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Rio de Janeiro, 16 de abril de 2024


Saúde

O combate ao Ebola exige mais que medidas sanitárias

Juliana Reigosa - aplicativo - Do Portal

13/08/2014

 Arte: Viviane Vieira

O surto do vírus ebola na África Ocidental evolui de forma alarmante. Dos 1.848 casos registrados, segundo balanço da Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgado segunda-feira passada, 1.013 resultaram em morte. Números que constituem a maior epidemia de febre hemorrágica em termos de contaminados, de mortos e de extensão geográfica. Não à toa, os principais países castigados são os mais pobres, onde predominam condições sanitárias e serviços de saúde precários, observa o infectologista Rômulo Macambira, professor da Escola Médica de Pós-Graduação da PUC-Rio. Para conter o avanço da doença, o pesquisador alerta que, além de medidas sanitárias, são necessários procedimentos como o fechamento de fronteiras e a restrição de voos para os países afetados. O prognóstico vai ao encontro à recomendação da OMS em torno de uma "resposta internacional coordenada para frear e retroceder a propagação do ebola". Um cenário qualificado pela entidade como emergência pública sanitária global. “Nunca vi epidemia tão avassaladora como essa”, constata Macambira. Em entrevista, por telefone, ao Portal, o especialista, no entanto, praticamente descarta a possibilidade de a epidemia chegar ao Brasil, até pelo rigor adotado já na avaliação e eventual isolamento de passageiros e tripulantes provenientes daquelas regiões. "Mesmo que o ebola chegue aqui, nossos serviços de saúde estão preparados para lidar com a doença", confia o professor. 

Surgido em 1976, numa série de surtos simultâneos em Nzara (Sudão do Sul) e em Yambuku (República Democrática do Congo), o vírus foi detectado pela primeira vez numa região próxima ao rio Ebola, que dá nome à doença. O atual surto, o mais grave em quatro décadas, começou na Guiné, em fevereiro deste ano. O vírus é contraído pelo contato com animais contaminados, como chimpanzés, antílopes e morcegos (os da família Pteropodidae são hospedeiros naturais), e a doença se espalha por meio do sangue, de fluidos corporais e até de ambientes infectados. "Como não há tratamento específico, as providências atuais são de suporte: o doente fica em repouso, sob observação, tratando o que vai aparecendo", esclarece o infectologista.

Portal PUC-Rio Digital: Especula-se que o ebola nasceu por mutação genética, e ainda observa-se controvérsia em relação à origem. Como surgiu o vírus?

Macambira: Sabe-se, de certo, que o vírus surgiu na República Democrática do Congo, ex-Zaire, na África. Como foi identificado pela primeira vez numa área próxima ao rio Ebola, no norte do país, passou a levar esse nome. 

Portal: O atual surto, o mais grave em quatro décadas, com mais de mil mortes, iniciou-se na Guiné e disseminou-se por áreas urbanas. O senhor observa outras particularidades deste surto?

Macambira: Não. O vírus é agressivo, provoca hemorragia e os casos atuais estão concentrados em três países: Serra Leoa, Guiné e Libéria. Agora estão surgindo casos na Nigéria, que é país mais populoso da África.

Portal: Quais são os principais sintomas?

Macambira: Dor de cabeça, febre alta, dores musculares e articulares, além de manifestações hemorrágicas, como sangramento digestivo e por mucosas.

Portal: Como em qualquer doença, o diagnóstico rápido tende a facilitar o tratamento. Há esforços no sentido de agilizar o diagnóstico? Existe algum teste laboratorial capaz de confirmar a doença?

Macambira: Sim, já existe. Quando há suspeita, pedimos sorologia para o diagnóstico de infecção por ebola. Quando confirmada, encontramos no sangue anticorpos contra o vírus.

Portal: A incubação do vírus pode variar de dois dias a três semanas. Nesse tempo, já pode ser detectado?

Macambira: O tempo de incubação vai desde a entrada do vírus no corpo até o aparecimento das primeiras manifestações. No entanto, ele já está presente.

Portal: O que fazer ao contraí-lo? Qual o tratamento específico?

Macambira: Procurar assistência médica. Como não há tratamento específico, as providências atuais são de suporte: o doente fica em repouso, sob observação, tratando o que vai aparecendo.

Portal: Dois americanos infectados pelo ebola na África receberam a droga experimental ZMapp e apresentaram resultados animadores, segundo noticiou a imprensa. Isso abre caminho para tratamentos mais eficientes?

Macambira: Como a mortalidade é alta, pois, de cada dez doentes infectados, seis a nove morrem, tudo é permitido, inclusive o uso de drogas ainda não definidas clinicamente, em estado experimental.

Portal: Segundo alguns infectologistas, a doença pode ser combatida com cuidados de higiene, como lavar as mãos, pois o vírus não resiste ao sabão. Nesse tipo de epidemia, medidas sanitárias serviriam para combater o ebola ou são insuficientes?

Macambira: Precisaríamos de muito mais. Essas medidas sanitárias são necessárias, mas insuficientes. Para combater o ebola, é necessário tomar também providências como as adotadas pelo governo de Guiné. Para evitar o trânsito de infectados, o país bloqueou a entrada de pessoas nos aeroportos e fronteiras com Serra Leoa e Libéria. Pretende, assim, impedir a disseminação da doença.

Portal: Apesar das medidas preventivas, a doença está se espalhando rapidamente nos países afetados. Por quê? 

Macambira: Esses países estão entre os mais pobres do mundo. Não têm condições sanitárias mínimas e serviços de saúde implantados. Tudo neles é insuficiente, o que permite a difusão da epidemia de ebola e de outras doenças. As pessoas que moram nesses países geralmente têm imunodeficiência, apresentando um sistema imunitário pobre.

Portal: A OMS qualificou a epidemia de ebola como "emergência pública sanitária internacional". Qual é a chance de o vírus chegar ao Brasil?

Macambira: É praticamente zero, porque nós temos a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que é muito eficiente. Ainda que chegue ao Brasil, nossos serviços de referência estão preparados para lidar com a doença.

Portal: Que comparação pode ser feita entre as mortes por ebola e os surtos de peste bubônica, gripe espanhola e mais recentemente de “gripe suína”? E com o HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana)?

Macambira: Com todos os meus 62 anos de experiência, nunca vi epidemia tão avassaladora como essa do ebola. Para as doenças referidas, inclusive, já existem vacinas. Quanto ao HIV, ele elege preferentemente os indivíduos imunodeprimidos. No entanto, há uma notícia boa: o número de doentes curados está aumentando aos poucos. Há previsão de vacinas dentro de quatro a cinco anos. Já contra o ebola, não existe nada.