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Rio de Janeiro, 19 de abril de 2024


País

Arbitragem e mediação: alternativas para a Justiça

Igor Novello - Do Portal

13/12/2013

 Arquivo

Atualmente, há mais de 92,2 milhões de processos em andamento no Brasil, de acordo com dados do Relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional da Justiça (CNJ), segundo o qual cresceu o número de casos resolvidos (7,5%), mas não o suficiente para superar o de casos novos (aumento de 8,4%) em 2012. Para efeito de comparação, segundo o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luís Felipe Salomão, no Brasil há um litígio para cada dois habitantes, enquanto na Austrália é computado um litígio a cada 16,4 mil habitantes. Diante desse cenário, uma comissão de 19 juristas foi instalada em abril deste ano pelo Senado, para reformar a Lei de Arbitragem e criar uma lei para a mediação extrajudicial e, assim, desafogar o Judiciário. Após seis meses de trabalho, o grupo, que foi presidido por Salomão, entregou em outubro os dois anteprojetos, que estão na pauta da Casa para serem avaliados.

A arbitragem é utilizada principalmente em questões envolvendo empresas, e um árbitro escolhido em comum acordo entre as partes decide a questão. Já a mediação geralmente serve para casos mais simples, como brigas de vizinhos e problemas na compra e venda de produtos. O mediador facilita a negociação, mas não tem o poder de decidir. Para Salomão, além de acelerar a resolução de litígios, desafogando o Judiciário, essas duas vertentes criarão avanços para a sociedade como um todo:

– A atual Lei de Arbitragem já vigora há 17 anos. Foram muitas as transformações e os avanços tecnológicos na sociedade. A Lei de Arbitragem, que vem aos poucos se firmando no país, precisa atender à sociedade hoje, por isso a necessidade de atualização. Em relação à mediação, há uma mudança de comportamento incentivada pelos operadores de Direito há um bom tempo, mas ainda não existe marco legal, não há lei que trate propriamente de mediação, apenas regras esparsas. Por isso, a criação dessa lei nos fará dar um passo efetivo e eficaz em prol dos mecanismos extrajudiciais de solução de conflito.

 Divulgação STJ Salomão (foto) acredita que, se os dois mecanismos forem eficazes, eles poderão ser utilizados em outros tipos de situação:

– A consolidação da arbitragem no país atrairá investimentos, pela segurança jurídica. Há também muita expectativa em relação às demandas trabalhistas e do consumidor. A mudança na Lei de Arbitragem facilitará litígios envolvendo o governo e empresas estrangeiras, avançando para atingir causas que hoje não estão submetidas a esse tipo de solução. Por exemplo, as relacionadas ao Pré-Sal, à Copa do Mundo e a outros grandes eventos. Já na mediação, quanto mais eficiente for, mas procurada será. Se esse ambiente da mediação for eficaz, as grandes corporações e empresas, os consumidores, todos aqueles envolvidos em litígios vão optar primeiro por essa solução, muito mais rápida e consensual. 

Integrante da comissão de juristas, Francisco Müssnich, mestre em Direito pela Harvard e professor de Questões Contemporâneas de Direito Societário na PUC-Rio, acredita que as mudanças serão positivas:

 – Acho que será favorável o impacto da utilização da arbitragem em forma de resolução de litígio, porque desafoga o Poder Judiciário, especializa as decisões, por permitir a escolha de árbitros técnicos, e isso é uma grande vantagem. Com a reforma, haverá a possibilidade de estender o direito de arbitragem para o direito do consumidor, para a administração pública. Poderemos ampliar a utilização do mecanismo para todo o país.

Para ajudar a introduzir tanto a mediação como a arbitragem na cultura brasileira, como opções antes da Justiça comum, consta no projeto a inclusão destes conceitos nos currículos acadêmicos de Direito:

– Há a proposta de que o Ministério da Educação inclua, nos currículos das faculdades de Direito, cadeiras obrigatórias relacionadas aos temas arbitragem e mediação. Haverá um impulso para criar uma cultura também se o Conselho Nacional de Justiça, o Conselho Nacional do Ministério Público e a Ordem dos Advogados do Brasil estabelecerem as cadeiras de mediação e arbitragem para concursos públicos e exames da OAB.

Salomão explica que a proposta que tramita no Senado prevê a possibilidade de aqueles que desconhecem o instituto da mediação e ingressam com ações judiciais serem encaminhados, pelo juiz, a um mediador judicial, nos casos passíveis de solução pela via da mediação. 

