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Rio de Janeiro, 26 de abril de 2024


País

Getúlio Vargas: imagem política forte 60 anos após sua morte

Marina Burdman* - aplicativo - Da sala de aula

12/08/2014

 Arquivo Museu da República

A figura de Getúlio Vargas é conhecida pelas diferentes facetas que apresenta e pela ambiguidade com que foi vista ao longo da história. Durante o primeiro momento em que governou o país, de 1930 a 1945, Vargas construiu a imagem de “pai dos trabalhadores”, mas também ganhou fama de ditador. Já em 1951, assumiu como presidente eleito democraticamente, tentando se descolar da marca autoritária atribuída a ele no Estado Novo, quando determinou o fechamento do Congresso, em 1937, e outorgou uma nova constituição, que garantia ao presidente todos os poderes do Executivo.

Durante os diferentes períodos que compõem a história da política brasileira, da ditadura militar até a volta da democracia, a figura de Vargas foi lembrada com diferentes finalidades, tanto pela critica como pela exaltação. Hoje, o desafio de definir a imagem de um mito político ainda é grande, e levanta discussões relacionadas à trajetória do ex-presidente. Sessenta anos depois do suicídio de Vargas, em 24 de agosto de 1954, a ambiguidade e a diversidade de opiniões sobre ele continuam fortes.

O historiador Felipe Demier defende que a contradição da figura do ex-presidente se dá como resultado do momento histórico que o país vivia no início da década de 1930, no qual a industrialização e a ascensão das massas urbanas contribuíram para o surgimento de um novo tipo de governo.

– A figura de Vargas é considerada contraditória, mas não creio que essa contradição seja resultante da personalidade dele, com alguns atribuem, e, sim das contradições do processo histórico de modernização brasileira desde os anos 1930. O varguismo é a forma política assumida pela modernização retardatária capitalista do país e que tem o Estado como sujeito político desse processo.

Arquivo Museu da República  Ao longo dos anos em que governou, para atender a esse novo modelo de governo que tinha como um dos objetivos ganhar o apoio das massas populares, Vargas teve uma preocupação excessiva com a construção da imagem. Durante o período em que esteve no poder, investiu em propagandas e em discursos no rádio, veículo de comunicação de massa que atingia grande parte da população da época. Criou, em 1939, o Departamento de Imprensa e Propaganda, o DIP, que concentrava esforços na exaltação da figura do então presidente, apresentado como o governante ideal.

Vargas afirmava ser o primeiro líder do país que pensava em trazer benefícios para o povo, com a criação das leis trabalhistas urbanas, que incluíam a instituição do salário mínimo, da carteira de trabalho e da jornada de oito horas de serviço. Não tolerava, no entanto, a existência do Partido Comunista, de sindicatos que não fossem controlados pelo governo, ou de elementos da cultura popular que considerasse contrários ao ideal de moralidade proposto pelo regime, como os chamados sambas de malandro. O aposentado Hostílio Jund, de 86 anos, que viveu o governo de Vargas, acredita que, apesar da repressão, foi um líder querido dos brasileiros.

– Ele era simpático com quem não era político, com quem não se metia em confusão, em indisciplina contra o regime. E elevava a um plano superior todas as datas cívicas. No dia do Descobrimento do Brasil, ou em Sete de Setembro, sempre tinha desfile. O Estado também colocava bondes à disposição dos colégios para levar os alunos a São Januário, e ele, quando entrava, era ovacionado pelo estádio totalmente lotado (foto de abertura). Era lotação total, o que é sinal de que ele era um homem bem-quisto.

A socióloga Celina Vargas, neta de Vargas, ressalta as mudanças feitas por ele na estrutura do país, destacando que, após 1930, o Brasil sofreu transformações, passou pelo processo de industrialização e deixou de ser um país agrário.

– Ele não tinha entrado na política para brincar. Entrou para fazer uma grande mudança no Brasil, mudança que fez em 19 anos, relativamente pouco tempo. Era um homem determinado a mudar um país onde a elite era muito reacionária e conservadora, onde a estrutura social e política era ainda colonial. O que ele fez em tão pouco tempo na economia, na sociedade, realmente provocou uma grande modificação da estrutura brasileira.

Demier também aponta as mudanças estruturais que ocorreram no governo Vargas, mas destaca que o ex-presidente já entrou no poder em um momento no qual a sociedade brasileira vivia transformações resultantes do declínio das elites então dominantes. Para ele, isso favoreceu que o Estado assumisse com força a primazia do processo político brasileiro.

