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Rio de Janeiro, 26 de abril de 2024


País

No Rio, pesam rejeição à herança política ou à herança religiosa

Gabriel Camargo - aplicativo - Do Portal

20/10/2014

 Agência Brasil/Fernando Frazão

Política e religião sempre estiveram muito próximos, especialmente em anos de eleição. No Rio de Janeiro, este tema ganhou ainda mais espaço com a virada do senador Marcelo Crivella (PRB), bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), que o levou a disputar o governo do Estado em segundo turno com o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB). Nas propagandas eleitorais e debates visando o segundo turno, o tema foi abordado frequentemente pelos dois candidatos. Enquanto Pezão fez questão de ressaltar a ligação de Crivella com o bispo Edir Macêdo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus, o candidato do Partido Republicano Brasileiro usou boa parte do seu tempo de televisão para refutar a ideia da mistura de política e religião.

A última pesquisa realizada pelo Datafolha antes do primeiro turno (número RJ-00059/2014) apontava Anthony Garotinho (PR) como líder no índice de rejeição com 48%, enquanto os dois candidatos que disputam o segundo turno, Pezão e Crivella apareciam em terceiro e quarto lugar, respectivamente com 20% e 15%. O instituto divulgou nesta quinta-feira, 23, que Pezão tem 46% das intenções de voto, e Crivella tem 38%. Já o índice de rejeição de Crivella é de 42%, enquanto Pezão está com 36%.

Autor de Religião e Território no Brasil: 1991/2010 e Religião e Sociedade em Capitais Brasileiras, o cientista político Cesar Romero Jacob não acredita que o fato de Crivella ser evangélico seja motivo de rejeição, mas sim a “mistura do púlpito com o palanque” que a igreja da qual ele faz parte realiza:

– Na tradição brasileira, não há problema em o candidato ser evangélico, católico ou ateu; a questão não é essa. O problema é quando se mistura religião com política. Nas eleições de 2004, para a prefeitura do Rio, o que eu constatei nos meus estudos foi que onde havia mais evangélicos Marcelo Crivella recebeu mais votos, e onde havia menos evangélicos, menos votos. Portanto, sua rejeição não é pelo fato de ser evangélico, mas sim pelas igrejas pentecostais misturarem religião com política. Quando há essa mistura, todos os outros grupos, não apenas católicos, tendem a rejeitar.

Para a professora Alessandra Terra, doutora em Ciências Sociais e professora da PUC-Rio, o crescimento das igrejas pentecostais ainda é um dado novo, e não suficientemente entendido pela sociedade. E refuta a ideia de que exista o “voto evangélico”.

Divulgação  – Os evangélicos não votam todos da mesma forma, eles votam em pessoas diferentes. O país se modificou, hoje não há apenas a Igreja Católica, temos um crescimento muito grande das igrejas pentecostais, e isso é algo com que teremos que lidar politicamente. E completa: – Eu vejo Crivella tentando um discurso mais amplo. Ele tenta fugir do discurso centrado apenas para o público evangélico. Como foi no caso de Marina Silva (PSB): ela não negava a religião, mas tentava mudar o foco para “votem em mim por causa do meu plano de governo”, e não por ser evangélica.

Romero Jacob pondera que Marina Silva sempre buscou evitar a mistura de política e religião, e por isso sofreria tanta rejeição:

– Isso tem sido uma constante. Não é pelo fato de ser evangélico, mas por pertencer a uma igreja que mistura política e religião. Garotinho e Crivella possuem essa rejeição por misturarem os dois temas. Situação diferente de Marina Silva e Benedita da Silva, por exemplo, que também são evangélicas, mas sempre fizeram política pela política, fugindo da religião. Nunca vi nenhum católico, por exemplo, não votar na Marina ou a Benedita por serem evangélicas.

A Comissão de Combate à Intolerância Religiosa divulgou ao Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas um relatório que aponta a Igreja Universal do Reino de Deus como propagadora da intolerância religiosa no Brasil. Para Romero Jacob, este é mais um motivo que acaba criando uma rejeição “natural” ao candidato:

– Existe no Rio um movimento forte contra a intolerância religiosa, que reúne padres, pastores das igrejas evangélicas históricas, rabinos, pais de santo, monges budistas e outros líderes. Eles se movimentam contra a intolerância. Quem frequentemente encarna a intolerância? Os grupos evangélicos pentecostais, que, principalmente, atacam a umbanda e o candomblé. Portanto, há uma tendência natural em rejeitar o candidato ligado a esta religião. Esse candidato tem piso alto e teto baixo: ele parte de uma base grande que são os “irmãos”, mas quem não é “irmão” rejeita.

Já para Alessandra, o fato de Pezão ser sucessor de Sérgio Cabral no governo do Estado aumenta seu índice de rejeição e pode contar a favor de Crivella:

– Há candidatos que não fazem da religião uma bandeira. Caso Crivella vá por esse caminho, talvez possa conquistar o voto de pessoas insatisfeitas com o governo Pezão, que seria a continuação do governo de Sérgio Cabral. Nesse sentido, Garotinho tinha uma rejeição muito maior. Claro, há sim partes da comunidade evangélica que às vezes estão mais alinhadas com perspectivas conservadoras. Como vai ser o governo dele? A questão da religião nas escolas, por exemplo, como ele se posiciona em relação a isso? É algo a que Crivella deve responder.

De acordo com o Censo Demográfico de 2010, o número de evangélicos no Brasil é de cerca de 7,8 milhões. Com um crescimento mais forte entre 1980 e 2000. Na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, ainda de acordo com o Censo do IBGE, são 1.853.887 fiéis, sendo 11,5% filiados à Igreja Universal do Reino de Deus.