Luis Edmundo Sauma - aplicativo - Do Portal
07/02/2014A notícia está em todo lugar, no instante seguinte ao ocorrido, disponível para o mundo todo. Os meios de comunicação tradicionais, outrora reis desse império, hoje buscam formas de se reinventar, pressionados pela portabilidade digital e pela necessidade de informações mais rápidas e precisas. Metade dos americanos já se i atualiza por plataformas móveis (tablet e smartphone), constata levantamento da Pew Research. O avanço do consumo de informações online e o consequente aumento da verba publicitária destinada à internet – 12% do total, segundo o Interactive Advertising Bureau (IAB Brasil) – têm provocado movimentos expressivos, alguns surpreendentes, no mercado da comunicação, como o lançamento do fenômeno Now this News, veículo concebido especialmente para aparelhos móveis; a migração integral da Newsweek para o ambiente web; a aposentadoria de títulos da Abril, como a revista Bravo; a compra do Washington Post pela gigante do comércio eletrônico Amazon; e a valorização de iniciativas como a Midia Ninja, símbolo recente da perda do monopólio da mídia tradicional.
No olho desse furacão, jornais e revistas tentam se reinventar para sobreviver ao fenômeno cibernético (leia artigo da jornalista e professora Luciana Brafman). Na avaliação do jornalista Geneton Moraes Neto, a principal ameaça é a perda de rentabilidade diante dos concorrentes digitais, com menores custos de operação:
– Não faz sentido gastar papel, transporte e tinta para levar ao leitor uma informação a que ele já teve acesso virtualmente – argumenta – No início, houve certa resistência da velha guarda do jornalismo, que queria desqualificar a internet. Hoje, porém, vê-se que esse é o futuro da profissão.
O espaço de jornais e revistas no admirável mundo novo da comunicação – regido pelo, como diz a pesquisadora Sylvia Moreztsohn, "fetiche do tempo real" – movimenta discussões acadêmicas e profissionais desde a segunda metade dos anos 1990, quando as primeiras versões online de publicações como O Jornal do Brasil, O Globo e O Estado de S.Paulo começavam a materializar o badalado conceito de convergência de mídia. Projeções apocalípticas revelam-se, no entanto, mais remotas. A aposentadoria do jornal é discutida desde as décadas de 1950 e 1960, quando a televisão e as revistas semanais ganharam corpo. O periódicos passaram, então, por uma reforma gráfica e editorial. A divisão das reportagens por editorias e cadernos, a valorização das fotos e os textos mais coloquiais integraram o cardápio de mudanças para cativar a leitura num cenário em que a disponibilidade de notícias tornava-se maior.
Concorrência maior veio na virada do século, quando a web 2.0 não só ampliou a oferta de informações como transformou o consumidor também num provedor em potencial de informações – o que se aguçou com a o apuro tecnológico dos smartphones e, mais recentemente, com a multiplicação das redes sociais. A facilidade de publicação, o menor custo e a instantaneidade da internet sequestraram de vez a majestade dos fornecedores tradicionais de conteúdo jornalístico, em especial da mídia impressa. A notícia envelhece cada vez mais rapidamente.
Jornais tentam se reinventar em meio a uma Amazônia de informações
“Nós (jornais) achávamos que éramos poderosos, mas são somos. Para sobreviver, as empresas jornalísticas precisam entender que se deseja conteúdo independente das plataformas. A mobilidade é a próxima onda”, ressaltou Ken Doctor, autor de Doze novas tendências que moldarão as notícias e o impacto na economia mundial, na 68ª Assembleia Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). Na mesma conferência, o jornalista Rosental Calmon Alves, professor da Universidade do Texas, foi ainda mais veemente:
– Desde a Revolução Industrial, a mídia se portou como um deserto no qual os cactos (os jornais) drenam a pouca água e sobrevivem bem neste cenário. Hoje temos a selva amazônica: todo mundo disponibiliza conteúdo em meio a uma gigantesca diversidade. Ninguém pode continuar sendo cacto. Do contrário, se afogará na Amazônia.
