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Rio de Janeiro, 25 de abril de 2024


Cidade

Fim da Perimetral não extingue tradição da Feira da Praça XV

Marcos Freitas - Da sala de aula

02/12/2013

Marcos Freitas

Um dos tradicionais programas cariocas, passear pela Feira de Antiguidade da Praça XV, a maior da América Latina, está em novo endereço devido às obras na região portuária no Rio, que culminaram na demolição do Elevado da Perimetral. Desde a interdição do viaduto, as 366 barracas oficiais e os 600 expositores cadastrados se mudaram para a praça do Paço Imperial. Pouco a pouco, os vendedores vão se acostumando com o novo ambiente, assim como o público. Todos torcem pelo término das obras da região:

Desde que foram anunciadas as obras da Perimetral, sob a qual a feira é montada, os expositores vivem um clima de angústia. Reclamam de não terem sido consultados ou sequer avisados previamente da demolição do viaduto, que representaria o fim da Feira de Antiguidades da Praça XV.

– Ninguém sabia realmente o que ia acontecer, para onde a gente ia. Só ouvíamos boatos. De repente, estávamos todos diante da demolição do viaduto – emociona-se Seu Manoel, expositor da feira desde sua fundação e um dos mais antigos, ao lado de dona Laura de Jesus, conhecida por todos como a primeira a ter uma barraca no local. Dona Laura chorou ao chegar à Praça XV no primeiro sábado após a demolição:

Marcos Freitas  – Eu tinha vontade de morrer aqui, de que a minha hora chegasse enquanto eu estivesse vendendo minhas bonecas, minhas xícaras.

Em 1979 foram fundadas no Rio de Janeiro a Associação Brasileira de Antiquários (ABA) e a primeira feira de antiguidades do Brasil, a Feira do Alba Mar. Ainda nesta época, o prefeito da cidade Marcos Tamoio instituía a Feira da Troca.

Ambas as feiras eram realizadas aos sábados nas intermediações da Praça XV, das 6 da manhã às 2 da tarde. Naquele tempo, os feirantes da Feira da Troca se divertiam com a permuta de objetos pessoais, numa espécie de escambo. Já a Feira do Albamar era organizada por uma elite de antiquaristas, acostumada a expor suas mercadorias no Shopping Cidade, na Siqueira Campos. Enquanto uma era bastante popular, a outra era frequentada por consumidores com alto poder aquisitivo. Marcos Freitas

Naquele tempo, recordam os expositores, os negócios eram sempre vantajosos:

– Era uma maravilha! A feira estava cheia de pasde-calais, prataria, cristais. Em um dia ruim, vendíamos o que hoje seriam R$ 2 mil – estima Dona Lúcia, que chegou à Feira do Albamar no fim da década de 70.

A desvalorização da Zona Portuária, porém, começou a prejudicar os expositores das duas feiras. Não havia mais segurança e faltava limpeza pública. Como as mercadorias dos antiquários sofriam com a situação crítica nos arredores da Praça XV, os membros da Feira do Alba Mar resolveram armar suas barracas em uma área mais nobre da cidade e foram parar na Praça Santos Dumont, na Gávea. Até hoje, é a feira organizada pela ABA. A partir de então, passou a existir na decadente região apenas a agora chamada Feira de Antiguidades da Praça XV. Um labirinto de histórias, muitas delas inusitadas.

– Eu já vendi um álbum de fotos da família Guinle para um senhor que nem sequer sabia quem eles eram. Ele achou as mulheres bonitas e queria que pensassem que eram suas irmãs, primas – diverte-se Izaías de Oliveira, vendedor de fotografias e documentos antigos.

Os vendedores contam também que muitos emergentes, que gostam de oferecer festas em sua casa, querem exibir e ostentar objetos de valor aos convidados, para causar a impressão de que pertencem a famílias tradicionais: – Chegam a pedir segredo – revela uma expositora.

 Marcos Freitas Frequentador da feira há mais três anos, o fotógrafo alemão Heiner Pflug captura com sua lente todo o colorido da feira: – Aqui você encontra todas as raças possíveis, todas as expressões faciais. Gosto de escutar as conversas das pessoas, cada um tem uma história e cada peça também. Elas têm alma – diz Heiner.

