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Rio de Janeiro, 25 de abril de 2024


País

"O incrível da minha profissão é fazer coisas diferentes"

Viviane Vieira - Do Portal

10/04/2014

 Mauro Pimentel

O curto tempo de carreira, mas intenso na forma de olhar e capturar o mundo, já rendeu ao universitário Mauro Pimentel, de 28 anos, um reconhecimento “surpreendente”. Logo na primeira vez em que o formando em Jornalismo pela PUC-Rio, fotógrafo há cinco anos, inscreveu fotos em concurso, mal acreditou quando soube que havia vencido o Prêmio Tim Lopes de Jornalismo Investigativo. “Não tinha pretensão de ganhar”, diz ele, entre a humildade e o orgulho. Permite-se ponderar que a foto vencedora, alusiva aos protestos na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) e publicada no portal Terra, “não é a melhor” que já fez. “Mas é boa para prêmios, pois tem muitos elementos com referência”, justifica.

O prêmio, que será entregue na próxima terça, 15, torna-se sinônimo de contentamento e estímulo profissional. “É muito bom ter ganhado, concorrendo com tantas pessoas que admiro, de jornais como O Globo e O Dia, por exemplo”, anima-se.

Antes mesmo de ingressar no curso de Comunicação Social da PUC-Rio, Mauro tinha descoberto a fotografia. Aproveitou um intercâmbio na África do Sul, em 2008, para oxigenar a vocação. Ao voltar para o Brasil, passou a conciliar a vida acadêmica com estágios, inclusive no Portal PUC-Rio, e trabalhos avulsos. “Investir na qualificação é fundamental. Precisamos estar sempre atualizados”, ressalta. 

Apesar da trajetória profissional ainda recente, a lente de Mauro Pimentel já registrou momentos importantes da História, como o funeral do líder sul-africano Nelson Mandela, no fim do ano passado, e as manifestações de junho no país. Em tempos de pulverização da fotografia e inserção de amadores no mercado (veja na reportagem sobre os desafios da profissão), ele considera o papel do fotógrafo ainda mais importante para a composição do cenário social em que vivemos.

Mauro deve ao contexto de “realidades discrepantes” na África do Sul o desenvolvimento de um olhar inquieto e obcecado, útil à arte fotográfica. No funeral de Mandela, teve a oportunidade de retribuir:

— Já pensava em voltar para a África quando Mandela morreu, e antecipei meus planos. Foi a oportunidade de pagar a dívida que eu sentia com aquela país. Eles me deram essa profissão. Lá eu abri os olhos para a fotografia. Pude, então, voltar como fotógrafo, e de alguma forma contar um momento marcante da História.

A viagem antecipada converteu-se em emoção e aprendizado. A experiência de estar imerso no mar de câmeras e gente revelou-se marcante:

 Arquivo pessoal— Senti por que havia escolhido essa profissão. Tinha 27 anos e estava cobrindo um acontecimento do qual vou me lembrar para sempre – conta, lembrando que ainda houve momentos de adrenalina: – Eram 4 mil jornalistas no meio do nada. Foi muita correria, um caos. Fora isso, como meu passaporte estava vencido, tive de entrar com passaporte de emergência. A Polícia Federal segurou o avião para mim. Foi uma experiência única. 

Desde que a fotografia conquistou o coração e a mente de Mauro Pimentel, ele tratou de se inserir no mercado de trabalho. O primeiro estágio foi no Portal PUC-Rio. Passava o dia na universidade, entregue aulas e reportagens, e à noite caçava pautas avulsas. A preocupação não era ganhar dinheiro, mas manter-se no exercício jornalístico. Uma filosofia aplicada até hoje, como fotógrafo contratado do Portal Terra, numa rotina que não raramente vai de segunda a segunda.

— O profissional precisa ficar sempre ativo, mesmo sem estar formalmente estagiando ou trabalhando. Assim eu aprendi muito, adquiri experiência e certo nome no mercado. Se hoje consigo alcançar alguns objetivos, é porque fiquei dois ou três anos só, como se diz, dando a cara a bater, fazendo pauta todos os dias, inclusive nos fins de semana. Muitas vezes trabalhei direto por dois meses. Sabia que, desta forma, aprenderia mais e me tornaria mais visível — conta Mauro, lembrando a invariável relação entre qualificação e empenho.

Foto de Ricardo Gomes pagou seis meses de faculdade

Em meio a reportagens de diversas naturezas, Mauro vivenciou e vivencia a dinâmica “intensa e incerta” do fotojornalista. “Às vezes trabalhamos o dia inteiro”, reitera. Na equipe formada por quatro repórteres, dois fotógrafos e um editor, ele tem a chance de cobrir “fatos de todos os tipos”.

