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Rio de Janeiro, 26 de abril de 2024


Cultura

Cinema nacional avança, mas foco trai o consumidor

Andressa Pessanha e Jana Sampaio - aplicativo - Do Portal

09/04/2014

 Viviane Vieira

Há muito o cinema brasileiro não ria tanto. Impulsionadas por comédias, boa parte delas estrelada por globais, as produções verde-amarelas ganharam volume, público, faturamento. Em duas décadas, saltaram de três para 120 filmes por ano, contabiliza levantamento da Agência Nacional de Cinema (Ancine) divulgado em setembro de 2013, quando o país atingiu o recorde de 27,5 milhões de espectadores. O avanço seria até maior do que os 18% de participação no mercado (contra 82% dos filmes estrangeiros), não fosse a distância ainda observada em relação às preferências do consumidor brasileiro. Assim revela pesquisa da Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro, em parceria com J. Leiva Cultura e Esportes, segundo a qual ver filmes representa a principal opção do tempo livre de 94% da população do Sudeste, em especial da capital fluminense. Seguem atraídos, sobretudo, pela fornada hollywoodiana.

– O filme nacional está menos relacionado ao público brasileiro do que o estrangeiro. O filme internacional mostra-se mais “antenado” com o que o público quer ver – observou o gerente da RioFilme, Rodrigo Guimarães, ao detalhar a pesquisa para alunos de Comunicação em palestra na PUC-Rio. (veja a palestra na íntegra)

O cineasta José Padilha reconhece a importância do alinhamento entre produção e demanda cinematográfica, mas lembra que é do diretor a responsabilidade de “levar o filme para frente”. Ele acredita que a temática seja mais representativa do que o gênero para a escolha do espectador. 

Depois de comparar os hábitos associados ao consumo de filmes na tela grande de 1.501 entrevistados de diferentes estratos sociais do Rio, o estudo constatou uma “falta de equilíbrio entre demanda e produção”, destaca Guimarães. Embora a redescoberta das comédias como lubrificantes do cinema brasileiro tenha contemplado parte das preferências identificadas na pesquisa, outros gêneros igualmente valorizados, como ação e aventura, ainda passam ao largo da nossa indústria.

As bilheterias estelares de filmes como Tropa de Elite 2 (2010), de Padilha, e Minha mãe é uma peça (2013), de André Pellenz, adaptação da peça homônima também protagonizada por Paulo Gustavo, indicam, para o executivo da RioFilmes, a valorização superior dos gêneros ação e comédia pelo brasileiro. A sequência da batalha do capitão Nascimento (Wagner Moura), desta vez contra o "sistema", tornou-se o campeão de público entre as produções nacionais. Amealhou quase 11 milhões de espectadores — desbancando os 10,7 milhões de Dona Flor e seus dois maridos (1976), de Bruno Barreto, a bem-sucedida adaptação do romance de Jorge Amado — e faturou mais de R$ 100 milhões.

Já Minha mãe... foi o líder de público e faturamento entre os filmes verde-amarelos: aproximadamente 4 milhões e R$ 50 milhões, o que corresponde quase à quinta parte dos R$ 270 milhões arrecadados pelo cinema brasileiro nas bilheterias do país em 2013. Apesar da certa distância entre as preferências do consumidor e os gêneros predominantes na indústria cinematográfica nacional apontado na pesquisa, o empresário João Leiva, criador da J.Leiva Cultura e Esportes, pondera que o aumento da produção compensou, em parte, tal descompasso. Ele ressalta o crescimento sustentado do cinema brasileiro (veja o infográfico):  

— As produções aumentaram 30% em duas décadas, e este nível conseguiu se estabilizar. Porque poderia ter havido um pico e caído. Arte: Lucas Sereda

A invasão das comédias brasileiras nas salas de cinema, nos últimos dois anos, indica uma onipresença do gênero na telona. Mas as produções nacionais ainda são voltadas, principalmente, para o drama (40%), enquanto a demanda predominante recai nos gêneros ação/aventura (45%) e comédia (42%). Como a oferta de ação, aventura e comédia é bem superior nos filmes estrangeiras, as produções de fora ainda reinam com folga no nosso mercado. Guimarães ressalva, no entanto, que as comédias nacionais podem virar o jogo, pois estão em pé de igualdade, "em termos de qualidade técnica", com o padrão internacional:  

— E a nossa comédia é cinco vezes mais eficiente que a estrangeira — acrescenta — Tanto que são estouros de bilheteria. Mas ainda são ofuscadas pela baixa produção. Na Coreia do Sul, por exemplo, o mercado do cinema nacional responde por quase 70% do consumo, porque ficou claro para eles o que o público pedia.

