Projeto Comunicar
PUC-Rio

  • Facebook
  • Twitter
  • Instagram

Rio de Janeiro, 25 de abril de 2024


Economia

Inflação, infraestrutura e pressão eleitoral desafiam a economia

Júlia Cople e Luis Edmundo Sauma - aplicativo - Do Portal

18/12/2013

Arte: Viviane Vieira

Os recentes diagnósticos do ministro Guido Mantega sintetizam a letargia econômica do Brasil neste ano. O titular da Fazenda reconheceu que o país teve, no terceiro trimestre, o menor crescimento entre os integrantes do G20 e do Brics (formado também por Rússia, Íncdia, China e África do Sul). Nosso Produto Interno Bruto (PIB, a soma das riquezas nacionais) vai crescer algo em torno de 2,3% em 2013 e 2,1% em 2014, projetam analistas e instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI), contra 3,5% da média da economia mundial e 5% das economias emergentes.

Em que pesem o aumento da renda familiar e a recuparação da indústria, que deve avançar 2,4% no ano, o ritmo morno da economia verde-amarela acende o sinal amarelo em relação, por exemplo, ao equilíbrio do tripé macroeconômico no qual se ancora o crescimento sustentado desde o fim dos anos 1990: controle da inflação, câmbio flutuante e superávit primrário (a economia feita pelo governo para pagar os juros da dívida pública). Tal equilíbrio enfrenta um conjunto de turbulências e desconfianças de diferentes naturezas e estaturas. Desde fatores externos, como a perspectiva da retirada dos incentivos à economia americana e a guinada da China para o consumo interno, até aspectos inerentes ao jogo político eleitoral do próximo ano, passando pelas discussões cíclicas sobre a autonomia relativa do Banco Central. O professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Antonio Licha prevê mais turbulências:

– No curto prazo, a possível mudança na política monetária dos Estados Unidos pode trazer problemas nos centros financeiros, um aumento no preço do dólar e queda na Bolsa de Valores. Em longo prazo, outro perigo é a queda dos bens exportados, basicamente as commodities (produtos e serviços básicos) e aumento do déficit de conta corrente – projeta.

Um dos principais desafios para o equilíbrio daquele tripé remete ao controle da inflação, que acumula alta de 5,77% no ano, como aponta o Índice Geral de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) medido no mês passado pela Fundação Getúlio Vargas; portanto, só um pouco abaixo do tetot da meta do governo, de 6,5%. Em entrevista ao Portal PUC-Rio Digital, o ex-ministro da Fazenda Maílson de Nóbrega pregou cuidado com a taxa inflacionária, apesar de não acreditar que ocorra um descontrole semelhante ao vivido pré-Plano Real:

– Não há a menor possibilidade de voltarmos a ter uma hiperinflação como vivida no início dos anos 1990. Mas, no curto prazo, merece atenção: o Brasil tem inflação altíssima para padrões de um país estável. Ultimamente, o governo assumiu uma postura de que a meta é de 6,5%, quando, na verdade, deve ficar entre 4,5% e 6,5%. O Banco Central fica com a tarefa quase que exclusiva de ser a organização responsável pelo cumprimento da meta de inflação – pondera.

Embora a alta acentuada, ou descontrolada, dos preços, seja descarcata pelo ex-ministro e por dez entre dez economistas, por outro lado, o renitente nível inflacionário acima do centro da meta do governo esboça feições práticas (leia-se custo de vida mais salgado) e emblemáticas. Indica de que o ambiente mudou, e assim exige ajustes nas estratégias econômicas, dizem os especialistas. Se a inflação mantinha-se dócil desde o início do segundo mandato de Lula (2007) e as projeções daquela época davam conta de um crescimento parecido com o da China, ou de pelo menos 5% ao ano, o que se vê hoje são condições menos favoráveis, observa Licha:

– As condições favoráveis, em especial no segundo governo Lula, desapareceram. Na conjuntura atual, o país deve esperar crescer entre 2% e 3%. Naquela época (2007), tínhamos possibilidades internas, o desemprego era alto. A economia tinha pouco crédito, hoje já subiu muito. Criávamos novos postos de trabalho sem aumentar muito os salários. Até mesmo o preço das commodities, que em outro momento ajudaram o Brasil, não acontece mais – lamenta o professor.

 “Burocracia jurídica e administrativa dificulta os negócios”, critica economista

Ainda de acordo com analistas econômicos, o crescimento brasileiro enfrenta também gargalos como a burocracia. No relatório anual Doing Business, divulgado em outubro pelo Banco Mundial, o Brasil aparece na 116ª colocação entre 189 países no ranking que mede a facilidade de se fazer negócios, O levantamento estima que, se um funcionário cuidasse dos impostos de uma empresa, ele gastaria 2.600 horas, enquanto em Singapura, líder na pesquisa, 82 horas são suficientes. Para o professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Alexandre Barros, a burocracia prejudica a expansão de investimentos no país:

– O empresário se defronta com uma demora muito grande para resolver qualquer assunto judicial. Isso, juntamente com a alta carga tributária, são ônus adicionais para quem quer ampliar ou criar uma empresa.

