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Rio de Janeiro, 24 de abril de 2024


País

Jornalistas cobram menos violência e mais recursos

Jana Sampaio e Júlia Cople - aplicativo - Do Portal

07/02/2014

 Arquivo Portal

Os desafios do jornalismo investigativo transcendem a já intrínseca dificuldade de obter informações: mesmo quando se tem uma história, falta a segurança — física, psicológica, judicial — para acompanhar o rastro da notícia. Ainda que haja proteção dos repórteres e das fontes, faltam ainda melhores recursos para subsidiar o trabalho. Assim avalia boa parte dos profissionais do Brasil e do exterior que participaram da conferência organizada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) na PUC-Rio, na semana passada. Em tempos de aumento da violência contra jornalistas e de crise — econômica e representativa — de grandes veículos da imprensa tradicional, tais empecilhos renovam o debate sobre o futuro do gênero. Para especialistas em comunicação, a saída está na coordenação entre "comunidades de escala global" para o intercâmbio de informações e de verbas, com a adoção, por exemplo, de um fundo comum de investimentos. Tão importantes quanto este modelo cooperativo, apontam, revelam-se o uso de inovações tecnológicas e o suporte jurídico.

repórter investigativo da TV Globo Eduardo Faustini observa que, depois de consolidada a reportagem, a assistência jurídica assume papel preponderante. Já Chico Otávio, d'O Globo, reconhece que o medo de processos judiciais mostra-se ainda um dos obstáculos ao avanço do jornalismo investigativo. Deixa, à espreita das redações, o fantasma da autocensura:

— Hoje o que emperra [o jornalismo investigativo], além da falta de espaço e investimento, é a tentativa de impor uma autocensura nas redações pelo medo de uma ação se reverter em indenização. Pensar a assistência jurídica é fundamental para o futuro do gênero, até para que pequenos e médios veículos possam investigar — propõe.

 Divulgação / Victor Sena Mas a colaboração considerada crucial ao ofício transcende a esfera interna das corporações e o campo jurídico. Para o fundador e editor-executivo do Workshop de Reportagem Investigativa na Universidade Americana, Charles Lewis (foto), tornam-se exemplares iniciativas como o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos e a Associação Brasileira de Jornalistas Investigativos — que recebeu repórteres do mundo inteiro na PUC-Rio para a 8ª Conferência Global de Jornalismo Investigativo. Ele aponta a necessidade de aumentar quantidade de organizações em que profissionais de diferentes veículos trocam experiências, contatos e até formas de captação de recursos. Lewis diz que o intercâmbio com as universidade e instituições de pesquisa é igualmente relevante:

— Os acadêmicos deveriam ser base voluntária das reportagens, pois a academia exerce o papel de promover informação universal. Mídia e a academia não se bicam em alguns pontos, mas já estão colaborando uma com a outra. Precisamos de mais — reforça.

Outra possível fonte de cooperação são as Organizações Não-Governamentais. A editora do jornal costa-riquenho La Nación, Giannina Segnini, pondera que, embora a relação entre os veículos de comunicação e as ONGs esteja mais estreita, deve-se estabeler limites sem os quais conflitos de interesse podem ameaçar princípios jornalísticos — supostamente voltados ao bem-comum, não a propósitos particulares. 

O debate em torno da ameaça à autonomia da investigação jornalística por "outros interesses" escorre para financiamento da atividade com verba pública. Para uns, subsídios assim põem em xeque a legitimidade do meio de comunicação. Para outros, como o jornalista Tom Giles, editor do programa Panorama da rede britânica BBC, sustentada por capital público, o modelo não arranha a "total independência" aplicada na produção e veiculação de notícias. Diz até que o Estado, inclusive, de ajuda os veículos fragilizados pela crise econômica. A diretora-adjunta da ICIJ Marina Walker é categórica ao reprovar a união imprensa-Estado:

— Não fazemos parceria com o governo. As autoridades deveriam investigar as histórias que nós investigamos. Não somos um braço do Estado. A saída é mesmo o envio de informações de uns veículos para os outros, até de outros países, que podem fazer melhor uso do dado.

