Mariana Totino - aplicativo - Do Portal
30/01/2014Em tempos de gradual diminuição de vendas de discos compactos de música, setores digitais têm maior participação nas receitas das gravadoras e sustentaram, inclusive, o primeiro crescimento em 15 anos da indústria fonográfica no mundo. Apesar das barreiras à economia digital no Brasil, como gargalos no acesso e na regulação da banda larga, as cifras geradas com a venda de música pela internet, incluindo para celulares, cresceu cerca de 20% no Brasil. Com grandes operadores internacionais de streaming de música – serviços que armazenam música em nuvem – como o Deezer e o Spotify passando a atuar no mercado brasileiro, a Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD) prevê aumento de assinaturas de serviços de licença digital este ano. Para a Sony e a Universal Music, a expectativa é de crescimento em todo o segmento on-line. Ainda segundo a ABPD, houve aumento de 83,1% em receitas digitais no ano passado e a participação desse segmento foi de 28,37% na renda das gravadoras.
No último relatório da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), a internet foi apontada como o caminho da recuperação das gravadoras. Em 2012, as receitas com serviços patrocinados por publicidade – como Youtube e Vevo –, downloads e adesões a serviços digitais licenciados cresceram em torno dos 9%, enquanto as vendas de mídia física caíram 5% no mundo. Enquanto a venda de mídia física já foi superada em países como os Estados Unidos – o sexto, 50 posições à frente do Brasil, em facilidade de acesso, transações on-line entre consumidores e empresas, e em oferta de conteúdo digital, segundo ranking de maiores economias digitais, feito pelo Boston Consulting Group –, por aqui isso pode demorar um pouco. Discos compactos de música ainda correspondem a mais da metade do faturamento das gravadoras com vendas. De acordo com a ABPD, em 2012, o faturamento on-line chegou a mais de R$ 110 milhões, ainda abaixo dos R$ 172.383.072 obtidos com a venda de discos. Um exemplo deste cenário em mudança é o álbum de quatro faixas (EP) Esse cara sou eu, de Roberto Carlos, lançado em 2012 pela Sony Music, que já vendeu 1,7 milhão de cópias e teve mais de 500 mil downloads.
De acordo com o analista de marketing digital na Sony Music Túlio Brasil, o mercado sonoro digital ainda está longe de alcançar o limite. Nos Estados Unidos, continua crescendo e no Brasil, esta é uma tendência para os próximos anos, embora seja possível observar modelos de negócios nessa direção.
– O interesse por música nunca irá desaparecer e o mercado de venda física ainda é muito grande no Brasil. Temos artistas que venderam mais de 1 milhão de cópias físicas em 2013. Estaremos presentes por meio de streaming ou download. Criamos e divulgamos playlists em redes sociais. Já existem no país diversos tipos de modelos de streaming pagos pelo usuários ou por publicidade. Mas, é claro que a vinda de grandes gera muita expectativa. Nos modelos pagos por publicidade, o usuário tem acesso gratuito, porém limitado ao conteúdo e quem paga a conta são as empresas anunciantes.
A gravadora, que tem forte presença nas redes sociais (são 5 milhões de fãs no Facebook, 1 milhão no Google Plus, 170 mil seguidores no Twitter e 25 mil no Instagram), criou ano passado um selo de distribuição digital. O artista passa a contar com distribuição e marketing do seu álbum em plataformas como iTunes, Vevo, Rdio, Deezer e Spotify. Além disso, a gravadora adotou a liberação de conteúdo na internet para adiantar lançamentos, como o álbum da cantora americana Beyoncé, em dezembro de 2013 no iTunes.
Já na Universal Music, quase a metade das vendas da vem do mercado digital, além de representar 30% das participações no setor. Entre os produtos mais vendidos estão os downloads a la carte de álbuns e singles (faixas únicas). Lançamentos somente on-line também são realizados, como o do cantor Gustavo Fagundes, que participou do The Voice Brasil 1. Antes das versões da última edição do reality show musical serem vendidas em CD, foram liberadas como singles. Vários deles ficaram entre os dez mais vendidos. São lançados também exclusivamente em plataforma digital, coletâneas exclusivas, álbuns que incluem faixas extras que não estão no disco físico, singles e EPs (álbuns com menos de 7 faixas).
