Isabella Rocha - aplicativo - Do Portal
10/04/2014As desigualdades sociais no ensino, o status do diploma, a carência de técnicos e as cotas raciais e sociais no país foram os assuntos abordados em debate na PUC-Rio. A doutora em sociologia Ângela Paiva, professora do Departamento de Sociologia e Política da PUC-Rio, abordou o aumento expressivo de alunos nas universidades graças à política de cotas. A desigualdade social no país foi uma das questões discutidas pelos antropólogos Roberto DaMatta e Maria Ligia Barbosa, professores da PUC-Rio e da UFRJ, respectivamente.
Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep), em 15 anos as inscrições de universitários passaram de 1 milhão para cerca de 6 milhões por ano no país. A professora Ângela defende a implantação das cotas como política pública adotada, como forma de compensar as deficiências do ensino de base oferecido nas escolas públicas:
– As cotas são importantes para oferecer a esses jovens carentes um espaço nas universidades, algo antes nunca sonhado pela sociedade de baixa renda. Além disso, hoje podemos dizer que é significativa a quantidade de jovens que são os primeiros da família a entrar numa faculdade. Isso reflete as mudanças obtidas, aos poucos, com os projetos governamentais.
A Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e a Universidade Estadual Norte Fluminense (Uenf) foram as pioneiras na implantação do projeto de cotas em 2003. Hoje, o vestibular no país é feito por meio do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que reserva 50% de suas vagas para estudantes que tenham feito o Ensino Médio em escolas públicas, além de negros, pardos e indígenas. Os cotistas recebem uma bolsa auxílio, que muitas vezes não é suficiente para garantir a permanência dos alunos de baixa renda nas universidades, e por isso muitos acabam abandonando.
– O projeto não pode acabar somente na implantação das cotas. É necessária uma ajuda por parte do Estado na estadia dos jovens de baixa renda nas universidades, como ajuda de custo em material escolar, transporte e alimentação – afirmou Ângela.
A professora Maria Ligia também defendeu as cotas raciais e sociais no sistema de Ensino Superior, por acreditar que é uma ação social que tem o objetivo de integrar alunos excluídos na sociedade.
– Existem fortes críticas que veem a implantação como uma forma de discriminação, de separação de raças. Mas, às vezes, para “desrracializar”, é preciso “racializar”. E no Brasil vejo como o projeto hoje está bem consolidado e divulgado para que seja bem recebido.
O professor DaMatta retomou a questão da baixa qualidade do Ensino Fundamental e Médio e, ao comparar o ensino brasileiro ao europeu, apontou que a segregação racial e social se iniciam nas escolas de base e se intensificam no Ensino Superior:
– No Brasil, existem sérios problemas no ensino infantil, como a falta de professores, infraestrutura não adequada para os alunos e a falta de comprometimento do corpo docente. Na França, por exemplo, as escolas públicas são de excelência, formam pensadores de opinião e cidadãos que têm o verdadeiro conhecimento de direitos e deveres.
Além das cotas no Ensino Superior público, em 2004 foi criado o Programa de Universidade para Todos (Prouni), pelo Ministério da Educação. Ano passado, a primeira convocação foi de 159 mil alunos da rede pública. A PUC-Rio é uma das instituições que recebem os alunos.
– O Prouni dá ao aluno de escola pública a chance de sonhar em estudar em uma faculdade particular. Há 20 anos isso era quase impossível, porque o ensino público não preparava e ainda não prepara o aluno para passar no vestibular das escolas superiores. Mas graças a essa ação é possível que os alunos tenham a isenção das parcelas mensais das universidades particulares – afirma Ângela.
Questão Racial
Para DaMatta, a desigualdade social é uma consequência das hierarquias sociais do país:
– Somos de uma sociedade escravocrata, que era dividida em classes, e temos reflexos disso até os dias de hoje. O preconceito não acabou por causa da criação das cotas; pelo contrário, para muitos, até se intensificou. A história do Brasil é simples, o preconceito da cor é escondido pela sociedade e surge o problema na economia. Onde nem todos têm o mesmos direitos, pois o fator cor ainda é relevante para arrumar um emprego, pedir um empréstimo ou até estudar em colégios particulares.
Os três especialistas concordam com a ideia de que o Brasil está preso a padrões e a convenções raciais e sociais. E apontam a desigualdade social como o maior efeito gerado por essa estagnação da sociedade brasileira.
