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Rio de Janeiro, 1 de maio de 2024


Economia

Profissões sobreviventes: inovar para não desaparecer

Mariana Totino - aplicativo - Do Portal

25/08/2014

 Mariana Totino

Com a crescente incorporação e evolução da tecnologia nos processos produtivos, profissões que envolvem tarefas repetitivas, na área de logística, escritório e na própria produção estão cada vez mais ameaçadas, como apontam estudos. No entanto, a rapidez, a eficiência e a precisão que o computador oferece não surtem efeito nem são capazes de lançar tendências se não estiverem aliadas à criatividade humana. Ofícios antes passados de pai para filho, serviços que sempre serão necessários – como alfaiate, costureira, marceneiro e afinador de piano – se tornam escassos e, para subsistirem, precisam passar por alguma inovação. Os poucos que permanecem com destaque nesses serviços mantêm clientela por meio de uma rede de indicações e, graças à experiência e competência, não são desvalorizados.

Pesquisa da Universidade de Oxford, publicada em 2013, quantificou a influência do progresso tecnológico recente no futuro das profissões. Com base no mercado de trabalho americano, utilizou metodologia para medir o processo de “informatização”. De acordo com o levantamento, entre as profissões mais ameaçadas estão as de operador de telemarketing, bibliotecário, empacotador de supermercado, projetista de cinema, secretário, marceneiro, guia turístico, pedreiro e padeiro.

 Mariana TotinoAo contrário de ofícios que ficaram para trás e perderam a razão de existir, como o acendedor de lampião e o datilógrafo, ainda há muita gente precisando afinar um piano, um violino. Mesmo que o costume de comprar tecidos para fazer roupas tenha caído em desuso, costureiras ainda são procuradas e, quando se consegue uma, a tendência é recomendar a outras pessoas.

O alfaiate Fausto Marques, de 80 anos, há 70 na profissão, não é adepto da internet, mas atende clientes que chegam por meio de recomendações, no boca a boca mesmo. Em resposta aos anos de experiência na profissão e a qualidade do trabalho de Seu Marques, a clientela se mantém fiel à loja – uma camisaria que abriga na parte dos fundos um ateliê de costura, onde dois ajudantes pilotam duas máquinas industriais, com base nos moldes do alfaiate – situada na rua Marquês de São Vicente, na Gávea, local em que funciona há quase cinco décadas.

A demanda por paletós, calças e ternos feitos à mão em pequenas oficinas de costura como a de Seu Marques pode ter diminuído e perdido na concorrência com as grandes lojas de vestuário. Mas continua sendo a principal fonte de renda do alfaiate, viúvo e que tem como maior orgulho suas duas netas. Reitores da PUC, integrantes da família Marinho e outros ilustres fregueses já encomendaram ternos no local. Com dois bustos cheios de alfinetes, expostos na frente da loja, o lugar fica escondido entre salões e bares. Lá dentro, no balcão, seu Marques, de fala tranquila, recebe bem e fica feliz em ajudar. Na bancada, uma pilha da revista trimestral de bairro que traz uma foto do alfaiate com a fita métrica no pescoço – ao lado de outro profissional bem requisitado no local, um chaveiro.

 Mariana TotinoVerbos como chulear, casear e gurnecer, referentes a atividades rotineiras na alfaiataria, serão cada vez mais desconhecidos entre as novas gerações. Seu Marques não teve pupilo a quem passar as instruções do ofício. Ele lembra que aprendeu com um tio, quando ainda estava em Portugal – ele veio para o Brasil em 1953, e foi o único entre os seis irmãos a aprender.

– É uma profissão em extinção. Nunca ensinei a ninguém, nem mesmo o meu filho, de 50 anos. Minha esposa diz que nunca tive paciência para ensinar. Muitas lojas desapareceram. No Rio, ainda restam algumas no Leblon, em Copacabana, Catete e no Centro, onde trabalhei antes de ter a loja e onde um xará continua trabalhando.

Ourivesaria vive valorização

Até funções mais populares, como a de secretária, se tornaram mais restritas. Hoje, é comum ver um profissional trabalhando para três ou mais clientes, em pools de profissionais. Secretário exclusivo está mais para privilégio de altos executivos. Outras áreas que parecem bem antigas, que conservam tradições artesanais em etapas da produção, como a ourivesaria, vivem valorização, apesar de não tão populares como outrora. A socióloga Ana Heloísa da Costa Lemos, professora do Departamento de Administração da PUC-Rio, vê a crescente valorização desses profissionais:

– Há uma grande queda de demanda para esses serviços, mas seguem sendo úteis. Os que permanecem até podem se dar bem. Na década de 1950, muitas mulheres faziam roupas na costureira. Hoje, esse trabalho é dado como artesanal. Para chegar a boas costureiras, bons marceneiros, alfaiates, procura-se indicação.