 Reprodução Para a advogada Olivia Fürst (foto), coordenadora da Câmara de Mediação da OAB/RJ e da área de Práticas Colaborativas da Mediare Diálogos e Processos Decisórios – premiada na última edição do Innovare –, criar essa cultura será importante numa sociedade que até então só vê o litígio como solução:

– Não tínhamos outras formas de resolução de conflitos. Diante de um impasse, o caminho natural era o litígio, mesmo para os advogados, que até bem pouco tempo saíam das universidades sem conhecer os métodos não-adversariais de resolução de conflitos e encaminhavam qualquer caso para o Judiciário, contribuindo para a formação de uma “cultura da sentença”, onde prevalece a ideia do perde-ganha, do ou “eu” ou “você”. A consequência foi o afogamento do Judiciário, como acabamos de falar, o que faz com que os processos demorem excessivamente, tornando-os muitas vezes ineficazes e contribuindo, entre outros fatores, para descrença da instituição.

Ainda segundo Olivia, apesar da iniciativa, a mentalidade só se transformará em longo prazo:

– Mesmo diante desta sede por novos métodos, é claro que passar da lente adversarial para a lente colaborativa é uma profunda mudança de paradigma, e não acontece da noite para o dia. Assumir as rédeas de suas próprias vidas e responsabilizar-se por suas escolhas, em vez de delegar o poder de decisão para um terceiro, exige muito das pessoas. Outro fator determinante e um dos maiores desafios para que esta mudança aconteça está na postura dos advogados, que ainda percebem a beligerância como traço definidor de sua atuação.

 Arquivo Sobre o aspecto da mentalidade brasileira, Müssnich (foto) percebe que a nossa sociedade “tem muito medo do Poder Judiciário e, por isso, vive fazendo acordos, até maus acordos”. Ele acredita que, com a reforma, todos terão mais proteção:

– Acho que, na arbitragem, as duas partes em conflito têm uma garantia e o processo fica muito mais isento. É mais difícil tentar corromper três árbitros do que um juiz. E, com relação ao Judiciário, o coitado do juiz tem que decidir os assuntos mais variados: direito de sucessões, empresarial, tributário... É quase impossível decidir tudo isso ao mesmo tempo.

Prática colaborativa é destaque no Prêmio Innovare

Na sua 10ª edição, o Prêmio Innovare, que teve 463 trabalhos inscritos, divulgou no dia 27 de novembro as melhores práticas de inovação na aplicação da Justiça no Brasil. De ações contra a violência doméstica a medidas de combate à corrupção, seis categorias foram premiadas: Advocacia, Defensoria Pública, Juiz, Ministério Público, Tribunal e Prêmio Especial. Vencedora com as Práticas Colaborativas pela categoria Advocacia, Olivia explica que os advogados colaborativos atuam em parceria na gestão de conflitos:

– O que caracteriza esta prática é a presença de advogados que assinam um termo de não-litigância. Com este compromisso, cria-se um ambiente protegido de conversa, pautado pela boa-fé e pela colaboração, onde os advogados deixam de representar uma ameaça mútua e passam a atuar em complementaridade e em convergência de propósitos na busca por um ajuste que seja viável, criativo e de benefício mútuo a todos os envolvidos. (assista aqui a um vídeo sobre as práticas colaborativas)

Para Salomão, em um contexto de muita preocupação com o aprimoramento da gestão administrativa em todos os níveis do Judiciário, a iniciativa tem grande importância:

– Com a boa governança da magistratura, observa-se a importância de o Prêmio Innovare identificar e divulgar as melhores práticas desenvolvidas para aprimorar o trabalho judicial, que contribui para a inovação em gestão administrativa, como ferramenta para tornar a Justiça melhor e mais eficiente.

Olivia espera que o reconhecimento com o prêmio tenha repercussão no âmbito acadêmico e em todas as OABs do país, por se tratar de uma prática voltada para os advogados:

– O reconhecimento da relevância das Práticas Colaborativas pela Comissão Julgadora do X Prêmio Innovare possibilitou maior visibilidade e crédito a esta iniciativa, que traz o ousado desafio de provocar uma mudança de paradigma na cultura da advocacia e da sociedade brasileira. Pesquisas recentes feitas pelo Instituto Innovare comprovam que 40% das práticas agraciadas com o prêmio foram replicadas em tribunais, varas, cartórios, secretarias e serventias por todo o Brasil, contribuindo, efetivamente, para o aperfeiçoamento da Justiça.