Para se manterem úteis nessa Amazônia de informações, jornais diários estão, para usar uma expressão turma do marketing, se reposicionando. Tornam-se mais analíticos, deixando a "notícia de véspera", a "filosofia do aconteceu ontem", como dizem executivos da área, para as respectivas páginas eletrônicas. Buscam também articulações inteligentes com a internet e com as plataformas móveis. Pesquisa do Google constata que 43% dos consumidores passam mais tempo nos dispositivos portáteis do que nos computadores pessoais (PCs). Assim nasceu, por exemplo, O Globo a Mais, edição vespertina dirigida a tablets. Para a jornalista Adriana Oliveira, editora dos Jornais de Bairro d'O Globo e ex-aluna da PUC-Rio, a reafirmação da mídia impressa nesse ambiente de informações pulverizadas e multiplicação do consumo digital passa pela fidelidade à proposta original dos jornais:
– O papel do jornal é aquele que sempre foi: suprir a sociedade de informações relevantes e interessantes, ajudando as pessoas a tomarem decisões, seja no âmbito político, profissional ou pessoal. Agora, o desafio é cumprir a mesma função numa sociedade cada vez mais conectada e abastecida do conhecimento por outros meios, como as redes sociais.
Um desafio intensificado pela portabilidade dos smartphones – o mundo passa a caber no bolso. De acordo com pesquisa da Pew Research, 54% dos usuários do Twitter leem notícias via smartphone. O crescente consumo de informações pela internet é impulsionado pelo consumo exponencial de plataformas móveis. Levantamento da Gartner, estima que 70 milhões de tablets foram vendidos só em 2011, uma aumento de 290% em relação ao ano anterior. Até 2015, o instituto projeta a venda de 294 milhões desses aparelhos.
Tais equipamentos escancaram a via de mão-dupla no fluxo de notícias. Ao mesmo tempo que nos atualizamos pelo smartphone ou tablet, temos também as ferramentas para reportar com rapidez e relativa consistência (texto e fotos) fatos considerados relevantes, sobretudo flagrantes. Isso não exclui, contudo, o trabalho jornalístico profissional, especializado em contrapor fatos e contextualiá-los, e supostamente comprometido com o interesse público, ressalva o presidente do Observatório da Imprensa, Carlos Eduardo Lins. Para ele, o jornalista de ofício nunca será substituído:
– Por mais que seja importante essa nova forma de acesso à informação, as pessoas sempre precisarão de um referencial externo ao seu círculo de amigos. O profissional ajuda a compor, com as redes sociais e diversos outros fatores, a interpretação sobre os fatos – pondera.
"O jornalista foi dessacralizado. Mas é preciso um profissional que processe o mar de informações"
Embora mais acostumado à plataforma audiovisual, Geneton – cujo mais recente documentário, Dossiê 50: Comício a favor dos náufrados, com depoimentos dos brasileiros que disputaram a final da Copa de 1950, foi exibido recentemente na Globonews – trabalhou em periódicos no início da carreira. Ele concorda que o profissional permanecerá necessário, mas comemora a “dessacralização” do jornalista:
– Acabou o monopólio da informação que nós (jornalistas) tínhamos. Ditávamos o que a população deveria saber. Com essa mudança, levamos um choque de realidade. Apesar disso, sempre precisará existir a figura do profissional com preparo técnico e intelectual, capaz de processar o mar de informações em que vivemos. A internet acaba tornado essa figura cada vez mais útil.
Apesar da necessidade de um profissional qualificado para dar consistência e credibilidade à notícia, jornais enxugam as redações mundo afora. A Folha de S. Paulo , por exemplo, reforçou o pacote de demissões observadas em editoras e publicações brasileiras neste ano. Entre os que deixaram um dos principais jornais do país, estão o ex-secretário de redação Antônio Rocha Filho, que estava lá havia 24 anos, e Andreza Matais, ganhadora do Grande Prêmio Esso de Jornalismo de 2011, pela série de reportagens investigativas sobre o ex-ministro Antônio Palocci. Segundo Lins, são emblemas de uma "crise profunda" pela qual passa o jornalismo:
– O jornalismo vive uma crise de negócios e de identidade, que se reflete em incertezas e problemas na sua prática – opina o presidente do Observatório da Imprensa, que avalia a atuação dos veículos de comunicação em massa no Brasil.
