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25/08/2014A cidade do Rio de Janeiro é maravilhosa, mas não para todos. Assim o cientista político e diretor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio Cesar Romero Jacob iniciou a palestra de lançamento de seu sétimo livro, o Atlas das condições de vida na Região Metropolitana do Rio de Janeiro – disponível gratuitamente pelo site da Editora PUC. O trabalho, realizado em parceria com Dora Rodrigues Hees, também da PUC, e Philippe Waniez, da Universidade de Bordeaux, tem como objetivo possibilitar uma reflexão a partir da análise da cidade. Lançado seis meses antes da comemoração dos 450 anos do Rio, o estudo faz um cruzamento de dados do Censo Demográfico de 2010, do Instituto de Segurança Pública (ISP), do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que resulta em informações que vão desde escolaridade, renda, religião, geografia da criminalidade ao mapa dos candidatos mais votados nas eleições de 2002, 2006 e 2010 para presidente e governador. As complexidades do Rio por trás do estigma de Cidade Maravilhosa apontam para a percepção de uma região dividida em muros invisíveis, atenuados por espaços de convivência, como as praias e o Maracanã.
Também autor de A geografia do voto nas eleições presidenciais do Brasil: 1989-2006, Romero Jacob afirma que o estudo colabora para a conscientização de eleitores e de candidatos. “A intenção é que o trabalho ajude a conceber uma cidade mais humana e justa para os moradores e acolhedora para os visitantes. É um convite à reflexão.” O lançamento do conjunto de indicadores em pleno processo eleitoral permite aos eleitores que, tomando consciência da cidade, possam eleger políticos comprometidos com uma cidade mais generosa e menos desigual. De acordo com o atlas a partir do retrato socioeconômico do Rio, a cidade não pode mais ser dividida em morro versus asfalto; apesar do grau de complexidade, a região metropolitana forma três grandes áreas que se dividem a partir dos indicadores sociais com diferentes níveis educacionais e econômicos. Transporte público eficiente e educação pública de qualidade são apontados pelo pesquisador como algumas soluções para uma cidade menos desigual.
“Atlas: conscientização dos problemas da cidade permite melhoria de vida”
O propósito do livro é de fazer uma análise da cidade que permita uma reflexão, uma investigação da cidade possa ser feita. A população pobre que trabalha na casa dos ricos sabe como eles vivem, mas o contrário não acontece. Nós não temos ideia de como é a casa deles, mas eles sabem como quem é de classe média vive. Uma pessoa que mora na Baixada Fluminense e trabalha como auxiliar de serviços gerais do Shopping Leblon, por exemplo, convive num descompasso de consumo entre o local de trabalho e de moradia. O livro não tem propósito de denunciar nada, é apenas uma forma de olhar e ver como se pode melhorar a vida de todo mundo. É melhor para todos que todo mundo viva melhor. Melhor para os miseráveis e para os ricos: menos tensão, menos violência. “Seria ideal que fosse realizado um novo estudo em 2065, quando o Rio comemora 500 anos, para que seja possível comparar os avanços da cidade”, propõe. A seguir, alguns dos principais eixos do trabalho, comentados pelo autor.
“Relação entre escolaridade e renda resulta em geografia das etnias”
Queremos mostrar que existe relação entre escolaridade e renda, e uma geografia das etnias: há uma cidade branca, na Zona Sul; uma mista, na Zona Norte; e outra predominantemente negra/parda, na periferia. Dentro disso analisamos escolaridade, renda, religião, geografia da criminalidade. Estelionato não existe em área pobre, mas sim violência contra a mulher. Não é um trabalho de denúncia; o que vemos é que existem muros invisíveis na cidade, barreiras invisíveis porque existem vários espaços onde pessoas de classe diferente interagem: praia, Quinta da Boa Vista, Maracanã, Centro... Isso tudo dá um clima de uma cidade integrada, e é bom que assim seja. Mas as condições de vida de quem mora na Baixada são diferentes das de quem mora na Zona Sul carioca. É como se a Região Metropolitana formasse uma meia-lua em volta da orla, em que tudo que é mais próximo da orla tem melhores indicadores, até chegar à zona rural de Duque de Caxias e de Niterói, na raiz da Serra do Mar. A cidade é maravilhosa sobretudo para quem mora perto da orla, mas não é para todos. Não tem cartão-postal na Zona Norte nem na periferia. A Igreja da Penha e o teleférico do Alemão não são cartões-postais, no máximo referências geográficas. As paisagens da Zona Sul são de tirar o fôlego, são cartões-postais. Mas isso não é a cidade toda. Estão, sobretudo, nesta área mais rica e de melhores condições. Quando o turista vem, fica na parte turística da cidade, assim como nas outras grandes cidades do mundo. Só que nelas talvez a disparidade não seja tão grande.
Geografia da renda na cidade: Zona Norte é uma favela cercada de bairros
Há um desequilíbrio muito grande entre a aspiração ao consumo e a possibilidade de consumo. A ideia é mostrar como a cidade é complexa e desigual. A renda e a escolaridade de Ipanema e Leblon na praia são muito maiores do que as de Copacabana. E o Rio tem um mapa de favelas assustador. É impressionante como a Zona Norte da cidade está tomada de favelas. Se a Zona Sul é um bairro cercado de favelas, a Zona Norte é uma favela cercada de bairros.
A ideia de lançar agora, junto à campanha eleitoral, é sobretudo para acender um debate. Pela recorrência de indicadores, vemos onde está a parte rica, média e pobre da cidade. Os candidatos preferidos a governador da parte rica perdem e os da parte pobre ganham. Eles ganham com o voto da periferia pobre. Isso é também um bom exercício, deixar de achar que o que pensamos é o mesmo que pensam a Zona Norte e a Baixada. Há muitas cidades e culturas dentro da cidade. Não é a ideia de cidade partida do Zuenir Ventura, pois esta está dividida entre morro e asfalto. É olhar com mais amplitude.