– De alguma forma, a chegada de Vargas ao poder se dá num contexto em que se assiste a uma crise de hegemonia no fim da Primeira República, quando a burguesia cafeicultora paulista não é mais capaz de exercer o seu domínio sobre a nação de forma exclusiva e, ao mesmo tempo, nenhum setor da classe dominante e nem das classes médias emergentes podem assumir um protagonismo na cena política e dirigir o Estado.

O suicídio e o fortalecimento do mito

 Marcos Carvalho Em agosto de 1954, Vargas se encontrava em um momento político delicado, fato que teria influenciado na decisão do suicídio. Parte da oposição e da imprensa levantavam acusações de corrupção, corriam rumores de que um golpe militar estava em gestação. Mas o auge da crise foi a tentativa de assassinato contra o jornalista e político Carlos Lacerda, que resultou na morte do major Rubens Vaz, da qual Vargas foi acusado de ser o mandante. O episódio conhecido como o “atentado da rua Tonelero” (retratado no filme Getúlio, de João Jardim, e na minissérie Agosto, baseada no livro homônimo de Rubem Fonseca) foi determinante para a perda do apoio popular e para o aumento das críticas.

Para Demier, o suicídio acabou tendo consequências favoráveis aos ideais do governo Vargas e evitando que a oposição conseguisse uma vitória, nos dez anos seguintes, no campo da política.

– Este suicídio deve ser compreendido para além do âmbito pessoal, mas, sobretudo, como um gesto político, que fornece sobrevida àquele tipo de formatação política que o varguismo expressava. Com o suicídio, Vargas consegue um enorme apoio popular e modifica a correlação de forças favoravelmente ao chamado trabalhismo, dando dez anos de sobrevida ao populismo.Arquivo Museu da República

Na carta-testamento, ele diz que “o ódio, as infâmias e a calúnia” não o abateriam, e reforça a imagem de um líder que lutou pelo povo e pelo desenvolvimento do país: “Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História”.

Celina lembra a comoção popular que o suicídio provocou, e concorda com Demier que o ato teria adiado em dez anos o golpe militar, concretizado apenas em 1964.

– Havia uma comoção geral. Quando chegamos ao Palácio do Catete, as mulheres, principalmente de mais idade, gritavam, urravam, passavam mal e até desmaiavam. Ambulâncias atendiam as pessoas. Foi muito forte.

Vargas hoje

Mesmo 60 anos após a morte, a figura de Vargas ainda divide opiniões e oscila entre a imagem de um homem autoritário e de um líder que beneficiou os trabalhadores urbanos.

Entre os estudantes da PUC, as opiniões oscilam. Maria Alice Noujaim, do 2º períoodo de Ciências Sociais, e Maria Elisa Assy, do último ano de Publicidade, ambas de 23 anos, ressaltam que foi o primeiro ditador e populista brasileiro, e que o controle que exerceu sobre a população traz consequências até hoje, como o enfraquecimento dos sindicatos. Para a produtora editorial Beatriz D’Oliveira, de 22, Vargas foi “o político mais carismático que o Brasil já teve”. Segundo ela, “nem Lula nem qualquer outro líder atual pode ter tanta popularidade quanto ele”. Essa imagem simpática do ex-presidente é, para ela, a que mais chama atenção hoje em dia. O estudante de cinema Marcos Carvalho, de 20, destaca o papel do suicício na construção de uma imagem positiva do governo:

– Ele foi um divisor de paradigma na dinâmica política brasileira. Getúlio é fundamental para a compreensão do período que o país vivia. Mesmo sendo um ditador, o que fica na cabeça das pessoas é a imagem de um presidente que calou os opositores com a morte, e que será lembrado como um homem de honra.

Já o jornaleiro Tomás Andrade exalta os direitos que foram concedidos aos trabalhadores na época: “Vargas foi o presidente que revolucionou o Brasil, que criou as leis trabalhistas e ajudou muito o trabalhador”. Hostílio concorda com Andrade e diz sentir falta dos eventos em São Januário. Quanto à qualidade do governo de Vargas, não tem dúvidas:

– O trabalhador, se hoje tem garantias, deve a ele. Votei nele e votaria de novo, com satisfação.

* Reportagem produzida para o Laboratório de Jornalismo.