Enquanto procuram melhores caminhos para assegurar autonomia, recursos e amparo jurídico, ingredientes indispensáveis ao jornalismo investigativo, profissionais da área tentam reforçar o vínculo com o consumidor de informação, desgastado pela percepção, indicada nas manifestações de junho no país, de um descompasso entre o conteúdo noticiado e o interesse público. Alguns acreditam que a relação entre a mídia e o público constitui-se também um antídoto contra a censura de informações em regimes ditatoriais e, digamos, democracias mais frágeis.

— Na China, onde a mídia é muito controlada, a internet é lugar de expressão e oferece até cursos de jornalismo investigativo para leigos. Os celulares são baratos e o governo chinês não consegue superar a tecnologia. O elo com a multidão é muito importante — preconiza a pesquisadora Ying Chan, do Centro de Jornalismo e Estudos de Mídia da Universidade de Hong Kong.

Embora concorde que a formação de uma comunidade global dedicada à cooperação de esforços para a investigação jornalística seja um caminho interessante para mantê-la saudável, Giannina propõe também uma melhor qualificação. Ela aposta na ciência e na muldisciplinaridade como formadoras de uma nova geração de repórteres investigativos:

— É preciso entender e aprender a chamada linguagem dos nerds, referente a cientistas e desenvolvedores. Precisamos de equipes pequenas, mas multidisciplinares. Os jornalistas contribuem com a paixão, a intuição por notícia e a narrativa, enquanto programadores trazem a disciplina, o conhecimento e as ferramentas.

"Papel do jornalista é informar, e não ser extensão da Justiça", diz Faustini

As condições precárias de segurança e a violência insurgentes em regimes autoritários (o Iraque lidera o ranking da impunidade aos crimes contra comunicadores) também são observada, em menor escala, em sociedades democráticas como o Brasil, que ocupa a 11ª posição. Aqui o volume de casos associados a esse tipo de agressão dobrou dobrou nos últimos 12 meses, de acordo com o Relatório para a Liberdade de Imprensa, divulgado pela Associação Brasileira de Empresas de Rádio e Televisão (Abert).

Uma das razões para o número crescente de agressões a jornalistas. Neste ano, somam-se cinco assassinados no Brasil e outros 29 no mundo, além de 163 sequestrados e presos. A maioria dos crimes teve a participação de milícias, traficantes ou oligarquias políticas e fundiárias, sobretudo no Nordeste, revela o estudo da Abert. Segundo especialistas, a impunidade é um dos principais motivos da alta incidência. Desde 1987, quando o levantamento começou a ser feito, o país já contabiliza 43 mortes e 147 desaparecimentos de repórteres. O caso mais recente ocorreu em julho deste ano, quando o radialista goiano Valério Luiz de Oliveira foi morto em frente à emissora em que trabalhava.

Para diminuir a violência contra jornalistas, que cresceu 166% em 2012, em relação ao ano anterior, a ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, confia na coordenação de iniciativas entre o governo, a universidade e as empresas de comunicação. Ela lembra que, desde o inicio do ano, a questão é discutida por um grupo da Comissão de Direitos Humanos.

— O direito à liberdade de expressão e a prevenção e enfrentamento das ameaças que sofrem os jornalistas é responsabilidade do Estado. Quando os profissionais são ameaçados e tentam impedir seu trabalho, existe aí um ataque à democracia — reconhece a ministra.

Tentativas de controle da imprensa por governos ainda são, no entanto, relativamente comuns. Pressões políticas  articuladas, em alguns casos, com artifícios judiciários — e econômicas atravessam o caminho de reportagens investigavas mundo afora. Mauri Konig, editor da Gazeta do Paraná, compara o cerceamento do qual supostamente seu seu jornal foi vítima com a pressão feita pelo governo de Cristina Kirchner, na Argentina, ao grupo Clarín. Para Konig, a publicação paranaense sofreu censura retroativa, "inédito no mundo": teve de apagar tudo o que já havia publicado sobre Clayton Camargo, ex-presidente do Tribunal de Justiça do Paraná.