Mesmo otimista, o diretor da área digital da Universal Music no Brasil Danillo Ambrosano ressalta que o mercado de mídia física apresenta resultados estabilizados e há pouca variação em vendas de CD e DVD na gravadora. Segundo Ambrosano, alguns serviços oferecem entraves como aceitar somente cartões de crédito internacionais.
– A internet é um grande facilitador, pois possibilita entregar a música com qualidade e agilidade, em qualquer local que se tenha conexão. Não há necessidade de estoque e/ou horário determinado para que o consumo se realize. Os serviços de música existentes são muito fáceis de usar, e oferecem bons preços. Se tivermos qualidade de conexão (incluindo redes móveis) melhores, mais gente poderá consumir musica digital.
Segundo o diretor geral do Deezer na América Latina, Mathieu Le Roux, os serviços de streaming já são responsáveis por uma boa parcela do faturamento do mercado da música digital tanto mundial quanto local. O Deezer está presente em 183 países e oferece um catálogo com mais de 30 milhões de músicas e o repasse aos artistas depende de contratos com gravadoras.
– Constantemente fechamos parcerias para lançar e promover novos artistas e contamos com uma equipe editorial local que se dedica a explorar novos sons e à ajudar os artistas a chegarem a novos fãs.2013 foi um ano ótimo para a Deezer no Brasil e acredito que o crescimento seguirá constante. Pesquisamos para saber o nível de interesse das pessoas por música no mundo e os dados nos mostraram que o Brasil era o primeiro da lista. Logo que chegamos aqui, o mercado brasileiro se tornou rapidamente nosso segundo principal, estando apenas atrás da França, onde o serviço foi criado. Devido às características geográficas e do 3G/4G não funcionarem como na Europa, desenvolvemos um novo produto que permite ouvir a música sem a necessidade de conexão com internet – afirma Le Roux.
"Netflix" de música
Se a internet permitiu downloads ilegais, hoje ela mesma pode contê-los. Serviços legais de streaming, como o Netflix (de vídeos) ou exemplos como o Napster que começou como ilegal, mostram uma espécie de limitação ao caráter gratuito antes conferido a diversos serviços na rede. Serviços on-line pagos podem oferecer maior confiança (sem riscos de vírus), qualidade de conteúdo e comodidade.
Jornalista e comentarista de cultura Tom Leão prefere ouvir webradio, mas já testou reproduzir música em nuvem. Não sabe dizer se foram aeitos pelos consumidores tanto quanto o Netflix: “Ouço muito mais pessoas falando do Netflix do que de streaming de áudio”, pontua. Mas, até seu filho adolescente conhece e acha legal o modo como os lucros são igualmente entre todos os artistas.
– A única coisa que consigo prever, ainda que de modo não garantido, é que a mídia física vai acabar. Em 20 anos, não estaremos vendo filmes, nem ouvindo músicas, por meio de um aparelho tocador de disco ou coisa do tipo. Games, música, filmes, tudo o mais será via streaming. Hoje, já é possível transmitir filmes até para salas de cinemas de vários países a partir de um mesmo local. Só depende de boa banda larga, sinal de satélite e acertos de catálogos/conteúdos de cada área/país. Estamos no fim de uma era e no limiar de outra, completamente diferente. Temos cada vez mais conteúdo digital oficial e pago – projeta Tom,embora ainda defenda que a pirataria pode ser benéfica: – Compro depois os discos que baixei ilegalmente. Funciona como um teste. Faço isso com filmes, também.
Segundo Túlio Brasil, a consciência de que a pirataria prejudica ou desvaloriza não se tornou uma prática somente entre fãs, o que mudou o perfil do consumidor, para que se interessassem em serviços de licença pagos, foram os constantes investimentos para tornar as lojas e aplicativos mais amigáveis e com preços justos:
– A oferta crescente de serviços legalizados com uma interface amigável, com boa usabilidade, torna mais prazeroso ouvir as músicas em qualquer lugar, descobrir novos artistas, compartilhar nas redes sociais e ter suas playlists onde estiver, sem ter grande espaço para armazenamento. Os serviços legalizados têm um grande investimento, ao passo que serviços não legalizados trazem incertezas. O custo-benefício e as alternativas de compra de música legal vem jogando cada vez mais em prol do consumidor que pode consumir muita música por preços justos, com qualidade e garantindo a remuneração de toda a cadeia da música incluindo artistas e autores. Serviços que oferecem música gratuita ao usuário, mas que são patrocinados por alguma marca ou por anúncios de publicidade, remunerando toda a cadeia e ao mesmo tempo sendo uma alternativa legal a pirataria – afirma o analista de marketing.
