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Rio de Janeiro, 9 de outubro de 2024


Cultura

Circo Voador celebra dez anos da nova lona

Isadora Bertollini* - Da sala de aula

22/07/2014

 Divulgação

Uma das casas de show mais democráticas do Rio, o Circo Voador comemora neste 22 de julho de 2014 dez anos de reabertura, após um período de quase oito anos que deixou órfão o público carioca. Fechado por decreto do então prefeito Cesar Maia em 1996, sob a alegação de falta de estrutura, a lona só voltaria a abrir em 22 de julho de 2004, depois de muitas disputas judiciais.

Era sábado 16 de novembro, e o prefeito comemorava com Luiz Paulo Conde a eleição do seu sucessor para a prefeitura do Rio. Passando pela Lapa, decidiram entrar. O show daquela noite era da banda punk Ratos de Porão, de João Gordo. Ao chegarem à lona, os políticos foram vaiados pelo público. Na segunda-feira seguinte, o prefeito determinou o fechamento da casa, atitude que levou o então governador do Rio de Janeiro na época, Marcello Alencar (1925-2014), a comparar com Hitler seu desafeto político.

Reprodução  O ex-prefeito assegura que a atitude não foi autoritária nem movida por raiva, e motivada unicamente por denúncias de moradores incomodados com o barulho e o movimento na região.

– O Circo não tinha proteção acústica. Os hospitais e os vizinhos vinham ganhando liminares na Justiça – afirma Cesar.

A equipe do Circo, coordenada por Maria Juçá desde aquela época, porém, acredita que a decisão foi sim uma vingança pelas vaias, mais do que de defesa do interesse dos moradores. DJ Lencinho, curador e produtor da casa, considera o ato tão brutal quanto os cometidos pela ditadura militar no país:

– Aquilo pegou a cidade toda de surpresa. As pessoas envolvidas com o Circo na época haviam vivido a ditadura militar. Logo, consideraram o ato de uma brutalidade terrível. Foi um ato violento, e condenável. Tanto que a prefeitura teve que reabrí-lo.

A ação movida pela diretora do Circo contra a prefeitura do Rio durou quase seis anos. Juçá ganhou a causa e a prefeitura foi condenada a arcar integralmente com as obras do novo Circo, que custaram cerca de R$ 2 milhões. O projeto da nova estrutura, selecionado por meio de edital, alterou a localização do palco e reforçou tratamento acústico da cobertura, minimizando o vazamento do som (leia mais abaixo).

Reprodução  O ex-prefeito reconhece:

– Construir um novo Circo Voador no mesmo lugar foi certamente a decisão adequada, acabando com os litígios na Justiça e criando um espaço permanente e qualificado. O novo Circo, com proteção acústica, camarins, climatização, está aí para provar, e fui eu que construí como prefeito, sem um tostão de ninguém – afirma Cesar Maia, minimizando o dano que o fechamento possa ter causado à sua imagem pública: – Claro que não foi prejudicial.

“Ainda bem que voltou com tudo” 

O estudante de arquitetura Igor Wickins, de 23 anos, tinha 5 quando o Circo fechou. Em 2013, passou a integrar a Orquestra Voadora, que ensaia toda quinta-feira na lona do Circo, e desde então é assíduo frequentador:

– Eu adoro ir aos shows lá. O espaço tem o tamanho ideal, e a área externa é ótima para dar uma respirada quando está muito quente, ou para conversar com os amigos. Ainda bem que voltou com tudo.

DJ Lencinho também comemora a reforma da casa:

O Circo foi revitalizado. A estrutura de palco, camarim e acústica melhoraram e muito. Isso toda a geração dos anos 80 reconhece.

Mas lembra que, da noite para o dia, além da perda da vitrine para novos talentos e shows na cidade, duas dezenas de funcionários ficaram desempregados e foi fechada a creche que atendia 80 crianças no local, a Apareche. Em 2004, ao retornar à atividade, novos projetos passaram a integrar a lista de projetos apoiados pela Associação Circo Voador, organização não governamental que administra a casa. No Circo há as oficinas do Zanzar, do Quizomba e da Orquestra Voadora; em outra casa, na Rua Joaquim Silva, funciona a Estação Joaquim Silva, casa mantida pelo Circo com aulas gratuitas de inglês, espanhol, informática para moradores da Lapa. Lencinho, responsável por esses projetos, diz que eles ajudam a manter os valores que o Circo cultiva desde seu surgimento:

– Historicamente o Circo sempre teve atividades sociais. Acredito que hoje estão mais visíveis e que ganharam novos desdobramentos.

Montado no Arpoador no verão de 1982, o Circo comemorou seus 30 anos em 2012, viu sua história chegar às telas com registros históricos em A farra do Circo, de Roberto Berliner e Pedro Bronz, e agora celebra os dez anos de reabertura com o lançamento de A nave, livro de Maria Juçá (veja aqui a programação). O público pode esperar novidades, diz Lencinho:

– Percebemos que o Circo tem que ser uma extensão da rua e vice e versa. É com esse pensamento que entramos neste ano de 10 anos do Circo novo.

A nova estrutura física e acústica do Circo Voador

- Palco coberto por lona dupla de PVC, revestida por colchão de lã de rocha

- área externa para exposições e eventos durante o dia

- Palmeiras para delinear os caminhos até o palco

- Palco posicionado para os Arcos da Lapa, e não mais para Santa Teresa

-  Sistema de placas que impedem a passagem de ruído

* Reportagem produzida para o Laboratório de Jornalismo.