produzidos): lá, não chegou a 36%, frente a 64,3% de Aécio. A virada mais premente, reconhece Dilma, é a recuperação do prumo econômico, desde a reestruturação das finanças públicas e a retomada dos investimentos até o controle da inflação, acima do teto fixado pelo governo, de 6,5%. A mudanças como ajustes na política fiscal, defendidos por analistas econômicos, soma-se o simbólico anúncio do novo ministro da Fazenda (Guido Mantega está demissionário desde o mês passado), ansiosamente aguardado por um mercado que há muito anda em compasso de espera. “A voz das urnas vai guiar a escolha de Dilma”, acredita o professor de finanças do Ibmec Gilberto Braga (ouça a entrevista completa).

Dos nós que a presidente reeleita terá de desatar – supostamente com as “pontes” políticas sinalizadas no discurso de ontem – fazem parte também a crise hídrica, decorrente de lapsos administrativos federais e estaduais, como reitera, por exemplo, o ambientalista e economista Sérgio Besserman, em entrevista ao Portal; e a melhora da qualidade dos serviços públicos, sobretudo de educação e saúde – como bradaram nas ruas em junho do ano passado e confiam os eleitores da classe C, decisivos para a vitória da presidente.

Sem citar o caso Petrobras, Dilma também se comprometeu com o combate à corrupção, trabalhando pela aprovação de leis mais rigorosas. Com a nova composição do Congresso, que apresenta maior divisão da Câmara, a presidente eleita terá grandes desafios a enfrentar, prevê o cientista político e professor da PUC-Rio Ricardo Ismael:

– A oposição ficou fortalecida nestas eleições. Independentemente do presidente eleito, temos um país dividido. As mudanças no Congresso indicam uma maior fragmentação partidária. E há o caso da Petrobras, que tem uma grande abrangência, pois envolve o PT e partidos aliados. Os desafios que Dilma enfrentará inicialmente serão a forte oposição, um Congresso menos monolítico e o caso da Petrobras.

Qualificação dos serviços públicos na pauta

Os eleitores da classe média, supostamente mais sensíveis à qualidade dos serviços públicos, esperam grandes melhoras no sistema educacional, por exemplo, observam analistas. O plano de governo promete uma expansão do acesso à educação, em todos os níveis, financiada pelos recursos provenientes da exploração do petróleo do pré-sal e do pós-sal. Outro ponto nevrálgico das propostas da presidente reeleita para a área remete à expansão do ensino técnico, por meio do Pronatec. Para Ismael, o Pronatec em si, sem um investimento na base da educação, não basta.

– Um dos pontos de campanha da Dilma foi o Pronatec. Mas isso não resolve. O que deveria ser priorizado é a educação básica, em especial os ensinos fundamental e médio. Isso é o que vai fazer com as pessoas estejam mais preparadas. O importante é pensar no que vem antes do Pronatec – opina.

Já na opinião do cientista social Antônio Carlos Alkmim, se os recursos obtidos com a exploração do petróleo e do pré-sal forem direcionados para expandir o acesso à educação, como prometido pela presidente, “é possível haver grandes avanços no setor”. Embora reconheça avanços na área, o professor de antropologia da UFF Bernardo Kocher acredita que o volume de investimentos para “transformar o ensino público do páis”, cujo nível ainda se encontra entre os piores do mundo, está “muito aquém do necessário”. Foram destinados cerca de R$ 9 bilhões federais ao setor este ano.

– Há um crescimento nos gastos públicos com a educação, mas as demandas continuam sendo colossais. O dinheiro investido ainda não representa uma educação satisfatória. Deveria haver uma intervenção do governo federal no Ensino Médio – propõe Kocher.

A Saúde, que recebeu apenas 8,2% dos R$ 47,3 bilhões investidos no país, é outra área para a qual a classe C mostra-se muito “sensível”. Dilma pretende expandir o programa Mais Médicos e criar o Mais Especialidades, e se comprometeu em “fortalecer e universalizar” o Serviço de Atendimento Móvel de Emergência (Samu) e ampliar as Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs). Kocher ressalva, porém, que a ampliação não necessariamente será acompanhada de qualidade no atendimento:

– O fundamental para a Saúde, no segundo mandato da presidente Dilma, é a inclusão da imensa massa de brasileiros que está isolada desse sistema. Essa é uma questão com uma envergadura muito grande. Todo o processo de ampliação desse sistema público envolve o aumento de gastos. Porém, é importante que essa ampliação seja feita sem deixar de lado a qualidade desse sistema.

Para Ismael, é preciso aumentar a quantidade de leitos nos hospitais, facilitar o acesso às cirurgias pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e ampliar o acesso aos laboratórios. O especialista ressalta que diversas áreas no país não possuem laboratórios suficientes, dificultando a realização de exames e cirurgias:

– É preciso avançar na questão dos leitos nos hospitais, uma falha ainda muito grande na saúde brasileira. Além disso, é preciso facilitar as cirurgias nos SUS, pois, atualmente, é possível levar seis meses para conseguir marcar uma cirurgia, mesmo emergencial. Precisamos avançar também no acesso aos laboratórios. No primeiro mandato, Dilma levou médicos para o interior do país. Isso não foi suficiente. São áreas onde não existem laboratórios suficientes para exames e são poucas as possibilidades de cirurgia.

Unificação de um país dividido

Esta disputa eleitoral – a mais acirrada da história do país, suplantando o histórico segundo turno entre Collor (53,03%) e Lula (46,97%) em 1989, diferença de 6 pontos percentuais – deixou transparente uma divisão das regiões brasileiras, sobretudo Nordeste e Sul, que beira uma divisão partidária. Se a petista Dilma obteve vitória expressiva em todos os estados nordestinos, o tucano Aécio ganhou em todos os estados do Sul. De acordo com os especialistas, a oposição, apesar de ter perdido as eleições, não foi derrotada. Para Kocher, se a presidente não fizer investimentos nos serviços públicos e não controlar a inflação, a tendência é a oposição tirar partido disso:

– A oposição não saiu totalmente derrotada, mesmo perdendo as eleições presidenciais. Com 48,36% dos votos para o PSDB, as relações agora vão depender da situação econômica. Caso a inflação seja controlada fique nos 4% e a presidente consiga investir em serviços públicos, a tendência é que o governo consiga ficar estável. Por outro lado, se a economia cair e entrar em um processo de desaceleração, a presidente enfrentará uma oposição fortalecida.

Reforma política

Dilma, que falou em mudanças durante toda a campanha, em seu discurso de vitória anunciou que dará prioridade à reforma política, defendendo a realização de um plebiscito. Bernardo Kocher pondera que, apesar de a proposta ser ideal, não é exequível, por depender do crivo da oposição. Caso a reforma seja votada, terá um âmbito inicial no Congresso e só então se desdobrará em um plesbicito. “Ainda que a intenção da presidente seja articular, paralelamente ao Congresso, um texto a ser levado para a população, isso não será possível”, avalia.

Para Ismael, o problema da reforma política é que cada partido tem uma proposta diferente: “Vamos observar como a presidente conduzirá a reforma política e ver como lidará com essa agenda, pois a questão ainda é vaga”.