O avanço do cinema brasileiro exige agora, reitera o executivo da RioFilmes, uma harmonização entre "o que se produz e o que pede". Ele propõe, assim, que a pesquisa seja dissecada por autoridades e investidores do audiovisual. "Com a noção do que o público quer, fica mais fácil para o mercado buscar mais roteiros que estão em falta", argumenta (veja a pesquisa). Padilha pondera "a diversidade de gêneros é fundamental", admite o peso da demanda de cinema, mas dispara: filme precisa ser autoral.

— Não vou fazer um filme de comédia só porque é o que querem ver. Meu negócio é falar sobre outras coisas. Temos público para ação e comédia, contanto que [o filme] seja bem feito — frisou o cineasta, em palestra na PUC-Rio.

O diretor da refilmagem de Robocop recomenda uma adequação do “fazer cinema”:

— Não dá para fazer cinema de forma amadora, deixando seu roteiro solto, por exemplo. Isso só funciona para produções independentes, que contam com uma liberdade maior. Hoje, o cineasta precisa entender que a sequência das cenas é o que dá gás ao filme e o prende o espectador.

Temas políticos minguaram do cinema nacional, observa Padilha

Sem desmerecer a feição pipoca das produções, Padilha lembra, quando se completam 50 anos do golpe militar no país, que o cinema constitui-se uma forma de expressão significativa, não raramente associada à oxigenação democrática. No entanto, observa o diretor, a temática política, comum na década de 1970, mingou das produções nacionais com a redemocratização: 

— Na ditadura, o cinema político era mais presente porque afetava a sociedade brasileira. Sabíamos exatamente quem eram nossos inimigos e pelo que lutávamos. O cinema era o calcanhar de Aquiles da época. Hoje, para alguém entender o que está acontecendo no contexto político, é preciso estar bastante informado.

Pouca oferta de cinemas de rua e até transporte público afastam espectador, aponta pesquisa

Se por um lado o cinema brasileiro comemorou, em 2013, recordes de público e faturamento, por outro o levantamento da RioFilmes constatou fatores de risco ao consumo das produções na tela grande. Desde o preço, que Leiva considera “uma barreira psicológica”, e facilidades tecnológicas comosmartphones, tablets e aparelhos de DVD portáteis, que deixam os filmes ao alcance das mãos, até dificuldades de transporte público. Falta de tempo e escassez de salas de rua (fora de  shoppings) também foram aspectos levantados na pesquisa como obstáculos ao crescimento do mercado cinematográfico e cultural.

Tais barreiras, associadas ao descompasso entre as preferências e os gêneros oferecidos, convergem para um desequílibrio emblemático constatado no levantamento: 94% dos cariocas gostam de assistir a filmes no tempo livre, mas apenas 68% preferem frequentar as salas especializadas. 

Risos impulsionam grandes bilheterias

Se os filmes de drama ainda são os mais produzidos no país os de comédia são os que mais têm movido espectadores aos cinemas nacionais. Nos últimos cinco anos quase todos os sucessos de bilheteria — longas que levaram mais de um milhão de pessoas — foram do gênero. Não por acaso, a maior parte desses sucessos é estrelada por atores conhecidos em novelas e seriados da telinha:

Mais de um milhão de espectadores: Crô – O Filme, Muita Calma Nessa Hora, Qualquer gato vira-lata, Divã.

Maias de dois milhões: Os Normais 2, A mulher invisível, Os penetras, E aí...comeu?, De pernas pro ar, Vai que dá certo.

Mais de três milhões: Até que a sorte nos separe, Cilada.com, Meu passado me condena.

Mais de quatro milhões: De pernas pro ar 2, Se eu bfosse você 2, Minha mãe é uma peça.