Como aponta Ana Heloísa, este profissional é disputado a tapa por grandes joalherias, que patrocinam até cursos de formação:

– Essas profissões se tornam desconhecidas pela maioria. Aqueles que subsistem tem revalorização. Mesmo artesanal, apresenta também formas de produzir mais padronizadas, introduzindo na rotina produtiva algum tipo de industrialização. É quase paradoxal existirem web designers, por exemplo, e ainda haver demandas de difícil atendimento como essas. As máquinas de costura mudam e as pessoas continuam querendo coisas exclusivas. Os grandes ateliês são uma prova disso.

 Arquivo pessoal Arthur MattosAfinador da Casa Pierre Pianos, localizada em Botafogo, Paulo Abreu, de 48 anos, começou na profissão há 28, uma década depois de seu pai abrir a loja. A profissão ele ganhou de herança. Aprendeu a fazer o serviço com funcionários de uma fábrica no bairro de Vila Isabel e com amigos de seu pai. Paulo conhece outros colegas de profissão, mas reconhece que faltam bons técnicos de piano. Ele destaca detalhes sobre tarefas exercidas pelos afinadores:

– Afinar sonoramente o piano não é difícil, até porque existem afinadores eletrônicos. Tem que ter as ferramentas adequadas e paciência, pois são 288 cordas em média. Com um ano de prática é possível aprender. O que exige mais experiência é a parte mecânica, que demora uns cinco anos para ser inicialmente dominada. Em média, uma afinação domiciliar demora três horas. Já afinações de concerto podem demorar um dia inteiro.

Com 23 anos, o músico Arthur Mattos (foto) é luthier e teve professores bem mais velhos. No penúltimo Rock in Rio, participou de uma oficina para 40 pessoas, ministrada por três especialistas – um de Minas Gerais, com idade avançada, que morreu, e outros dois do Rio. Não constrói instrumentos por falta de máquinas, mas trabalha com a regulagem, colagem, além de consertar a parte elétrica. Por ser integrante de uma banda de MPB, além de regular seu próprio baixo, conserta as guitarras de amigos e confessa ter instrumentos à espera de reparo, como um ukelele de uma amiga. É quase um hobby para ele, mas admite que dá para ganhar dinheiro com o ofício. Enquanto falava com a reportagem do Portal, Arthur mexia em uma guitarra.

 Arquivo pessoal – É uma profissão que faz falta atualmente. Muitas pessoas compram instrumentos baratos e depois não têm interesse em pagar pelo conserto.

Mais difícil do que achar quem faça esses serviços é confiar na qualidade dos profissionais. Guias de serviços como a Agenda Carioca reúnem dicas de lugares e serviços na cidade, e o que está em falta são profissionais confiáveis, que façam serviços de grande utilidade no dia a dia. Na página do guia no Facebook, são comuns os pedidos de indicação de marceneiros, pedreiros, pintores, técnicos de ar-condicionado e de informática, professores particulares, “faz-tudo”, de acordo com a mediadora Irene Andrade:

– Os mais procurados são pedreiros, técnicos de ar-condicionado e de computador, marceneiros, pessoas que consertem Iphone e notebooks, além de cabeleireiros e doceiros.

Também mediadora da Agenda Carioca, Simone Alvim acrescenta que o grande problema é a qualidade dos profissionais:

Arquivo  – A maioria não é muito confiável. O maior problema com esses profissionais é a dificuldade de cumprir prazos. O que mais faz falta são marceneiros bons e honestos, mestres de obras para pequenas reformas, pedreiros, técnicos sérios que consertem ar-condicionado e “faz-tudo”. Os melhores são captados pelos arquitetos.

Raridades na comunicação

Na área da comunicação, revisores de texto são raridade, assim como os projetistas de cinema, nas grandes salas exibidoras. O revisor Manuel Borges Neto, com quase 81 anos, é um dos mais antigos em atividade. Ingressou no Jornal do Brasil em fevereiro de 1970, onde também foi repórter. Deixou o jornal duas vezes, uma delas para trabalhar em rádio. Desde 2000 faz parte da equipe do JB e, no jornal on-line, se considera o único a “cozinhar” três ou quatro artigos por dia. Dos antigos colegas de revisão e de redação, que o acompanham desde o início da carreira, não resta um:

– A idade não favorece a permanência num jornal. Já me vi obrigado a fazer o que não era meu ofício. Tentei vender planos de saúde e assumir a direção de culto na Catedral. Depois de tudo, entendo que o domínio razoável da boa gramática aliada ao estilo jornalístico é que justifica minha atuação, até o presente momento.

  Site Tributo ao JB Borges Neto ressalta que a experiência como revisor ainda é útil, dizendo que é raro o dia em que um ou outro colega pergunta como é a regência ou concordância deste ou daquele verbo. Para ele, a profissão começou a desaparecer quando os repórteres começaram a assumir mais responsabilidade também com a correção gramatical, em meados dos anos 1970.