Outro obstáculo ao ambicionado crescimento de 5% ao ano é a eficiência produtiva, diretamente ligada à infraestrutura, um dos crônicos gargalos nacionais. O déficit fica evidente numa simples comparação, por exemplo, com a China, cuja capacidade portuária e o transporte aéreo avançaram 20 e 15 vezes, respectivamente, entre 1978 e 2007. Já a malha ferroviária brasileira, em percentual de ocupação territorial, é menor do que a de países como Sudão, Angola e Congo. Para o economista Luiz Roberto Cunha (foto), decano do Centro de Ciências Sociais (CCS) da PUC-Rio, o Brasil perdeu esse bonde:

 Nicolau Galvão – O Brasil acabou perdendo uma oportunidade. Apesar de serem coisas de extrema importância, o governo gasta muito em educação e saúde, poupando pouco. Com isso, acaba dependendo da poupança externa, de financiamento exterior. Isso acontece se o país tiver perspectivas e condições favoráveis. Já tivemos essas condições há alguns anos, mas agora estamos numa fase mais complicada – avalia.

A professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Lia Backer considera o atraso em infraestrtutura um dos principais motivos pelos quais para o Brasil vê-se ultrapassado por outros emergentes, como o México e a Turquia:

– Desde a grande novidade do Brasil, no século XXI, com inclusão social e melhora na distribuição de renda, o país foi beneficiado pela alta do preço das commodities. Mas a falta de investimento emperra a possibilidade de um crescimento maior. Comparando com outros países em desenvolvimento, nós estamos em má fase. O México é dúbio: às vezes está bem; às vezes, mal. A Turquia está sendo beneficiada com integração à Europa. O Brasil tem problema sério de vencer os gargalos na infraestrutura. Com isso, não conseguimos alcançar nosso potencial máximo – alerta.

Redução de incentivos à economia americana levaria a alta de 10% do dólar, especulam analistas

Entre as condições externas menos favoráveis, observa-se a iminência de o Federal Reserve (Fed, banco central americano) reduzir a compra de papéis no mercado, uma medida esperada desde que a economia americana começou a dar sinais de recuperação. Uma das consequências seria a valorização do dólar, com implicações variadas no mercado brasileiro. Licha prevê um aumento de cerca de 10% na moeda americana:

– A partir de março do próximo ano, o dólar pode ficar entre R$ 2,40 e R$ 2,60. Isso cria um efeito dominó, pois gera uma pressão inflacionária, obrigando o Banco Central a aumentar a taxa de juros.

A taxa básica de juros (Selic), por sinal, tem sido um dos mecanismos mais adotados usadas pelo nosso Banco Central para conter a escalada inflacionária. No fim do mês passado, o Comitê de Política Monetária (Copom) aumentou pela sexta vez consecutiva a Selic, que saltou de 7,25%, em março deste ano, para 10%. A marca faz do Brasil o país com a maior taxa de juros real (descontada a inflação) do mundo. Trata-se de um remédio ortodoxo, que deve ser bem dosado para evitar efeitos colaterais danosos e perda de eficiência. Quando os juros sobem, o consumo diminui; consequentemente, o preço também cai, segurando a inflação. Com uma taxa alta, porém, o PIB cresce menos e trava a economia. Para Licha, a medida se justifica:

– Os juros aumentaram porque estavam muito baixos antes, e a inflação continuou em patamar elevado. Não é causa, e sim consequência de ações anteriores.

 Júlia Cople Maílson (foto) também considera a tática essencial para manter a inflação em patamares seguros:

– O instrumento para cumprimento da meta (da inflação) é a taxa de juros, e as decisões sobre ela produzem efeitos no sistema de preço nos três a seis trimestres posteriores – explica.

Dependência da exportação de matéria-prima prejudica o Brasil, diz especialista

Se a inflação incomoda mas não chega a alarmar governo e analistas, as variações do câmbio despertam preocupações associadas a características da nossa balança comercial. Por apoiar-se na exportação de produtos primários, o Brasil revela-se mais vulnerável às oscilações da moeda americana, ressalta Wagner de Medeiros, coordenador de câmbio, financiamento e seguro de crédito à exportação da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB):

– A preocupação é de que o país se torne, como vem se desenhando nos últimos anos, um preponderante exportador de produtos básicos, em detrimento da queda de participação na pauta exportadora de produtos manufaturados, em especial dos de maior valor agregado, menos sujeitos à volatilidade de preços e mais atingidos pelas variações de câmbio – explica Medeiros.

