Maior símbolo esportivo do mundo, a bola também pode ser o início de um processo de superação e transformação. Este é caso de Fernando de Figueiredo, de 44 anos, ex-detento que, após cumprir pena de seis anos por assalto e roubo de carro no complexo penitenciário da Papuda, em Brasília, trabalhou em uma fábrica de bolas dentro da prisão. Hoje, Fernando é empresário e toca ele próprio um projeto de ressocialização.
O processo de construção da bola começa com o couro, o fio e as tintas para a estampa. O couro é cortado com a forma de hexágono ou pentágono. Os pedaços de couro são estampados manualmente, um a um, e depois costurados. Fernando ainda se lembra do número exato de cada passo: – São 32 gomos, 20 hexágonos, 12 pentágonos e 1.440 furos. Cada parte do processo permite uma nova perspectiva de vida. Costurávamos e cortávamos as formas com perfeição e prazer, como se estivéssemos trilhando a nossa vida de uma maneira diferente da qual antes havíamos optado. É um processo simples, mas que pode mudar a história de qualquer um.
Para fazer parte do Projeto Pintando a Liberdade, os presos eram selecionados por bom comportamento. Fernando diz ter sido essa seleção a principal responsável pela mudança no rumo de sua vida:
– Fazer parte desta seleção era uma conquista muito grande. Antigamente eu era cego, não conseguia enxergar a ponta dos meus pés. Quando comecei a trabalhar, enxerguei um lado diferente. Aprendi a cortar e montar os kits, fazer caligrafia, costurar. Isso tudo foi muito gratificante. Eu não ganhava muito pelo trabalho, mas o pouco que recebia eu valorizava. Era um dinheiro conquistado com raça, trabalho, honestidade e dignidade.
Além do salário, recebido de acordo com a produção de cada presidiário, os detentos podiam reduzir um dia de pena a cada três dias de trabalho.
Hoje, o empresário fatura mais de R$ 1 milhão por ano – entre R$ 120 mil e R$ 150 mil por mês – com a cooperativa de reciclagem de madeira Sonho de Liberdade, em Brasília. A sede está localizada perto de um aterro sanitário, o que facilita a coleta de material reciclável para a produção da cooperativa. Além da fabricação de bolas, que são enviadas para serem costuradas dentro do sistema penitenciário, a cooperativa trabalha com móveis e concretos.
Mas o projeto Pintando a Liberdade, que proporcionava a ressocialização de presos, foi interrompido pelo Ministério do Esporte em dezembro passado, por falta de renovação dos contratos. De acordo com a assessoria de imprensa do ministério, não há previsão da assinatura de novos contratos para o Pintando a Liberdade, mas existem outros projetos com estrutura parecida. Ao saber do fim do programa, Fernando lamentou:
– Dentro do sistema penitenciário, pequenas coisas são capazes de mudar a história de muitas pessoas. A própria Bíblia diz: “Mais vale uma vida salva do que o mundo inteiro perdido”. Hoje cerca de 20 ou 30 pessoas envolvidas na minha cooperativa fizeram parte do projeto Pintando e estão trabalhando juntos, não mais para o crime. Temos traficante internacional, assaltante de banco e até pessoas que já praticaram assassinato, mas deixaram todos esses crimes para trás, em busca de uma nova realidade.
A reinserção no mercado de trabalho não foi fácil, mas quando se estabeleceu passou a ajudar outros ex-presidiários, alcoólatras, mendigos e prostitutas a conseguirem oportunidades.
– Quero a cada dia conseguir melhorar esse projeto, para que possamos resgatar cada vez mais vidas com honestidade e dignidade. Tenho muito orgulho de poder proporcionar para essas pessoas uma nova oportunidade, da mesma forma que foi proporcionaram a mim, de maneira que mudaram a minha vida – afirma Fernando, casado, com três filhos e uma neta.
O Pintando a Liberdade e outros projetos semelhantes inspiraram uma das 20 instalações da exposição A Bola, organizada pelos professores Marcos Barbato e Cristina Bravo da disciplina Laboratório de Publicidade da PUC-Rio, exibida nos pilotis da PUC, e que está no Parque da Bola, no Jockey Club, na Gávea.
Todos os módulos foram sugestões dos alunos de Publicidade, que promovem uma maior reflexão sobre o objeto em questão. A estudante Luiza Fraga, integrante do grupo responsável pelo Projeto Costurando a Esperança, inspirado no Pintando a Liberdade, ressaltou o foco do projeto, que desenvolveu com as colegas Ana Beatriz Guimarães, Marina Neves, Ana Paula Maia e Maria Alejandra Azevedo:
– Procuramos focar não apenas na reintegração social de ex-detentos, mas sim em todas as pessoas que têm na bola sua esperança de transformação de vida.
Analistas pregam transigência para resguardar instituições
"Pará é terra onde a lei é para poucos", diz coordenador do CPT
Sem holofotes do legado urbano, herança esportiva dos Jogos está longe do prometido
Rio 2016: Brasil está pronto para conter terrorismo, diz secretário
Casamento: o que o rito significa para a juventude
"Jeitinho brasileiro se sobrepõe à ideia do igual valor de todos"