— Quando Claudia Silva foi arrastada por policiais, em Madureira, eu estava de folga, mas entrei rapidinho de plantão. Outro caso foi a ocupação do Complexo da Maré, fiquei lá o dia inteiro. É bom e ruim ao mesmo tempo. É bom pela oportunidade de cobrir fatos importantes. Assim, o trabalho rende muito mais e ganha mais visibilidade. Estruturas menores que a de grandes jornais têm essa vantagem: o trabalho tende a sobressair — avalia.

Trabalhos como freelancer (serviços oferecidos a clientes variados de forma independente), constantes na rotina de fotógrafos, também marcam a carreira de Mauro: “Mas sobreviver só com essa renda é difícil, porque a venda das fotografias é incerta”, ressalva.

— O mercado, com o perdão da palavra, é prostituído. Vemos fotos serem vendidas, às vezes, por R$ 1. Tem gente que vai para o Complexo da Maré, fica o dia inteiro, e vende a foto por R$ 10, enquanto profissionais gastam, por exemplo, R$ 5 mil num equipamento e ganham R$ 30 por 12 horas de trabalho, andando dentro de favela — compara. — Por outro lado, há fotos que rendem um bom dinheiro. A que mais me recompensou foi a de Ricardo Gomes, quando era técnico do Vasco e teve um infarto dentro de campo, em 2011. Todos prestavam atenção no jogo, só eu e mais dois percebemos ele estranho. Parei perto e fiz a foto. Paguei seis meses da faculdade com esse dinheiro.

O olhar do fotógrafo retira as camadas urbanas e descobre “a cidade dentro da cidade”

Bastante explorado por profissionais da imagem, o Rio também frequenta as imagens de Mauro Pimentel. Não o Rio dos cartões-postais, e sim o das desigualdades do cenário urbano. Um prato cheio para o olhar do fotojornalista: 

— No Rio, estamos sempre descobrindo alguma coisa. Por exemplo, estou cobrindo o Complexo da Maré há algum tempo. Por mais que tenha ido lá fazer, como se diz, porta de tiroteio, agora tenho uma abertura maior. Começo a entender como funciona a cidade dentro da cidade. Parece que o Rio vai tirando as camadas, e cada hora tem uma cidade inteira a cada cinco quilômetros.

Flagrantes esportivos também apetecem o jovem fotógrafo. Ele já cobriu UFC nos Estados Unidos e diversas modalidades no Brasil. Ele destaca, no entanto, a importância de manter o foco variado:

— Não curtiria fazer apenas (cobertura) policial ou esportiva o tempo todo. Se em uma semana eu fotografo dois treinos de futebol e dois jogos, já fico cansado. O incrível da minha profissão é poder fazer coisas diferentes.

Qualificação é sinônimo de coordenação de esforços

 Viviane Vieira Mauro considera igualmente importante para a qualificação profissional saber coordenar “todos os recursos”, como foto, vídeo e texto, para contar uma história. Tais competências, somadas ao domínio e à experimentação das técnicas fotográficas — “mais próximas dos leigos a partir da cultura digital” — formam a base do repórter fotográfico, afirma Mauro. Ele acrescenta: registrar o que se pensa é um exercício diário para quem deseja seguir a profissão. Como exemplo desses esforços e habilidades, Mauro lembra a fotografia que lhe rendeu o Prêmio Tim Lopes:

— Você não pode parar de estudar. Saber fotografar, saber utilizar a máquina, é o básico. Não basta dominar a técnica, é preciso inserir o que você pensa na foto, o que se consegue com qualificação e experiência, indo para a rua. Quem trabalha com arte tem que experimentar. Vejo isso na foto do prêmio, que reúne uma porção de referências. Tecnicamente, não é a melhor imagem, mas está contando muito bem o que aconteceu naquele dia, o estopim, a primeira pancada dos protestos.

Desafios do mercado

Mauro Pimentel   A relação entre Mauro Pimentel e o mercado de trabalho sempre foi movida a muito esforço, e atenção às oportunidades. “Ir para as ruas e fazer a teia social” fez diferença:

— Já trabalhei na área administrativa de um hospital, era uma loucura. Então decidi trabalhar apenas com o que gosto. Não tive tanta dificuldade porque me coloquei logo no mercado. Fui para rua e as pessoas foram me conhecendo.

Nesses cinco anos nas ruas, Mauro exercitou também a autocrítica, sem a qual, alerta ele, não se consegue o aperfeiçoamento necessário à exigência crescente do mercado: “Hoje não dá para ser mais ou menos bom”. Para o formando de jornalismo, o papel do repórter fotográfico, como crítico do seu trabalho, “é olhar a foto da semana passada e ver que pode melhorar, ficar incomodado sempre".

