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Rio de Janeiro, 20 de abril de 2024


Opinião do Professor

Traços como campanha negativa americanizaram nossas eleições?

Arthur Ituassu* - aplicativo

27/10/2014

Uma discussão interessante que paira sobre o campo da mídia e política diz respeito ao grau de americanização das dinâmicas políticas nos regimes democráticos modernos, dado que os efeitos da tecnologização forçariam os ambientes a uma certa padronização. Um estudo recente, por exemplo, com relação ao uso da internet em campanhas políticas em 19 países, sugere que a difusão transnacional das tecnologias da Web tem trazido um certo isomorfismo nas práticas desenvolvidas por atores políticos no ambiente digital, cujo centro emissor de origem se encontra nas campanhas americanas (Foot et al in Chadwick; Howard 2009). Como argumentaram Blumler e Gurevitch, em um texto de 2001, as noções de globalização e de americanização se tornaram um mantra desde os anos 1990 e envolvem discussões sobre economia, cultura, a "globalização de tudo". Mesmo que tais noções tenham passsado pelo escrutínio e a crítica de muitos de lá para cá, dizem os autores, seus poderes persuasivos não parecem ter diminuído.

Nesse contexto, pergunta-se, estariam as práticas políticas no Brasil em contexto eleitoral se aproximando daquelas desenvolvidas nos Estados Unidos? Talvez seja possível pensar nisso a partir de pelo menos três parâmetros: 1) polarização; 2) mediatização e profissionalização e 3) campanha negativa.

Polarização

A polarização PT x PSDB parece clara em termos de disputa eleitoral, ainda que aqui, talvez, não seja possível identificar diferenças tão expressivas entre os dois partidos como no caso de republicanos e democratas. PT e PSDB polarizaram praticamente todas as eleições desde a democratização, com a exceção de 1989 (Collor X Lula). A polarização bipartidária em 2014 mostrou inclusive sua força ao esmagar por completo a candidatura de Marina Silva em pouco mais de quatro semanas, quando a candidata assumiu o lugar de Eduardo Campos após o trágico acidente que matou o político pernambucano e chegou à liderança nas pesquisas.

 Mediatização

Não há dúvidas de que as eleições brasileiras já há algum tempo são extremamente midiatizadas. Tudo passa pela mídia e a presença da internet pode ter intensificado esse efeito, já que agora também boa parte dos desenvolvimentos do pleito se dão no ambiente digital. Alguns efeitos disso são claros, como por exemplo o fato de que não temos mais grandes oradores (algo que ainda permanece na política americana, haja vista o atual presidente). Como não há espaço na mídia ou paciência na internet para grandes discursos, o melhor mesmo é investir no media tranning, que muitas vezes segue no caminho contrário, isto é, ser conciso e objetivo nas falas diminui o poder de edição sobre o que foi dito, proporcionando um maior controle do político sobre sua comunicação política. Nesse contexto, outro efeito bastante notório é o da profissionalização das campanhas, com o empoderamento dos chamados "marqueteiros".

 Campanha negativa

Em um ambiente de extrema liberadade, as campanhas americanas sempre foram marcadas por uma agressividade no que diz respeito a questões pessoais e valores morais que não tinha parâmetros de comparação com o que acontecia aqui nos trópicos. Vale lembrar do boato espalhado pelos republicanos em 2008 de que Barack Obama não havia nascido nos Estados Unidos. No Brasil, estas eleições de 2014, no entanto, parecem ter mostrado que o relativo pudor ficou para trás e a disseminação de boatos, imagem negativa e de certa forma difamação de candidatos se tornou recorrente, inclusive com o uso intensivo da internet.

 Relativizando...

É claro, no entanto, que permanecem várias diferenças, como no caso dos financiamentos de campanha, a posição dos partidos frente à sociedade e o próprio sistema eleitoral, mais federalista no caso americano. Uma divergência, no entanto, que talvez valha a pena observar diz respeito à diferenciação de posicionamentos no que diz respeito à polarização entre PT e PSDB. Os dois partidos têm, ao menos em termos de programa, perfis muito semelhantes, o que pode nos diferenciar um pouco do contexto americano. O PT parece hoje um partido social-democrata de perfil trabalhista, ligado ao capital, trabalho e produção, haja vista a ênfase no consumo, no emprego e no desenvolvimento de escolas técnicas. O PSDB, por outro lado, pode ser identificado como um partido social-democrata com um perfil um pouco mais liberal, que, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, preocupou-se com a estabilização, a educação básica e fundamental e a saúde pública. Até pelo fato de não serem tão diferentes, não se deve esperar grandes mudanças de rumo, ganhe um ou ganhe outro agora em 2014. Entretanto, discursos e posições bastantes conservadoras se aproximaram do PSDB neste pleito. Se a tendência se mostrar consistente nas próximas eleições pode levar o partido mais para direita em um futuro não tão distante, o que seria uma traição às suas origens e uma grande perda para a estabilidade e o ambiente político brasileiro.

* Professor do Departamento de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e pesquisador no Centro de Estudos Avançados em Democracia Digital (CEADD), em Salvador.