 Há cerceamento no Brasil. A Gazeta, assim como o Estadão, foi impedida de mencionar o nome e publicar qualquer coisa a repeito de José Sarney. Isso é censura judicial. 

Em países da África e do Oriente Médio, o trabalho do jornalista é ainda dificultado por restrições ao acesso à informação e por uma "Justiça falha", avalia o jornalista investigativo Anas Aremeyaw, de Gana. Para ele, esse papel vai além o de prover informações:

 A Justiça não funciona. A gente denúncia e quantos vão para a cadeia? — desabafa — Sou formado em Direito. Quando entro em uma reportagem, é para ter certeza de que os criminosos serão punidos. Mas nenhuma história vale uma vida. Só participo se o protocolo estiver certo, assegurado pela mídia para a qual cedo o material — ressalva.

Por outro lado, Faustini lembra que o dever do jornalista de informar não pode ser confundido com o da Justiça:

— O dever do jornalista é informar, não garantir que o denunciado seja preso. Isso é com a Justiça. Mas entendo que a realidade dele seja diferente da nossa. Meu trabalho não tem retorno. Não tem sessão "erramos". Já sofri atentados, vivo com segurança 24 horas, carro blindado e já tive que deixar o país de repente por ameaças. Não tem retorno.

Relator da ONU: “O Estado insiste que a violência não está associada ao trabalho do repórter"

A falta de esclarecimentos em relação a crimes cometidos contra aos jornalistas faz crescer também a impunidade observada em cerca de 90% dos casos do gênero no mundo, afirma o relator especial para Liberdade de Opinião e Expressão da Organização das Nações Unidas (ONU), Frank La Rue. Ele considera a violência, amparada pele impunidade, ums dos principais entreves à investigação jornjalística e ao acesso às informações, ao lado da censura:  

— Cada caso de violência contra a imprensa não investigado pelo Estado é um convite para perpetuação desta violência. O Estado insiste que a violência não está relacionada ao trabalho de repórter, o que não é verdade — critica  É preciso que autoridades se responsabilizem em impedir a censura aos meios de comunicação.

Para boa parte dos profissionais da área, ações penais contra a classe tornam-se  mecanismo utilizadaos por empresários e agente públicos como forma impedir a publicação de denúncias. O jornalista Mzilikazi wa Afrika, do britânico Sunday Times, recorda que ficou preso por três dias depois de publicar artigo em que questionava os gastos excessivos do governo com a Copa do Mundo na África do Sul, em 2010. Acabou processado pelo Estado.

O descompasso não raramente observado entre os interesses de agentes públicos e de veículos de comunicação costuma gerar tensões cujas consequências assumem gravidades distintas de acordo com fatores como o modelo de poder e o arbaçouro democrático e jurídico. Mzilikazi wa Afrika ressalta que, em alguns países, o Estado deixa de amparar o jornalista quando a investigação pode respingar no governo:

— Quando um jornalista cobre casos de corrupção e abusos de poder cometidos por órgãos públicos, o profissional é visto como inimigo e fica vulnerável. É preciso que o Estado assegure a integridade do profissional e não se comporte como autoritário.   

Charles Lewis: "Precisamos pensar em escala global e criar rede de financiamento"

A disponibilidade de recursos é apontada por dez em dez profissionais e pesquisadores da área como um alicentes essenciais para resguardar a autonomia e a segurança indispensáveis ao garimpo jornalístico, sobretudo aqueles associados a denúncias. A participação de verba pública em organizações dedicadas ao jornalismo investigativo é, naturalmente, questionada por boa parcela dos analistas e repórteres, pois aumentaria o risco de censura ou controle de informações. Embora os especialistas ressalvem que não há modelo ideal de financiamento, a cooperação global é quase uma unanimidade.

A inexistência de um programa mundial poara o financiamento de jornalismo investigativo intriga Charles Lewis. Na avaliação do professor e editor-executivo do Workshop de Reportagem Investigativa na universidade americana, é preciso pensar em escala global e criar uma rede de financiamento "para que mais pessoas tenham acesso à informação".

