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Rio de Janeiro, 8 de maio de 2024


País

Difamação na rede dispara com acirramento da disputa eleitoral

Claudiane Costa - aplicativo - Do Portal

20/10/2014

 Arte: Viviane Vieira

Nestas eleições, a internet tornou-se palco de debates, manifestações e mobilizações como nunca antes na história política do país. Depois de um primeiro turno já acirrado, a disputa se tornou ainda mais renhida neste segundo turno entre a presidente Dilma Rousseff (PT), candidata à reeleição, e o senador Aécio Neves, candidato do PSDB. Diante deste contexto, postagens, perfis falsos, montagens e outros apelos – de brincadeira, bem ou mal-intencionados – são usados por militantes, candidatos e partidos no vale-tudo pelo voto. Autor do livro Guerra eleitoral na internet, o advogado e perito em tecnologia da informação e privacidade José Antônio Milagre adverte sobre os limites da liberdade de expressão e lembra que ofensas à honra ou à imagem são crime de difamação ­– o crime digital cometido com mais frequência atualmente.

Em entrevista exclusiva ao Portal, Milagre lembra que a sensação ilusória de anonimato leva as pessoas a acreditar que a “internet não é real, e o que é feito na internet não gera implicações reais”, quando na verdade há sim monitoramento, e medidas podem ser tomadas contra o difamador. O compartilhamento funciona como um raio, que potencializa a ofensa por pessoas que não checam a veracidade das informações e contribuem, conscientes ou não, para a viralização: “A inclusão digital é gradativa, nem todo usuário tem discernimento para desconsiderar a propaganda negativa a que é submetido”.

Portal PUC-Rio Digital: O senhor lançou em 2012 o livro Guerra eleitoral na internet, sobre o uso das redes nas eleições. A partir deste estudo, o que o senhor acredita que a democracia ganha e perde com o uso das redes sociais nas eleições?

José Antônio Milagre: Não resta dúvida de que as redes sociais proporcionaram voz ao eleitor, que pode criticar, reclamar e cada vez mais é ouvido por empresas que monitoram suas opiniões. Além disso, mais informações sobre os candidatos podem ser levantadas e debatidas na rede. Por outro lado, estamos vivenciando um triste cenário envolvendo militantes e guerrilheiros cibernéticos que, normalmente amparados por perfis falsos, plantam mentiras e desinformações na rede. Tamanhas são as invenções criadas, tantos são os boatos, que o eleitor começa a questionar a integridade da rede para se informar.

A difamação é apontada como um dos mais crimes digitais mais cometidos. Por quais motivos o senhor acredita ser um crime tão comum?
 M
ilagre: No caso da difamação, estamos diante de um crime contra a honra. Recebemos diversas demandas jurídicas por semana envolvendo difamação. O crime é comum porque as pessoas ainda têm a falsa sensação de que a internet não é real, e de o que é feito na rede não gera implicações reais. O crime também é um dos mais cometidos considerando o poder da internet em espalhar uma ofensa e a persistência das ofensas, cujo trabalho de remoção é especializado, demorado e não garante que o conteúdo ofensivo não possa voltar no dia seguinte.

Portal: Há de tudo nas redes sociais, e poucos checam a veracidade das informações antes de compartilhar. Quais os cuidados que devem ser tomados ao compartilhar uma informação sem analisar sua veracidade?
Milagre:
Compartilhar é potencializar a ofensa. Engana-se aquele que pensa que jamais, em nenhuma hipótese, poderá ser responsabilizado. No Brasil já temos julgados que condenaram usuários por curtirem e/ou compartilharem postagens ofensivas. Portanto, a checagem da veracidade do que se passa adiante é boa prática e não faz mal a ninguém.

Portal: A internet é hoje uma das principais fontes de pesquisa, e, portanto, em período de eleição, os perfis fakes são usados com o propósito de difamar e pôr dúvida na cabeça dos eleitores. Como monitorar?
Milagre:
Hoje temos ferramentas de inteligência que coletam todas as postagens sobre determinadas pessoas e serviços e ordenam os principais defensores e ofensores, classificando se a postagem é positiva, neutra ou ofensiva. Em nosso código, também identificamos rapidamente um perfil fake – é possível ingressar rapidamente com uma medida para descobrir quem é. No caso de ser um servidor público, o candidato beneficiário ou mandante pode ser multado e em alguns casos pode até perder o registro o ter o diploma cassado, após amplo processo de investigação judicial.  

Portal: Nestas eleições, candidatos lançaram mão não só da TV como da internet para promover acusações contra os adversários. Analistas divergem sobre esse tipo de propaganda: alguns acreditam que causa efeito contrário, enquanto outros avaliam que dá certo. Como o senhor vê estes ataques?
Milagre:
Em um país de inclusão digital gradativa, é ilusório afirmar que todo usuário tem discernimento para desconsiderar este tipo de propaganda a que é submetido. Propaganda negativa deve ser tratada antes da “mentira compartilhada mil vezes se tornar uma verdade”. Para isso existem medidas cabíveis para a remoção de informação sabidamente inverídica e identificação das pessoas responsáveis, mandantes e beneficiários. Lembrando que, nos termos do artigo 58 da Lei Eleitoral, cabe direito de resposta diante de afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por qualquer veículo de comunicação social.