Se tempos atrás acharia absurda a extinção da classe (quando começou, havia uns 60 representantes na redação), hoje Borges já não se incomoda tanto. Pondera que não existe mais o leitor exigente da correção e do primor estilístico, como há 40 anos. Quanto às mudanças e ao futuro do jornalismo, não traça um cenário sombrio:

– No jornal ou em outro meio de comunicação sempre será necessária a mão e a cabeça do bom comunicador, qualquer que seja o nome que botem na sua carteira profissional. A comunicação é própria do ser humano. E, com a avalanche de notícias que a todo instante a televisão, o rádio, a internet botam no ar, nunca o agente de comunicação será dispensado – afirma, emendando num conselho: – Estudantes de jornalismo e afins, preparem-se para a competição, que não dará tréguas e será cruel, mas ao mesmo tempo instrutiva e muito instigante.

Na publicidade, arte-finalista, letrista, ilustrador e montador faziam parte da equipe de estúdio em agências. O diretor de arte Cacau Ribeiro, de 62 anos, ocupou todos esses cargos e os viu, aos poucos, serem extintos. Formado em belas artes, trabalhou por 45 anos em estúdios de arte de agências. Começou como ajudante do diretor de arte, limpando o pincel. Depois, passou a elaborar layouts de campanhas publicitárias, fazer provas e finalizar artes. Hoje, trabalha em home-office e tem sua própria agência.

– Fui evoluindo ao mesmo tempo em que a tecnologia foi se impondo. Antes havia um operador para mexer nas máquinas. Quem trabalhou na época aprendeu a fazer de tudo. Hoje, se a tela do monitor não estiver regulada, não dá para analisar provas da arte.

Inovar é preciso

Para o administrador e consultor em inovação Valter Pieracciani, mesmo profissionais que dão continuidade ao ofício de pais, ou profissões mais antigas não têm como fugir de buscar inovação, seja no modo de produzir ou de atender. Pieracciani faz até uma projeção radical: daqui a cinco anos só restarão inovadores e falidos:

– Todos têm que ser inovadores, na forma de se expor ao mundo e em seus modelos de atendimento e realização do trabalho. Não há espaço para qualquer profissional ou empresa que não seja de fato inovador.

 Marcos Freitas Ainda quanto à necessidade de inovação, diante das incorporações e evolução de ferramentas tecnológicas, Pieracciani afirma que a robótica e os computadores vão realizar tarefas que podem ser pré-estruturadas:

– Nas linhas de produção, há 30 anos, a mecanização e os robôs tomaram conta das áreas como a pintura e a soldagem. Algo parecido acontece no setor de serviços, com um impacto ainda maior. O trabalho básico dos atendentes, de quem organiza dados e informações e de quem realiza tarefas repetitivas está condenado à morte. E isto não é ruim como parece. No Brasil, este impacto levará algum tempo a mais para acontecer, mas é inexorável. Esse atraso se dará graças ao custo das tecnologias e pelas medidas protecionistas aos empregos.

Falta de orientação

Segundo a socióloga Ana Heloísa, entre brasileiros falta proatividade e orientação, quando jovens, para analisar possibilidades de profissionalização e atuação. Não há muito investimento em qualificação ou em ter currículo múltiplo, para ampliar empregabilidade, pois há carência de orientação.

– Existem empregos velhos. Antes de pensar em inovação, é preciso pensar no mercado oportunidades. Os jovens não são orientados a investigar as oportunidades existentes. Aprendem que têm que ter uma formação, mas não uma profissionalização. Às outras opções de qualificação, que não sejam a faculdade, se vai ser mergulhador, técnico, marceneiro, eles não são apresentados, na maioria. Se o filho do marceneiro vai para esta área e introduz alguma técnica, como mexer em planilhas de Excel, pode ser um megaprofissional e, estabelecido na área, ganhar mais – afirma.

O perfil inovador do brasileiro estaria mais ligado ao jeito de “se virar”. A professora destaca que “não precisa ser um Mark Zuckerberg (criador do Facebook)” para inovar.

– A inovação pode ser em torno de coisas simples, como criar um sistema para uma cooperativa de táxi. Inovar não é ser um Mark Zuckerberg. Oportunidade, se bem aproveitada, pode ser muito rentável.

Enquanto países como a Coreia do Sul, segundo Pieracciani, destinam US$ 3 bilhões por ano em inovação de empresas, o Brasil empregou R$ 4 bilhões de 2006 até agora.

– O país está avançando em inovação muito lentamente. Precisaremos de um grande impulso para superar o atraso. As start-ups e o trabalho em rede são uma possibilidade de saída. Elas têm impacto na tipologia das relações de trabalho. Entre contratar pessoas CLT, nos moldes dos anos 1950, e estruturar o concurso aberto para que pequenas empresas se candidatem a desenvolver soluções, não há duvida de qual das duas alternativas é mais viável, geradora de resultados e principalmente deixará as empresas e as pessoas mais felizes.