Perda de receita publicitária atrofia as redações
A atrofia de equipes jornalísticas não é um fenômeno exclusivamente brasileiro. Desde 2007, as redações americanas reduziram o volume de profissionais em 26%, na média. A queda de circulação e de receita publicitária são algumas das causas da redução de vagas. No ano passado, periódicos dos Estados Unidos calcularam que, para cada dólar arrecadado pelos seus portais digitais com publicidade, são perdidos US$ 15 na versão impressa. Para o subeditor do portal Comunique-se, Anderson Scardoelli, a perda publicitária é a grande responsável pelas demissões:
– Tantas demissões tem um vilão principal: os anunciantes. A publicidade perdeu força no impresso e, ao mesmo tempo, ainda não entrou com peso nos veículos online. Com menos anunciantes, infelizmente, os veículos têm que enxugar gastos – reconheceu Scardoelli, em reportagem de Rodrigo Serpellone sobre as demissões no mercado da comunicação
Diante do, digamos, reequilíbrio financeiro e operacional, um dos caminhos para os jornais recuperarem prestígio, audiência e receita é o que Geneton chama de jornalismo autoral. Ele aposta:
– A saída para o impresso pode ser aproveitar a informação que a internet divulga, mas apresentá-la de outro jeito, com outro enfoque. Arrisco prever o jornalismo com uma visão pessoal, dando um tom mais humano à reportagem.
De forma semelhante, Adriana acredita no aprofundamento dos temas:
– O jornal está mudando, passando a ser mais analítico, à procura do diferencial, tentando ir além. Devemos deixar de ter um ciclo estático de 24 horas para ser um produto multimídia. N'O Globo, costumamos dizer que não somos fabricantes de papel, mas produtores de conteúdo – analisa.
Publicações estrangeiras migram para o digital e ampliam a cobertura local
Em busca da sobrevivência, alguns representantes clássicos da mídia impressa adotaram até mudanças extremas. A americana Newsweek, em circulação desde 1933, segunda maior revista semanal de informação (atrás da Time), tornou-se exclusivamente digital no início do ano (a última edição impressa foi de dezembro de 2012). A publicação foi vendida para Sidney Harman, executivo do ramo fonográfico, por US$ 1, mais a herança de uma dívida de US$ 50 milhões,
A venda de pesos-pesados da mídia impressa para administradores de outros negócios tornou-se uma tendência. Em agosto desse ano, o Washington Post foi vendido para Jeff Bezos, criador do tubarão de vendas online Amazon. (O executivo, cuja fortuna é avaliada em US$ 27,2 bilhões, ainda investe em projetos inovadores, como viagens espaciais e impressão 3D.) Por US$ 250 milhões, o 19º homem mais rico do mundo comprou um dos maiores jornais dos Estados Unidos, com circulação diária de quase 500 mil eexmplares e 800 empregados. Para o jornalista e professor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio Arthur Dapieve, a entrada de empreendedores de outras áreas pode ser benéfica ao setor:
– São homens com mentes brilhantes, ideias inovadoras, que revolucionaram suas respectivas áreas. Não sei se eles podem salvar o nosso negócio, mas é uma tentativa – diz Dapieve (foto).
A convergência com a rede é outro integrante do pacote de sobrevivência dos jornais, reiteram os especialistas em comunicação. Ainda segundo pesquisa da Pew Research, metade dos usuários do Twitter e Facebook se atualiza por essas redes sociais. Cerca de 45% deles têm entre 18 e 29 anos. Quando perguntados se também liam jornal impresso, 21% e 18% dos usuários de Facebook e Twitter, respectivamente, responderam que sim.
A migração do consumo de informações para a mundo digital, sobretudo nas plataformas móveis, é confirmada por uma série de levantamentos, como o da Universidade da Georgia (EUA), segundo o qual 70% dos universitários leem notícias em portais ou redes sociais e apenas 33% consomem periódicos impressos – uma queda de 81% desde 1994. Para o estudante de Medicina Luiz Otávio Faraco, a correria do dia a dia impossibilita a leitura do jornal impresso:
– É difícil eu ter um tempo. Pelo smartphone, sei das manchetes, do que é mais importante, de uma forma muito resumida. É impossível ir no ônibus, geralmente em pé, lendo jornal. Sem falar no fato de que ele (jornal) é muito longo, demoraria três horas para folhear tudo – justifica Faraco.