Portal: Algumas campanhas têm muitos recursos e equipes de mídias sociais e de advogados, enquanto outras contam mais com a paixão da militância, que também pode cometer excessos em nome de um candidato. Os casos de difamação envolvendo “pessoas comuns” têm características distintas das de instituições e partidos?
Divulgação Milagre:
A propaganda eleitoral pode ser feita pelo político ou por qualquer militante e, se ofensiva ou irregular, sujeita o autor às penas da Lei Eleitoral, e se comprovado o prévio conhecimento, o beneficiário. No período eleitoral não é tolerada propaganda que calunie, difame ou injurie quaisquer pessoas, bem como órgãos ou entidades que exerçam autoridade pública. Um candidato nunca agradará a todos, e é necessário respeito à liberdade de expressão. Porém, antes de ser candidato é um cidadão e ser humano dotado de direitos e garantias fundamentais, e não é obrigado a conviver com ofensas, xingamentos, violação de privacidade, montagens maliciosas e informações inverídicas. Para estes casos, pode buscar o amparo judicial que analisará o conteúdo, e considerando ofensivo, determinará ao provedor a exclusão, sob pena de este responder subsidiariamente como autor da ofensa. O ofendido por calúnia, difamação ou injúria pode demandar, no Juízo Civil, a reparação do dano moral, respondendo por este o ofensor e, solidariamente, o partido político deste, quando responsável por ação ou omissão. Além disso, em época eleitoral, a difamação a candidatos está sujeita ao artigo 325 do Código Eleitoral, que prevê uma pena de detenção de três meses a um ano.

Portal: Nossa legislação é adequada, ou a impunidade protege o difamador, favorecendo quem tem mais recursos e acesso a defesa?
Milagre:
A punição existe e está prevista nos artigos 138 a 140 do Código Penal. O desafio é identificar o ofensor, que normalmente utiliza um fake. Agora com a Lei 12.965/2014, o Marco Civil da Internet, os provedores de aplicações devem guardar os registros de acesso por seis meses e os provedores de acesso por um ano. Assim, a vítima deve buscar ajuda especializada para os procedimentos legais de fornecimento dos dados que possam identificar o autor do crime. Lembrando que, nos termos da Lei 12.891/2013, constitui crime a contratação direta ou indireta de grupo de pessoas com a finalidade específica de emitir mensagens ou comentários na internet para ofender a honra ou denegrir a imagem de candidato, partido ou coligação, punível com detenção de dois a quatro anos e multa de R$ 15 mil a R$ 50 mil. Esta lei se aplicará ao pleito de 2016.

Portal: É a falta sensação de anonimato que leva alguém a cometer crimes por meios eletrônicos, como no caso dos servidores que manipularam informações dos jornalistas Carlos Alberto Sardenberg e Míriam Leitão na Wikipédia?
Milagre:
Todo o ir e vir de um usuário da internet deixa rastros. O crime virtual deixa até mais rastros do que o crime real. Diante de um crime, as grandes testemunhas são os computadores. Assim, por mais que a pessoa forneça dados cadastrais falsos, a aplicação ou o serviço utilizado para a prática do delito registra automaticamente informações sobre o provedor de acesso e terminal utilizado, além do número IP. Essas informações são protegidas por lei, mas podem ser fornecidas por ordem judicial. Assim, o anonimato na rede é utópico, é uma falsa sensação. Muitas vezes as pessoas utilizam proxies e programas para mascarar a conexão, porém, na maioria das vezes mal configuradas. Ficar anônimo para usar todos os serviços disponíveis na internet é mais difícil do que se pensa.

Portal: Quais as consequências para o difamador? E quando envolve pessoa pública, como os candidatos?
Milagre:
A pena vem prevista no art. 139 do Código Penal e pode chegar a um ano de reclusão. Porém pode ocorrer a incidência do aumento de um terço, considerando que a internet é meio que potencializa a divulgação da ofensa. No âmbito eleitoral, pode ocorrer ainda a condenação por propaganda irregular e multa de até R$ 30 mil.

Portal: O print screen serve como prova, mesmo se o comentário/publicação for apagado?
Milagre:
Todos os meios moralmente legítimos são aptos a provar a veracidade dos fatos. Se a parte contrária se manifestar contra a autenticidade, normalmente o juiz nomeia um perito digital. Por isso, embora válido, o print screen é frágil porque, diante da instantaneidade da internet, qualquer conteúdo pode ser removido rapidamente.

Portal: Pensando que a Justiça brasileira é extremamente lenta e sobrecarregada, quais medidas as vítimas podem tomar antes de abrir um processo, como juizados de pequenas causas?
Milagre:
Preservar o conteúdo, registrar um Boletim de Ocorrência e buscar apoio de um especialista para notificações prévias aos provedores responsáveis e medidas criminais cabíveis. O Marco Civil assegura que as causas que versem sobre ressarcimento por danos decorrentes de conteúdos disponibilizados na internet relacionados à honra, à reputação ou a direitos de personalidade, bem como sobre a indisponibilidade desses conteúdos por provedores de aplicações de internet, poderão ser apresentadas perante os juizados especiais.

Portal: As punições previstas realmente garantem reparação aos difamados?
Milagre:
Reparação eu não digo, porque a informática tem o poder do não esquecimento e o risco do conteúdo voltar à tona é contínuo, o que demandará um monitoramento duradouro das principais redes. Mas sem dúvida as reparações por danos morais e materiais amenizam a dor experimentada pela vítima.

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