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Rio de Janeiro, 26 de abril de 2024


Economia

Fotógrafos revelam desafios da profissão na era Instagram

Viviane Vieira - aplicativo - Do Portal

06/03/2014

 Viviane Vieira

Com o acesso mais fácil aos smartphones, o avanço da qualidade de imagens produzidas por esses aparelhos e possibilidade de publicação quase instantânea nas redes sociais, fotografar tornou-se uma rotina. Seguno estudo da GFK, os celulares estão substituindo as câmeras digitais: já assumem 90,8% das vendas de dispositivos fotográficos no Brasil. Cerca de 300 milhões de fotos são compartilhadas, em média, por dia, no Facebook. Em meio ao oceano de poses embelezadas por filtros, fotógrafos profissionais descartam a concorrência amadora. Apesar da popularização, avaliam que as competências específicas ainda fazem diferença para o mercado.

Experiente no segmento publicitário, Antônio Luiz Hamdan foi um dos primeiros a utilizar a fotografia digital no país, há 18 anos. Ele diz que nunca teve medo das novidades:

– O digital veio para ajudar, mas depende de quem vai usá-lo. Não se pode confundir uma foto produzida de forma profissional com uma foto de smartphone. Tem um caminho a ser percorrido, tem que estudar. Não é um smartphone, nem uma câmera pequenininha que vai mudar isso – argumenta.

Apesar de não ser considerada uma ameaça por fotógrafos profissionais, a popularização do "clique" impulsionada pela evolução tecnológica dos celulares e pela cultura das redes sociais banaliza o ofício. A falta de critério técnico, combinada ao exibicionismo comum nas fotografias tiradas com smartphones, pode gerar distorções especialmente incômodas a profissionais da área, como Hamdan, especialista em fotos de comida. Ele observa:

 Viviane Vieira – O que mais me incomoda no Instagram são as fotos de comida. É muito comum a gente ver, em restaurantes ou reuniões de amigos, na chegada do prato principal ou da sobremesa, o frenesi de câmeras capturando o visual. Só que a maioria das fotos que vejo fica uma coisa horrorosa. Porque é preciso técnica para isso. Tem que haver um compromisso com a beleza. 

Se por um lado os especialistas da área confiam na valorização das habilidades específicas pelo mercado, por outro a febre dos dispositivos fotográficos deixa uma ponta de dúvida sobre o espaço e as demandas do fotógrafo profissional na era do Instagram. O fotojornalista e professor da PUC-Rio Weiler Finamore lembra que, "para produzir uma boa imagem, são necessárias técnica e intuição". Ele aponta as principais diferenças entre os fotógrafos profissional e amador:

– Entendo que a fotografia é 50% técnica e 50% intuição. Tem gente que usa só a sensibilidade, mas, sem técnica, deixa a desejar. Essa é a principal diferença do fotojornalista profissional para o amador. Esse profissional tem que trazer todo dia (para a redação) uma foto de gabarito. Isso só quem consegue é o profissional. O amador não vai conseguir todo dia uma foto assim, porque não tem a técnica.

A dinâmica dos jornais diários exige dos repórteres fotográficos mais do que técnica. Na busca por flagrantes reveladores, contam também a observação acurada e o desprendimento, sem contar, claro, a sorte. Repórter fotográfico de O Globo, Marcelo Piu afirma que, apesar da contribuição crescente de fotos feitas por dispositivos móveis, o olhar e as imagens produzidas por profissionais seguem imprescindíveis ao trabalho jornalístico: 

– Não se faz a cobertura de uma manifestação, nem fotos de matérias especiais com smartphone. Pois a diferença principal não está na qualidade tecnológica, e sim no olhar, no compromisso e na técnica empregada pelos fotógrafos profissionais.  

Em alguns casos, softwares de tratamento e publicação compensam, até certo ponto, as perdas de qualidade de imagens feitas por amadores com aparelhos móveis. Essas espécies de corretores atraem cada vez mais adetos e respondem, em parte, pela explosão da fotografia disseminada quase de forma automática na internet – mania cujas variações e desdobramentos reforçam a necessidade de se refletir sobre o excesso de exposição na qual mergulha a nossa sociedade. 