Quem compartilha da mesma opinião é o vendedor de artigos militares Serge Sévin:

– Podem não acreditar, mas a coisa antiga tem uma alma, já foi usada, tem memória – diz Sévin, francês que trabalha na feira desde que chegou ao Brasil, há dez anos.

Na Barra, antiguidade é novidade

Desde julho, a Barra da Tijuca também tem a sua Feira de Antiguidades. Todo domingo, a partir das 11 da manhã, uma infinidade de louças do século XIX, cinzeiros de prata, discos de vinil e máquinas de escrever começam a invadir o moderno Shopping Downtown.

– Todos os estandes são de conhecidos antiquários, artistas e colecionadores da região. Os visitantes só vão encontrar artigos de alto nível – conta Amando Jr., leiloeiro e um dos organizadores da feira.

A alardeada qualidade se reflete nos preços. Mas as cifras altas não são uma particularidade da Feira do Downtown. Objetos de feiras de antiguidade não são baratos como em brechós.

– Quem vem pela primeira vez toma um susto, acha que, por ser feira e por serem objetos usados, as peças são baratinhas. Mas 70% do mercado é para “peixes grandes”, colecionadores, gente que entende o valor de peças como essas – justifica dona Lúcia, antiga expositora na Feira da Gávea, mostrando com orgulho suas pratarias e porcelanas. Em seu estande, um par de xícaras de chá Royal Albert, por exemplo, custa R$ 300. Marcos Freitas

A dinâmica das feiras

Quem frequenta as feiras de antiguidade sabem que freguês bom é freguês desconfiado. Afinal, muitas vezes o preço do produto é determinado pela sua procedência, tempo ou valor histórico. E ter certeza absoluta sobre a origem e autenticidade das peças históricas é impossível.

– Quando questionados sobre a origem de suas mercadorias, os expositores dizem que pertenciam a uma avó, que compraram de um colecionador, que foram garimpadas ou encontradas por lixeiros ou catadores, que algum amigo deixou para venda consignada ou, finalmente, que foi arrematada em leilão. Essa última é a fonte mais procurada e confiável, pois em leilões as peças passam por uma espécie de perícia ou avaliação, são catalogadas e recebem um recibo – explica a pesquisadora Priscilla Tavares, socióloga da UFRJ e estudiosa das feiras de antiguidade.

Priscilla atenta para o fato de que muitos objetos comercializados nestas feiras não são, necessariamente, antiguidades.

– Qualquer objeto antigo, difícil de ser encontrado em loja, escasso no mercado, e até aqueles que só pararam de ser fabricados recentemente são considerados uma antiguidade – esclarece. Em todas as feiras visitadas, encontramos, por exemplo, barracas vendendo lego e fantoches.

Assim como em toda feira, os preços caem ao fim do dia. Um livro vendido pela manhã por R$ 50 chegava a R$ 5 à tarde:

– Para mim não vale a pena voltar com esse peso todo – justifica o vendedor Rafael.

Exaustos após um dia cansativo de trabalho, expositores da Feira do Shopping Downtown, da Gávea e da Praça XV repetem o mesmo ritual. Embalam cuidadosamente o que não foi vendido e o que foi adquirido – durante a feira eles também aumentam suas coleções.

Quem fez este tipo de passeio pela primeira vez costuma ficar encantado:

–  A gente encontra uma xícara e lembra a nossa avó, um brinquedo faz a gente recordar a infância... Nós cariocas estamos redescobrindo essa atividade. Vou criar uma rotina para vir sempre – contou a estudante de Publicidade Camila Albuquerque, 22 anos, pela primeira vez em uma feira.

Serviço:

Feira de Antiguidades Downtown: todos os domingos, de 11h às 20h. Avenida das Américas, 500, Praça Central. Barra da Tijuca.

Feira de Antiguidades da Praça XV: todos os sábados, de 8h às 14h. Paço Imperial, Praça XV de Novembro, 48. Centro.

Feira de Antiguidades da Gávea: todos os domingos, de 9h às 17h. Praça Santos Dumont. Gávea.

Feira do Rio Antigo: primeiro sábado do mês, de 10h às 19h. Rua do Lavradio, s/nº. Lapa.