450 anos do Rio
Estamos lançando o e-book seis meses antes das comemorações dos 450 anos do Rio para que haja tempo de uma reflexão. Agora ainda será possível para refletir; em março, será só festa. De certo modo, tenho o sonho de uma cidade menos desigual, mais humana no quinto centenário – não estarei aqui, mas vocês estarão. Quanto menos desigual, melhor tanto para o rico como para o pobre. Quando é mais desigual, a possibilidade de violência é maior. A publicidade chega às favelas, como é noticiado no filme Notícias de uma guerra particular, de João Moreira Salles, e mostra o desejo dos meninos de lá. A questão do consumo chega, mas eles não teriam condição de consumir.
Explosão demográfica: Em 40 anos população dobrou
Em 40 anos, a Região Metropolitana teve uma explosão demográfica de quase cinco milhões de habitantes, 500 mil por ano, chegando a 11,8 milhões em 2010, ano do Censo. Não tem gestor público que dê jeito. Isso tem impacto em termos de saúde, saneamento, educação, segurança pública, moradia, é um caos. Não tem planejamento urbano que dê conta disso; não é somente má gestão dos governantes. E entra outro elemento, que é o processo de modernização da agricultura brasileira. A partir de então não precisa mais de trabalhador rural, eles afluem para as cidades e aí não tem como absorvê-los. Por isso São Paulo tem um movimento tão grande de trabalhadores sem-terra.
Desafios de planejar uma cidade em contínuo crescimento
Os desafios são imensos, sobretudo, se o Governo do Estado não trabalhar em parceria com o Governo Federal que tem a chave do cofre. Esse olhar é fundamental para atenuar a dificuldade de planejamento que, apesar de difícil, é necessário. Pelo menos buscar resolver os problemas que temos na educação, saúde e transporte. É ir atrás do prejuízo. Nenhuma outra cidade brasileira, depois de Rio de Janeiro e São Paulo, tem uma população tão grande. É como se nós tivéssemos recebido uma Belo Horizonte nos últimos quarenta anos. Sob esse ponto de vista, são cidades ilógicas, sobretudo se vive nas áreas piores de condições de vida. O trabalho visa os 450 anos, seria bom que as pessoas se debruçassem sobre esses números e pensassem em quem vão eleger.
Retorno do alinhamento político e dos investimentos federais
As escolhas políticas do Rio, desde 1988, não tinha alinhamento nos três níveis de governo (municipal, estadual e federal), e aí não tinha sinergia. Esse cenário muda com a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, porque para ter sucesso é necessário esse alinhamento. Há muito tempo o Rio não recebia tanto investimento do governo federal. Hoje, o Rio virou um canteiro de obras como não se via desde a ditadura militar, na década de 1970, especialmente nos governos de Médici e Geisel. Dessa época temos os conjuntos habitacionais ao longo da Avenida Brasil, construção de viadutos, do metrô e da Ponte Rio-Niterói. Isso tudo tinha acabado, devido às brigas.
“Educação pública de qualidade como forma de reduzir desigualdade social”
Uma das saídas para reduzir a desigualdade social é a educação pública de qualidade. A população pobre utiliza, sobretudo, o ensino público, que hoje é ruim por várias razões. Falta dinheiro para educação, mas há desperdício de recursos, má gestão. O dinheiro existente para essas áreas fundamentais não é bem empregado na educação, na saúde ou segurança pública. A educação é elemento fundamental para permitir que a população pobre possa aspirar a empregos melhores.
“Sistema de transporte precário promove desigualdade”
A outra melhoria é o sistema de transporte. Não é razoável que as empregadas domésticas, por exemplo, que trabalham na Zona Sul saiam de casa às 4h para chegar às 7h no trabalho. Isso é uma coisa absurda, desumana. A cidade é muito injusta e o sistema de transporte promove essa desigualdade. Hoje, o transporte poderia ser muito melhor caso o lobby dos ônibus não fosse tão grande. Uma solução seria transformar a linha da supervia em metrô de superfície, é muito mais barato. Mas o lobby das empresas de ônibus é muito grande. É irracional e desumano que alguém gaste seis horas para ir e voltar do trabalho. A ausência de um sistema de educação e transporte eficaz gera um sentimento de injustiça. Essas coisas todas que infernizam a vida do cidadão. Então não é só salário, mas as condições de vida do cidadão.
Plano Real e Bolsa Família reduzem influência do pentecostalismo
O crescimento do pentecostalismo teve como combustível uma crise profunda que se abateu no Brasil pelos dois choques do petróleo. Isso fez com que a balança comercial brasileira ficasse alta, aumentassem os juros e a inflação. Nesse período há uma migração e crise da economia brasileira ao mesmo tempo em que o agronegócio se moderniza. A agricultura libera uma mão de obra que vai para a cidade. Nesse contexto cria-se o caos da periferia carioca com um estado, que só volta com o plano real. Ou seja, a ausência do estado e a inflação foram os combustíveis para o crescimento do pentecostalismo nas regiões mais pobres. Na medida da reduz caos, reduz o trânsito religioso (a mudança de religião declarada). A necessidade de trânsito religioso diminuiu. A religião continua crescendo, mas num ritmo menor que nas décadas anteriores. (Religião e território: 1999-2010, também disponível em e-book, é um trabalho dos autores que aprofunda o tema).
Leia ainda: A cartografia da criminalidade na Região Metropolitana.
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