Pesquisador de música, que escreve para o blog do O Globo Jam Sessions, além de apresentar programa de mesmo nome na webradio Cult FM, Jamari França destaca que a pirataria aqui também é física, o que não ocorre nos Estados Unidos ou na Europa:
– Aqui pesa ainda a pirataria física. Lá são os downloads ilegais, que também ocorrem aqui. Com a chegada de serviços de assinaturas, seguimos a tendência mundial. Se está crescendo aqui é porque o consumidor está preferindo o download legal, mas as outras formas devem permanecer fortes ainda, como qualquer um pode verificar entre seus amigos. Em vez de baixar ou comprar músicas, o consumidor assina esses serviços e tem milhões de músicas à disposição. Pode montar suas favoritas e deixar na nuvem para ouvir quando quiser, pode tirar e adicionar músicas à vontade. Muitos consumidores não gostam de encher seus aparelhos de arquivos e optam por este formato, que está crescendo bastante.
Enquanto os “catálogos” de opções na internet podem ser diversificados, nas prateleiras não-virtuais não há espaço para o que não é prioridade:
– Artistas independentes que fazem contratos com gravadoras para distribuição de seus álbuns, produzidos por eles mesmos, nem chegam a lojas nas regiões Norte, Centro Oeste e Nordeste, onde a pirataria física tomou conta. O mercado brasileiro físico está muito reduzido para os que não são prioritários chegarem nesses lugares. Interessados tem que comprar nas lojas digitais – ressalta Jamari.
Nem Tom, nem Jamari são assinantes de serviços de streaming de áudio. Mas Tom, por exemplo, sabe usufruir e não abre mão do amplo leque de repertórios liberados na internet. Os catálogos oficiais podem ser restritos aos de certas gravadoras ou certos grupos (tanto em relação a filmes quanto a músicas).
– Eu ainda prefiro achar minha música via torrent mesmo, em comunidades, ou seguindo dicas de amigos. Mas, os grandes grupos dominam o mundo, não só o Brasil. Se você está ligado a um destes grupos e tem seu trabalho divulgado por eles, vai mais longe. Ou, pelo menos, fica mais conhecido.
Em sua coluna na Folha de São Paulo, Ruy Castro frisou que mais de 90% das músicas brasileiras do século 20 estão nas mãos de três grandes grupos internacionais. Castro espera que os discos “físicos” nunca deixem de existir: “São uma mídia maravilhosa. A outra é uma mídia fantasma que, tenho o prazer de informar, nunca usei”.
– Minha preocupação é só com a sobrevivência dos acervos. Ou seja, com a história. Não vejo o Wilson Baptista ou o Ismael Silva – seus herdeiros, claro – liberando “serviços de streaming” para os pterodáctilos que ainda se interessam pela música brasileira – pontua.
Por causa da "derrocada das gravadoras", os artistas passaram a fazer mais shows, acrescenta Tom:
– Li, recentemente, que lá fora, pela primeira vez, as vendas digitais caíram, acho que no Itunes. Por outro lado, a venda de discos de vinil aumentou, ainda que seja pouca em comparação. É um cenário muito instável. O disco hoje é só um cartão de visitas do artista. E nós ganhamos com isso, porque quase toda semana tem alguma atração internacional na esquina, e mais festivais no país. No Brasil, ainda estamos defasados tecnologicamente. A internet aqui é muito ruim, e isso influi na qualidade do streaming de tudo. Abandonarei a TV de vez no dia em que a banda larga aqui for realmente boa de verdade. Mas ainda não me acostumei a comprar música online, ainda prefiro ter o CD fisico, me sinto mais conectado com o artista, do que simplesmente com arquivos.
Internet para cada fase da carreira
Cantores e bandas em início de carreira ou com a fama já conquistada: cada um utiliza a internet à sua maneira. Seja por meio da gravadora, plataformas de streaming, por sites próprios, permitindo dowload gratuito, liberando o álbum completo ou dando um aperitivo.