Com apenas um clique, tais recursos dão um toque artístico a imagens banais, camuflam defeitos, deixam as fotos de celular, digamos, menos amadoras. Para Finamore, o Instagram é a cereja do bolo para os leigos, mas não substitui "a verdadeira" composição fotográfica:

– Além de ter todo recurso digital na fotografia, o Instagram é uma espécie de cereja em cima do bolo. De repente, quem não tem técnica e muito menos sensibilidade transforma a fotografia numa obra de arte. Essa facilidade é atraente, mas acho que vai prevalecer o fotógrafo e a boa fotografia. Um exemplo bem claro disso é que a fotografia é feita do mesmo jeito há mais de 160 anos. É ter sensibilidade no olhar, ter um bom enquadramento e clicar na hora certa. É a intuição somada a uma técnica bem apurada. O Instagram é uma tentativa de simular isso. 

Democratização e banalização

Em que pesem as mudanças profissionais, sociais e econômicas decorrentes da onda da fotografia instantânea, disseminada nas redes sociais, a democratização dos recursos imagéticos facilitou o registro de momentos importantes, curiosos, prosaicos. Para o também fotojornalista e professor da PUC-Rio Paulo Rubens Fonseca, representa uma conquista: 

– A leveza e o tamanho reduzido desses equipamentos permitem uma genuinidade da obtenção de imagens que não se conseguiria com uma câmera profissional, porque você se evidencia como fotografo e muda o cenário. As pessoas fazem caras e bocas, se incomodam – observa.

Já Piu vê na mobilidade outro aspecto positivo:

– Não acredito que a instantaneidade seja ameaça para o fotojornalismo. Acredito que até ajuda, pois temos informações de outros lugares em que não podemos estar.

 Viviane Vieira Se a tecnologia estreitou os laços entre o indivíduo e a fotografia, também insinua uma banalização da cultura visual. Hamdan acredita que a intensa rotatividade de informações visuais proporcionadas pela dinâmica das redes sociais prejudica a apreciação das artes fotográficas:

– Um dos defeitos desses aplicativos é o não parar para admirar. As pessoas vão a uma exposição e só olham. Às vezes param, olham mais um pouco porque é muito bonito e vão embora. Se pudessem, dariam um like e só. É muito descartável.

Na era da fotografia analógica, era impossível refazer a mesma imagem. Na era digital, a possibilidade de apagar, modificar e refazer a imagem favorece, teoricamente, não só a qualidade mas a quantidade de fotos produzidas. Forma-se um congestionamento de imagens, propagadas diariamente aos milhões, o que pode prejudicar a percepção, alerta Fonseca:

– A apreciação que uma imagem bonita deve ter fica comprometida pelo excesso de coisas maravilhosas que se apresentam a qualquer cidadão diariamente. Antigamente se via 2, 12, 36 fotos. Hoje, as pessoas usam o smartphone e mostram fotos repetidas numa quantidade tamanha que a capacidade visual se limita.

A banalização das imagens periga desdobrar-se em banalização do ofício, acrescenta Finamore. O professor prevê, no entanto, que esse turbilhão visual se converta em oportunidade para os profissionais:

– Num primeiro momento, é uma espécie de banalização da imagem. O advento digital facilitou o acesso à fotografia e todo mundo “virou” fotógrafo. O lado ruim é essa avalanche de imagens jogadas na mídia, produzidas sem critério e sem técnica. O lado bom é que quem sabe fazer fotografia vai se destacar nesse oceano de imagens ruins.

Com a capilaridade de flagrantes ampliada exponencialmente pelos dispositivos móveis, o fotojornalismo está, como se diz, revendo os conceitos nas coberturas diárias. “As imagens que saem dos eventos emergentes são feitas por amadores. Isso é uma tendência irreversível, e é uma perda para o fotógrafo profissional”, avalia Paulo Rubens Fonseca. Ele explica:

– Para o profissional de jornalismo fotográfico, aconteceu uma tragédia, no meu entender. Gerar imagens com impacto e emoção significava captar um momento de explosão, de um ato violento, por exemplo. Hoje esta não é mais uma atividade exercida pelo profissional de fotografia, porque antes de a equipe fotográfica chegar ao local já foram geradas imagens do flagrante. Elas chegam em tempo real às redações, não há como substituir. Ainda que sejam não raramente imagens pouco nítidas, têm o apelo do momento exato em que o fato importante aconteceu. 