Além do perfil mais analítico e da articulação com a internet – e, em alguns casos, até a transferência para o digital – os jornais têm investido na cobertura local, ou hiperlocal. Em 2005, o Dallas Morning, por exemplo, criou um periódico comunitário, o Neighbors (Vizinhos, em inglês), para cobrir a rotina de cada bairro da cidade de Dallas. Seis anos depois da primeira edição, a novidade somava 350 mil exemplares, um empate técnico com a tiragem do jornal-matriz. Segundo Adriana, o Brasil segue a tendência:
– Por questões de mercado, é bem mais barato e eficaz para o anunciante ter sua propaganda num caderno regional, falar diretamente com seu público. As pessoas querem saber o que acontece em Brasília e no mundo, mas querem saber mais ainda o que ocorre na rua, na vizinhança – observa.
Internet também ameaça o futuro da televisão
O crescimento da internet e das redes sociais afeta não só o papel. A televisão, maior veículo de comunicação de massa e líder em verba publicitária, também tenta se adaptar ao mundo digital, às novas forma de produção de notícias – como a Mídia Ninja, veículo alternativo que se notabilixou ao transmitir, via internet, as manifestações populares de junho. Com uma câmera na mão, jovens traziam, pela rede, imagens de dentro dos conflitos entre civis e policiais, que passaram ao largo da cobertura da mídia tradicional. O material acabou até no Jornal Nacional, da TV Globo.
Para Sylvia Moretzsohn, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e colaboradora do Observatório da Imprensa, essa produção alternativa de informações esbarra aina em falta de estrutura, qualidade da imagem e capacitação:
– Creio que há um exagero em torno da Mídia Ninja. Eles cumpriram bem o seu papel, mas estão longe de ser um divisor de águas. Não só pelas inúmeras falhas que demonstram, e que revelam carência de formação e informação sobre o que cobrem, mas porque, salvo em raras exceções, não há hipótese de audiência para transmissões que duram seis, sete horas – avalia.
Apesar das deficiências de estruturas e de qualidade observadas pela professora, o acompanhamento de grandes coberturas pela internet nos grandes vem crescendo e já tira o sono de emissoras de tevê tradicionais. A possibilidade de acompanhar múltiplas atrações na mesma tela, ao alcance de um clique, e de assistir à atração escolhida na hora desejada, com recursos on demand, são alguns dos trunfos dos portais. Assim indicou, por exemplo, a cobertura das Olimpíadas de Londres pelo portal Terra.
O portal ofereceu 36 canais ao vivo, em alta definição, durante os Jogos. Com 220 profissionais envolvidos, a gerou 4.760 horas de imagens, vistas em computadores, smartphones, tablets e televisões com acesso à internet. Para efeito de comparação, a TV Record, detentora dos direitos de transmissão da competição na tevê aberta, recebeu 200 credenciais para cobertura, tendo ainda que dividi-las com outros canais brasileiros.
Golpes recentes na mídia impressa Grupo Abril: Em agosto desse ano, a editora extinguiu as revistas Alfa, Bravo!, Gloss eLola. Cerca de 150 funcionários foram demitidos. Somaram-se aos cerca de mil profissionais que já tinham sido desligados, o que afetou diversas áreas de produção, desde a extinta MTV até 11 revistas do grupo. Estado de S.Paulo: No início do ano, a empresa demitiu 50 profissionais e reformulou o jornal. Passou a contar com uma só edição impressa. De acordo com comunicado divulgado na época, a decisão levou em conta pesquisas entre os consumidores. Grupo Folha: O controlador dos jornais Folha de S. Paulo e Agora promoveu algumas demissões no meio deste ano. Jornalistas como Andreza Matais, Cátia Seabra e José Ernesto Credendio estavam entre os demitidos. Além de cortes em Brasília, as redações de Rio e São Paulo também diminuíram. Valor Econômico: Em maio desse ano, o jornal demitiu 50 funcionários, atingindo as sucursais do Rio e Brasília. As baixas foram justificados como corte de custos. Life: Fundada em 1883, a Life passou por diversas transformações, desde a sua compra pelo fundador da Time, Henry Luce. Começou como uma revista semanal ligada a humor e interesses gerais. Caiu de produtividade a partir de 1972, tornando-se mensal seis anos depois. No início dos anos 2000, virou um suplemento incorporado a diversos jornais americanos. Até o site da revista, criado em 2009, não durou nem três anos. Acabou incorporado ao Time.com. Newsweek: Tradicional revista semanal de informação (RSI), publicada desde 1933, reunia 16 edições globais. Entre 2008 e 2012, mergulhou numa crise financeira, com queda de 38% no lucro. A publicação, que já atingiu três milhões de assinantes, fechou as atividades impressas em dezembro do ano passado, com menos da metade desse público. |
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