Andressa Pessanha - Do Portal
07/04/2014Se pensávamos que as simples imagens em Full HD já consumavam um avanço intenso da tecnologia cinematográfica, ganha corpo algo, literalmente, maior. As filmagens em 4K de resolução desafiam a concepção tradicional de tamanho e qualidade da imagem. O recurso proporciona uma dimensão quatro vezes maior à do FullHD: 4096x2160 pixels numa tela de cinema e 3840x2160 numa tevê. Mas a principal vantagem, esclarece o fotógrafo Affonso Beato, é o casamento entre um padrão cromático superior ao digital, próxima ao da película, com a rapidez de edição. "Desde que o 4K seja aplicado a um fluxo de trabalho adequado, conhecido como Aces", ressalva Beato, que usou tais atributos na direção de fotografia de O Tempo e o Vento (Brasil, 2013), de Jayme Monjardim. Animado com o pioneirismo, ele enxerga um futuro colorido para o 4K. (Leia a reportagem sobre as principais características desta tecnologia.)
– Fiquei maravilhado. Não só pela câmera que adota a ultraresolução 4K (F65), mas também por inaugurar o processo chamado Aces, que possibilita um melhor aproveitamento do fluxo de trabalho e, portanto, dessa tecnologia – destaca – Desenvolvido pela Academia Americana de Cinema, o processo garante que tudo o que você filmou fique até o fim. Faz a imagem digital ficar no topo, sem perda – explica Beato, em conversa com o Portal, antes da palestra que se seguiu à exibição daquele filme, quinta-feira passada, numa parceria entre a PUC-Rio e a Associação Brasileira de Cinema (ABC).
A fotografia generosa de O Tempo e o Vento mostra que o entusiasmo de Affonso Beato com a nova tecnologia não é excessivo. A aproximação com a qualidade cromática da película, aliada às vantagens dos recursos digitais, abrem caminho para o 4K ganhar a indústria. Pioneiro na filmagem integral de um longa-metragem com a Sony F65, o fotógrafo brasileiro detalha o benefício cromático da inovação:
– A câmera dá a impressão de que se filmou com película. A F65 tem um sensor 8K (quatro vezes superior ao 4K), 16 bits e três canais, de maneira que a transformação da imagem analógica em digital assume uma profundidade de 65 mil cores por cada canal.
Ainda assim, ressalva o especialista, a película reproduz com mais fidelidade a imagem real. Todavia, exige um tempo maior de edição e é mais vulnerável ao risco de perda de material gravado. Como a resolução 4K propicia uma qualidade visual próxima à da película, reduz acentuadamente o risco de reda de material e torna o processo de edição mais rápido e acessível, aposta-se no uso crescente desta tecnologia pelo cinema brasileiro, prevê Beato. Até porque, segundo o fotógrafo, 98% das produções nacionais já são digitais. "À medida que ficar mais acessível, o cinema brasileiro vai adotá-lo", projeta.
O avanço facilita as produções audiovisuais, pois encurta preparo do filme. O acesso à edição, por ser digital, diminui a necessidade de grandes laboratórios e abre a oportunidade de se editar em casa, desde que, claro, haja os equipamentos necessários. Isto significa economia de tempo e dinheiro. "O fazer cinema foi simplificado", sintetiza Beato, em tom de incentivo aos futuros cineastas.
Mal a tecnologia 4K chega ao mercado, já se ensaia o passo adiante: transmitir em 8K. Por enquanto, esta resolução ainda maior segue em teste. Foi usada numa gravação, em janeiro, no Japão, mas espera-se que esteja integralmente disponível para as Olimpíadas de 2016, no Brasil.
Embora ressalte as facilidades da tecnologia digital, ora impulsionada pelo 4K, Beato pondera: é necessário qualificação para utilizá-la "com maestria". Ele adverte:
– Se você não tiver um curso superior, se não tiver informação sobre a área digital, você não vai entender a diferença entre uma (câmera) 4k e 8k. Agora saiu no mercado uma 4k que custa 3 mil dólares e outras que custam 10 mil, 30 mil e 100 mil. Claro que há diferenças entre câmeras com do mesmo tipo de resolução, porque 4k é só a resolução. Não basta ter talento. É preciso estudar, fazer escola de cinema, para se extrair o máximo das novas tecnologias – orienta.
O primeiro filme gravado com a resolução 4K, a câmera F65 e o fluxo de trabalho Aces foi Depois da Terra (2013), do indiano M. Night Shyamalan. Os efeitos visuais, entretanto, não foram produzidos em 4K, o que reforça o pioneirismo cinematográfico de O Tempo e o Vento, gravado inteiramente naquela resolução.
Beato conta que conheceu a novidade "numa palestra" na PUC-Rio, há aproximadamente dois anos, e pouco depois veio ao Brasil (segue carreira nos Estados Unidos desde 1970) para testar a novidade tecnológica em partes da gravação dos desfiles carnavalescos, para a Globo, em 2012. Ele reitera a importância da reciclagem tecnológica:
– Se o diretor quer ser competente e completo, tem que entender dessas coisas. Tem que manter o nível de informação tecnológica sempre em andamento. Eu tenho 73 anos, e não paro de estudar. Eu ensino, mas eu tenho que me atualizar o tempo todo. É uma dinâmica intelectual, de aprendizado constante.