Mercado em desenvolvimento

Movido pelas novas tecnologias, o número de fotógrafos que se lançam ao mercado tem aumentado. Parte dessa nova geração tem, na opinião de profissionais e professores da área, desvalorizado o ofício. Traços de um segmento ainda em desenvolvimento, ressalta Finamore :

– São poucos os que hoje vivem 100% de fotografia. É um mercado ainda em desenvolvimento. Porque todo mundo é fotografo no digital. Fazem um trabalho até bem feito e cobram um preço muito abaixo do mercado. Algumas campanhas alertam esses fotógrafos para não desvalorizarem seus trabalhos, porque prejudicam o valor do mercado. 

 Viviane Vieira Num mercado em expansão, ou em transição,  Finamore destaca também o reposicionamento do fotojornalismo para superar a concorrência de flagrantes feitos pelo exército de smartphones sempre atentos nas ruas:

– O fotojornalismo incorporou várias linguagens. Não se faz apenas o flagrante, o momento decisivo. Tem produção, pós-produção, maquiagem, montagem de cenário, para gerar informação que vai para a capa de um jornal ou revista. Então, a própria fotografia e o fotojornalismo estão ganhando acessórios e recursos que o tornam mais atraentes não só do ponto de vista da informação, mas do ponto da vista da arte.

O aumento da quantidade de fotógrafos oxigenado pelos recursos digitais jamais esvaziará a importância de aspectos como a experiência e o reconhecimento profissional do mercado, diz Hamdan. Tais atributos, assegura, ainda se revelam um trunfo na hora da contratação de "um bom fotógrafo, independente da especialidade". 

– Os clientes estão percebendo que sempre vale a pena contratar um fotografo profissional, que estudou, viajou, vai a museu, que conhece e entende de luz. Porque fotografia é escrever com luz, e são poucas as pessoas que têm esse dom. Quem contrata tem de saber se o fotógrafo entende de luz, ver o portfólio, as referências, os clientes que ele atende. Porque isso tudo é uma vivência – argumenta.

A concorrência, maior ou menor, com os novos cliques disparados por smartphones é insuficiente para imprimir em profissionais e especialistas no assunto uma visão pessimistas sobre os rumos da fotografia profissional. Pelo contrário, eles preveem um horizonte aquecido pela facilidade de aquisição de equipamentos, a criação de faculdades de fotografia e uma grande procura por especializações. 

– Eu diria que é um mercado promissor – projeta Finamore – Tanto para o fotografo de pequenos eventos, quanto para o profissional de grandes revistas e jornais. Até mesmo a criação de cursos de graduações indica um processo natural de desenvolvimento da profissão.

Instagram proporciona e incentiva profissionalização

A pulverização de imagens nas redes sociais constitui, em alguns casos, uma janela nada desprezível para o mercado. Assim experimentou Carlos Henrique Brasil, economista formado pela PUC-Rio e amante da fotografia. Ele conta que "sempre fotografou, mas guardava suas fotos". Até que, por insistência dos amigos, criou uma conta no Instagram. Tornou-se um dos brasileiros mais populares do aplicativo, com quase 1,2 milhão de seguidores.

– Decidi postar minha primeira foto no dia 1º de janeiro de 2013. Comecei a estudar o comportamento da rede, das hashtags, dos melhores horários para postagem, para descobrir pessoas que compartilhavam o mesmo hobby. A partir daí, minha conta começou a estourar em seguidores e curtidas. Em quatro meses, já tinha mais de 400 mil seguidores. Hoje, dos 1,2 milhão, pouco mais de 50% são estrangeiros.

 Arquivo Pessoal À popularidade na rede, Carlos Henrique somou o investimento em investimento em oito cursos de fotografia e equipamentos. Também ficou mais criterioso quanto ao material postado. Logo vieram os convites para exposições e palestras: 

– O peso de receber muitas curtidas por foto e ser convidado para fazer exposições e ministrar palestras me tornou muito mais criterioso com relação ao que postar. Por isso, me matriculei em diversos cursos de fotografia, para aprofundar meus conhecimentos e adquirir um lado técnico que me faltava. Também investi pesado em equipamento.

Apesar de (ainda) não ganhar dinheiro com as fotos, as imagens rendem ao economista mais do que curtidas:

– Com a rede, pude participar de encontros fotográficos, compartilhar fotos e conhecer novos olhares, culturas e expressões artísticas. Além dos convites para exposições, palestras e festivais de fotografia, já ganhei concursos e tive diversas fotos vendidas e impressas em revistas e jornais de grande circulação no país. Tenho fotos expostas em galerias no exterior e já ganhei viagens nacionais e internacionais para fotografar. Acabei de retornar de uma delas, à cidade de Yellowknife, para registrar a Aurora Boreal.