Inspirações

Reconhecer a competência alheira revela-se não menos necessário à construção do próprio estilo. Mauro, contudo, prefere não usar a palavra “inspiração” ou cultivar uma referência fixa, por medo de replicar o trabalho ou “fazer parecido, por osmose”. Feita a ressalva, revela dois de seus fotojornalistas preferidos: Robert Capa, referência na primeira metade do século XX, e o brasileiro Maurício Lima, do New York Times.

Capa notabilizou-se na cobertura de guerras entre as décadas de 1930 e 50. “Só não quero acabar com ele”, brinca. Capa morreu em 1954, aos 41 anos ao pisar numa mina durante a Guerra da Indochina. Já Mauricio Lima foi enviado para a Crimeia, que enfrenta forte crise política, sob o fantasma da onda separatista. “Ele cobre algo violento sem cobrir a violência. Vai na contramão dos outros fotógrafos”, observa Mauro.

Entre as pessoas que já passaram em sua vida e marcaram sua carreira, acrescentando qualidades que hoje fazem diferença em seu ofício, Pimentel relembra os tempos em que trabalhou no departamento de comunicação da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). No começo, o trabalho parecia simples, mas Rafael Wallace, o editor de fotografia, o fazia ir além: pensar na imagem.

– Eu mostrava a foto do mesmo lugar, na mesma mesa, todo dia. Ele falava que a foto estava igual às outras e mandava refazer, me fazia entregar algo diferente. Ele era muito atencioso, via meu material de freelancer, comentava. Com o tempo, você passa a pensar na hora de fotografar. Eu senti isso na época dos protestos: era muita coisa no mesmo ambiente, e nós tínhamos que fazer a mesma situação, só que diferente. Foi um aprendizado muito grande.

Wallace elogia o trabalho de Mauro:

— Era um estagiário de luxo, ele já veio pronto, com muita informação técnica. Se eu pude ajudar com alguma coisa na sua formação, foi certamente algo subjetivo. Ele tem potencial para criar coisas sempre novas, e nunca decepcionou.

As aulas de fotografia na faculdade lhe renderam frutos. Ao ingressar na PUC, Mauro, que aprendera conhecimentos técnicos da fotografia na Estácio, teve aulas de Fotojornalismo, obrigatórias para alunos do curso, com o professor Paulo Rubens Fonseca. Nesse período, ele já atuava na área. Os demais alunos, em sua maioria, eram leigos com fotografia. O professor reconhecia o trabalho e o conhecimento avançado de Mauro:

 — De sua passagem, entre os belos papos que batemos sobre a profissão e a vida, ficou uma ótima foto que ele fez do professor, que a Nahyda, minha mulher, pôs na mesa de trabalho dela. Este prêmio que ele recebeu me alegra bastante, por ver que ainda há espaço a ser ocupado numa carreira que está se tornando muito difícil.

Mercado prefere profissionais multifuncionais

Para o futuro de sua profissão, o olhar de Mauro é realista. Ele reconhece que são poucos os que se encaixarão nos grupos de exigência feitos pelo mercado. O campo de trabalho, que hoje exige do fotógrafo que saiba filmar, escrever e fotografar, pode diminuir, mas não acabará. “Pessoas serão demitidas, e posso ser um deles. É horrível, mas é seleção natural”, comenta o fotojornalista. Em contrapartida, acredita, os bons fotógrafos, tradutores de histórias em imagens, se manterão.

Ele conta que, até agora, não conseguiu se aprofundar em uma matéria da forma que gostaria, mas tem algumas histórias para contar, como a mais atual, do Pai Canguru:

— Este pai me contou a história de vida dele e eu gravei o áudio, que enriqueceu a matéria. A fotografia não é estática. Criamos um vídeo com fotos e o áudio do pai contando a experiência de ver o filho através da incubadora. O Terra usou isso e teve grande repercussão e comoção em São Paulo, pois foi exibido nas telas gigantes das estações de metrô. Eu fiz o vídeo pensando na tela dos ônibus. O vídeo na internet é chato, mas nesses outros ambientes ele vira interessante.

Para os que estão se inserindo no mercado fotográfico, Mauro indica:

— Tem que estudar muito, não parar de estudar nunca. Ser chato, não mal educado, mas “colocar o pé na porta”. Não pode ter medo de acompanhar as pessoas, perguntar. Estar disposto. Você vai levar foras, vão olhar de cara feia, mas é uma proteção natural. Hoje todo mundo é fotógrafo, e aparecem muitos aventureiros. Então quem já é da área tem uma barreira. Nas minhas primeiras pautas, teve gente que nem me respondia. Tem uns que são mais abertos. Ninguém via abrir sorriso de primeira. Faça o seu, que as pessoas vão reconhecer.