– As desigualdades nas universidades refletem as diferenças sociais e as profissionais. Nosso sistema funciona de forma perversa – acrescentou Maria Ligia.
Ângela, que também faz parte do Núcleo Interdisciplinar de Reflexão e Memória Afrodescendente (Nirema) da PUC-Rio, apontou que, historicamente, negros que ascenderam no Brasil esquecem suas origens e não lutam por igualdade racial, diferentemente daqueles dos Estados Unidos, onde há orgulho da raça negra e suas origens.
– O negro esquece sua origem aqui no Brasil, porque ser negro no país é vergonhoso dentro da perspectiva dele. Isso ocorre devido a uma falta de política pública da valorização do negro, que faz parte da nossa cultura. Claro que, aos poucos, podemos ver algumas políticas sendo feitas, mas ainda é um trabalho de formiguinha.
A pesquisa do Ipea, feita em 2000 mostra que as universidades públicas têm somente 20% dos alunos de escolas públicas, enquanto 80% dos alunos vêm das escolas particulares. Ângela ressalta a predominância de alunos de colégios particulares nas universidades públicas.
– Há uma forte predominância de alunos do Santo Agostinho, São Bento, São Vicente, porque são colégios de ensino de excelência. Com isso, acaba havendo uma forte disparidade com o número de alunos das redes públicas.
Uma questão abordada por DaMatta é diversidade social como fator não muito discutido antigamente na antropologia. Mas deve ser entendida para que haja uma melhor compreensão nas diferenças sociais e raciais brasileiras.
– As diversidades devem ser entendidas para que possamos traças um conceito das desigualdades no país que têm reflexos até hoje. Devemos entender o período escravocrata que vivemos e a ditadura, na qual houve uma maior intensificação de divisão de classes no país.
A professora Maria Ligia critica a entrada de jovens nas universidades. Ressalta que ainda no Brasil há uma forte preferência pela escolha de áreas da graduação que agregam status. Cursos de direito, medicina e engenharia civil são vistos com grande mérito pela sociedade.
– Os saberes modernos são deixados de lado por uma questão de seguir padrões, criando um efeito da desqualificação da experiência, ou seja, quem não é graduado não tem tanta credibilidade – critica a especialista. – É dada preferência por cursos tradicionais, e isso gera carência de cursos técnicos.
O curso técnico teve um incentivo no período do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a partir dos anos 2000. A Fundação de Apoio a Escola Técnica (Faetec) teve 10 mil inscritos no processo seletivo do ano passado. No entanto, Maria Ligia defende que, mesmo com os incentivos gerados pelo Estado, não é expressivo o número de jovens que se aplicam para os cursos técnicos, pois, ainda hoje, os cursos superiores continuam sendo a preferência para quem quer um curso profissionalizante com status.
– A forte razão da escolha pelo ensino superior é fundamentalmente o salário, e os cursos técnicos ainda são vistos somente como cursos complementares. Mas o Brasil tem carência de mão de obra técnica, futuramente seremos obrigados a importar mão de obra estrangeira.
Maria Ligia crítica o sistema de trabalho no Brasil e observa as maiores mazelas do mercado segundo ela são: ineficiência na produção, falta de inovação e poucos registros de patentes.
– Criamos uma universidade dos coronéis. Transformamos doutores dos saberes nos antigos coronéis que dominavam com autoridade uma parte da população não letrada – critica a especialista.
A socióloga Maria Ligia aborda sobre a questão do conhecimento. Ela defende que a entrada dos jovens nas universidades não é devido à busca pelo saber, mas pela necessidade de status, de um diploma reconhecido pela sociedade que ainda vive em torno dos padrões e convenções de muitos anos atrás.
– Os bacharéis têm privilégios e são reconhecidos com mérito. O resto (técnicos) ganha menos e não são tão reconhecidos. Perde-se a ideia da importância do conteúdo do saber. Os diplomas superiores teriam um valor meramente posicional, e não a relevância do conhecimento – sustenta.
No entanto, Ângela Piava descorda da afirmação da especialista, pois acredita que o problema não está ligado a procura por status, mas sim pela a profissão que fornece melhor estabilidade financeira.
– Acredito que as pessoas optam por cursos “tradicionais”, pois eles proporcionam melhores salários, para que exista uma maior segurança financeira. E levando em conta o contexto em que vivemos muitos desses jovens que iniciam esses cursos são de famílias de baixa renda e têm o objetivo de dar melhores condições para aqueles que vivem com ele.
* Acervo do Núcleo de Memória da PUC-Rio
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