Se por um lado a mudança no panorama econômico americano, e a provável alta do dólar, obriga os cânones econômicos do Brasil a reverem cifras e estratégias, a diminuição do crescimento da China, ora inclinada ao consumo interno, parece não assustar especialistas. Segundo Lia Backer, o país asiático ainda importa commodities em quantidade suficiente para manter a balança comercial entre os dois países superavitária ao Brasil:

– O que a China quer fazer, e não é de agora, é diminuir a dependência que eles têm do investimento externo, estimulando o consumo interno. Isso não é ruim para o Brasil. Um maior processo de urbanização aumenta a demanda por alimentos, como a soja. Da mesma forma, o minério de ferro não deve sofrer, pois um crescimento de 7% continua sendo muita coisa. O processo de construção de infraestrutura deles ainda é muito ativo – pondera a professora.

A exemplo da China, o Brasil atraiu a atenção do mundo com um crescimento expressivo em plena crise mundial, há cinco anos. Tanto que a renomada revista The Economist dedicou uma capa (“Brazil takes off”, Brasil decola, em português) e 14 páginas para tentar explicar o sucesso do país, qualificado como “a maior história de sucesso da América do Sul”. Quatro anos depois, outras 14 páginas tentaram esclarecer por que o país teria “estragado tudo”. Para Barros, o Brasil perdeu uma oportunidade:

– Temos um dos maiores PIBs do mundo. Mesmo que cresça menos por um bom tempo, ainda sim será um país relevante. Mas não podemos ficar 30 anos andando de lado, e o resto crescendo 3%. O Brasil ainda está no grupo de países grandes, com relevância no cenário internacional. Mas, se continuar assim, começará a cair. Crescemos por conta do cenário externo favorável, graças à China e aos preços das commodities – pondera o professor.

 “PIB não deve crescer tanto como em outros anos eleitorais”, prevê professora

A projeção econômica para o ano que vem dialoga com o tabuleiro político-eleitoral. Lia acredita que, desta vez, o ambiente econômico tende a atrofiar uma tática regularmente usada pelos governos em anos eleitorais:

– O governo não tem muito espaço para gastar, pois já encontra problemas na área fiscal. É improvável que haja um crescimento do PIB, como historicamente acontece em anos eleitorais. Será um ano marcado por incertezas.

Já na avaliação de Barros, o ano eleitoral não vai prejudicar os investimentos:

– Não vejo, por exemplo, empresários postergando planos de investimentos, empresas contratarem em ritmo menos intenso e investidores deixando de colocar dinheiro no país por receio das ações de um novo governo. Pelo que vi dos candidatos, não vejo problema nesse sentido – analisa.

O professor aponta o aumento dos gastos públicos, típico em épocas de campanha, como o possível vilão do desejado crescimento:

– O problema é que, como aconteceu em 2010, o governo deve usar a máquina e a estrutura do Estado para aumentar os gastos públicos em busca de benefícios eleitorais.

Apesar de o volume de investimentos se mostrar intacto para 2014, certas posições políticas podem, ainda na opinião de Barros, dificultar a entrada de dinheiro no país. Para ele, o apoio do Brasil ao governo de Nicolás Maduro na Venezuela pode repelir uma parte do capital externo:

– O apoio brasileiro aos venezuelanos é prejudicial. O que está acontecendo na Venezuela, como a estatização da venda de televisões e geladeiras, se reflete na nossa economia. O pensamento do investidor é: "Se eles apoiam isso lá, porque não aconteceria aqui, com uma plataforma de petróleo?". Isso afeta a trajetória da economia – argumenta.

A política externa está longe, contudo, de representar o principal desafio para a retomada de um ritmo mais veloz de crescimento (até porque, retóricas ideológicos costumam sucumbir ao pragmatismo dos merrcados). São os deveres de casa internos que queimam as pestanas de representantes do governo e economistas. Um deles remete ao equilíbrio entre o incentivo ao consumo e a arrecadação do Estado. O governo reduz o IPI (Imposto sobre produtos industrializados), para estimular o crescimento da indústria e do consumo interno, mantendo o nível do Índice dos Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Porém, essa redução diminui a arrecadação dos cofres públicos. Por outro lado, a Petrobras é obrigada a represar o preço da gasolina abaixo, o que ajuda a conter a inflação, mas gera efeitos colaterais indigestos. Para o professor de Economia PUC-Rio Roberto Simonard, a seletividade do corte tributário é perniciosa:

– O carro, por exemplo, tem uma cadeia produtiva longa, desde a produção da borracha e do vidro até o produto final. Se em alguns setores há isenção tributária e em outros não, isso gera um desarranjo nessa cadeia. O que temos hoje no Brasil é uma redução de impostos apenas em alguns setores. Tais diminuições pontuais, por vezes, geram mais efeitos negativos que positivos..

Para Luiz Roberto Cunha, que também coordena o Departamento de Economia da PUC-Rio, o reajuste contido da gasolina pode ter outro efeito na economia:

– É um risco que se corre para proteger a estatal, mas essa indexação não estaria em um ambiente apenas crescente de inflação. De meses em meses, esse preço da gasolina pode subir ou eventualmente descer. Em geral, na Europa e nos EUA, o preço sobe e desce – compara Cunha, em reportagem sobre o reajuste no preço da gasolina.