A iniciativa da banda inglesa de rock Radiohead é a mais citada. Em 2007, o álbum In Rainbows foi liberado na rede, antes de ser lançado em uma caixa com dois CDS e discos de vinil. Os consumidores poderiam fazer o download e pagar o quanto achavam que valia (inclusive não pagar). Entre artistas brasileiros que já aderiram a estratégia semelhante, está a banda Pato Fu. Também em 2007, lançaram em formato digital o CD “Daqui Pro Futuro” na UOL Megastore, para só depois ser vendido em CD. O músico John Ulhoa, do Pato Fu, lembra da experiência:
– Logo vimos que as pessoas queriam mesmo era "a música que estava tocando no rádio". Ainda mantemos um seção de download de raridades no site, mas os álbuns foram sendo colocados em lojas virtuais junto com todo o fluxo nesse sentido que aconteceu nos últimos anos. Hoje em dia isso já é bem comum e parece bem natural (e mesmo inevitável) que seja assim. Muitos artistas já vendem mais no digital do que no físico. O problema é que não se vende quase nada no físico, então isso não quer dizer muita coisa em cifras. A venda no digital vai só crescendo, mas é difícil chegar aos patamares da época "de ouro" dos CDs e LPs.
Para John Ulhoa, há uma causa nova para lutar e tornar a experiência cada vez mais viável:
– Eu gosto da ideia do streaming grátis (ou quase grátis) pro ouvinte mas remunerado pros artistas, pagando direitos, como uma rádio normal paga. Mas tenho visto inúmeros artistas pulando fora desses serviços alegando que o que pagam é muito pouco. Eu sinceramente acredito que lutar pra remunerar decentemente o streaming é uma causa muito boa. Acredito que é controlável tecnicamente o número de execuções. E então o pagamento é proporcional, baseado no lucro com anunciantes. Rádios normais sempre tiveram esse custo com o lado autoral, são empresas que geram lucro, não é diferente com o Spotify e similares. Então, se está claro que é justo que se pague, a questão é: quanto? Pelo jeito, a conta está muito longe de fechar.
Jamari França pondera:
– Se é benefício para a música brasileira, é objeto de discussão, porque pagam direitos autorais muito baixos. Pode ser benéfica pela divulgação de músicas que podem gerar público para o artista em shows, a maior fonte de renda para artistas, que recebem mais também da execução em rádio de suas músicas. Muitos artistas preferem manter suas próprias vendas digitais como prioridade, como é o caso de artistas como Leoni, Detonautas e Nando Reis. É uma outra tendência atual, de o artista gerenciar sua carreira de maneira independente e se relacionar direto com o público. Leoni e Detonautas distribuem músicas de graça periodicamente, o que gera mercado para os shows. Depois de distribuir um numero de canções suficientes para um álbum, lançam no formato físico e vendem por conta própria no site e em shows. Tem funcionado bem.
Do sertanejo-universitário ao samba, artistas de vários gêneros apostam em lançar EPs na internet, muitas vezes em seus próprios sites. É o caso da participante da última edição do The Voice Karla Souza, de Michele Leal – que teve música na trilha da novela da Globo Sangue Bom – e do cantor sertanejo João Gabriel.
– É uma forma de divulgação espontânea importante. Acredito que a mídia digital tem um mercado crescente tendo, no caso da gratuidade, que ser negociado com os produtores, arranjadores e autores. O download pago é a melhor forma para que todos ganhem com o trabalho, porém, requer do consumidor; cadastro, fornecer dados de cartão de crédito e muitos consumidores de música online não querem perder tempo, querem clicar e ouvir, compartilhar com os amigos, etc. Essa redução de custos mostra-se importante sobretudo para compositores e artistas que ainda estão no anonimato, ambos tem interesse na execução da música seja de forma gratuita ou paga, pois se tornando um "hit" haverá o retorno – explica João Gabriel.
Tom Leão acrescenta:
– Os artistas tem que se preocupar mais em garantir uma base de fãs. Se for depender de vendas ou do mercado, está difícil. Tem gente que ganha mais dinheiro vendendo ringtone do que a própria música.Todos precisam da internet. Mas ela é só uma ferramenta, tem de saber usá-la. Um artista veterano, como o Leoni, vende seus CDs e shows assim. Ele me disse recentemente que já consegue viver disso e até pagar alguém para trabalhar com ele. Mas levou muitos anos. Já os novatos tem uma porta que, antigamente, só teriam via gravadoras ou rádios. Com tantas opções, tudo se pulverizou, perdeu o foco. Antes, era mais fácil achar exatamente o que queria. Agora, cabe ao artista descobrir o seu público, o seu nicho. Tem que ter mais foco e objetivo.