O crescimento de veículos de informação sem fins lucrativos dinamizam o modelo de financiamento. Considerada por muitos uma das representantes dos jovens que foram às ruas nas Jornadas de Junho, a Mídia Ninja desistiu do modelo de crowd-funding (espécia de vaquinha pela internet). Bruno Tortuga e outros componentes do formato de mídia independente dizem que estão repensando o projeto e a melhor maneira de financiá-lo, questão ainda não resolvida. Para Tom Giles, da BBC, veículos maiores precisam colaborar comm aqueles que "estão lutando para existir":

— Há muita competição com a web e as redes sociais. Os veículos com menos recursos estão ameaçados. Bons jornalistas estão indo para plataformas do Youtube que têm financiamento privado.

Tecnologia auxilia novos formatos e investigação, mas não exclui métodos tradicionais  

O avanço tecnológico lubrifica esse cenário em duas frentes: como ferramentas do processo de investigação jornalística e como suporte, e inspiração, para novos formatos de comunicação. A disseminação de notícia pela internet era inevitável, constata Charles Lewis. No caso da China, a popularização da web 2.0 adquire formas de luta social. "Os celulares são baratos e o governo não consegue controlar esse sistema, que se transforma em um espaço de expressão em meio à censura", salienta Ying Chan. Plataformas como os canais de notícias do Youtube simbilizam o salto da informação em rede.

A Mídia Ninja, que se tornou o mais recente sinônimo de jornalismo alternativo, usou o Twitter para divulgar o desdobramento dos protestos de junho, transmitidos em tempo real. Logo no primeiro dia desse formato, foram seis horas e meia ininterruptas e 90 mil espectadores. Torturra ressalva que "o material ainda não agrada totalmente":

— A resolução do vídeo é baixíssima e o som falha muitas vezes. Os espectadores só toleram porque está ao vivo. Mostra disso são as 50 mil visualizações, em média, que recebemos durante a manifestação e apenas oito nos dias seguintes.

Quem também reclama dos aparatos tecnológicos é Eduardo Faustini, da TV Globo. Segundo o repórter, as microcâmeras utilizadas por ele quando se infiltra em algum grupo investigado não têm a qualidade ideal. Mas nesse embate entre a egnheria e o jornalismo, prevelece a relevância da reportagem, pondera.

Em busca de inovação da cobertura jornalística, a TV Folha aposta na produção de minidocumentários. Editor da plataforma, João Wainer afirma que o objetivo é adquirir "uma personalidade própria", alheia aos moldes ortodoxos do telejornalismo. "Desde 2011, nosso objetivo é criar peças com fotografia mais elaborada, com trilha musical específica, uma nova linguagem", sintetiza. Para produzir o primeiro minifilme sobre as manifestações de junho, a TV Folha recorreu aos drones (aviões não tripulados), que capturam a imagem da multidão sob uma perspectiva diferente de tomadas aéreas feitas de helicóptero.

Nessa cobertura, a tecnologia foi adotada para "ampliar a visão do público", destaca Wainer. Já na investigação dos Offshore Leaks, os recursos tecnológicos ajudaram ao processo de garimpo de informações, observa a diretora-adjunta do ICIJ, Marina Walker:

— Havia 30 anos de e-mails e documentos. Nosso sistema era precário e muitos (arquivos) não abriam. A Nuix decidiu investir no trabalho e cedeu o software para o processamento de informações, que custaria, no mercado, US$ 7 mil por usuário. Foi um passo muito importante.

Giannina pondera, contudo, que os benefícios dos aparatos tecnológicos, tanto para a forma quanto para o conteúdo colhido, não deve desvirtuar o principal foco da investigação jornalística: a história propriamente dita. Antes de pensar nas ferramentas, é importante verificar o que se quer extrair com a ajuda delas. Torturra acrescenta que as novas tecnologias não excluem os métodos tradicionais de apuração, mais adequados em determinadas circusntâncias. Ele alerta: em alguns casos, o aparato tecnológico pode jogar contra:

— A gambiarra, o jornalista à paisana, o celular para gravar, tudo isso é adequado para o ambiente não mudar. As pessoas viram personagens ou hostilizam quando se deparam com grandes equipamentos. A naturalidade é fundamental.