Júlia Cople - Do Portal
22/11/2013O Brasil não corre risco de descontrole inflacionário, apesar de teimosia do custo de vida em subir a ladeira: o ìndice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-15), considerado uma prévia da inflação oficial acumular alta de 5,82% em 2013, pouco abaixo ddo teto do governo (6,5%). A avaliação do ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega tranquiliza especialmente os milhões de brasileiros escaldados pelo apetite inflacionário dos anos 1980/90, cujas finanças padeceram frente à economia claudicante da “década perdida”. Depois do Milagre Econômico (1965-73), quando a média de crescimento era de 10% ao ano, a crise do petróleo e a modernização da indústria nacional cobraram uma fatura indigesta frente à ausência de reservas nacionais: a inflação atingiu 2.477,1% ao ano, em 1993, e a dívida externa chegou a 190,3 bilhões de dólares, em 2000. Na esteira dos esforços de recuperação, que só viria com a implementação do Plano Real, em 1994, Nóbrega comandou a Fazenda entre 1988 e 1990, experiência que o qualifica a cravar: o país atingiu um estágio institucional do qual dificilmente há retrocesso, com estabilidade econômica e política, embora ainda apresente taxas inflacionárias altas em comparação com países de estrutura semelhante. "Essa trajetória econômica rende um filme", idealizou. Um filme cujo final (feliz) ainda está em construção. Programado como uma série, a ser lançada no próximo ano, O Brasil deu certo. E agora? reúne depoimentos de cânones da área econômica, como Antonio Delfim Netto, Ernane Gâlveas e Pedro Malan, e ex-presidentes da República, como José Sarney, Fernando Henrique Cardoso e Fernando Collor. Mais do que passar a limpo a história da nossa economia, a iniciativa pretende "pensar as medidas e as mazelas do sistema brasileiro, desde o Descobrimento até a fase atual", esclareceu Maílson, em conferência na PUC-Rio.
A resposta para a pergunta-título do conunto de filmes passa, invariavelmente, por uma revlução na educação, diz o ex-ministro em entrevista o Portal. A tal revolução, acrescente ele, deve estar associada a reformas no sistema de cobrança de impostos ("caótico"), na legislação trabalhista ("anacrônica"), e na infraestrutura. Neste ponto, Maílson julga a modernização dos transportes e da logística a "menos complicada", por não exigir mudanças na Constituição, "apenas vontade política e competência para conduzir os marcos regulatórios e os processos licitatórios". Para aumentar a competitividade e a produtividade, completa, é preciso também resolver questões de natureza microeconômica, como a burocracia, e impor limites à expansão do gasto público. O especialista não hesita em qualificar como privatização o leilão de campo de Libra, mas avaliou desnecessária a mudança de regime de exploração petrolífera, pois os países mais avançados adotam a concessão. Com moderado otimismo, ele ainda ressalta a importância da independência do Banco Central na regulação da taxa de juros, projeta a depreciação dos valores de câmbio e afirma: “O Brasil não vive uma bolha imobiliária”.
Portal PUC-Rio Digital: O título da série de filmes idealizada pelo senhor afirma que o Brasil deu certo. O que o senhor quer dizer com isso?
Maílson da Nóbrega: A ideia do “Brasil deu certo” — e o filme mostra a trajetória do Brasil desde o descobrimento — é de que o país atingiu um estágio institucional do qual dificilmente há retrocesso. Há duas conquistas: a estabilidade política e a estabilidade econômica. São poucos os países que chegaram a esse estágio. Na América Latina, não mais que meia dúzia. E o filme tem uma pergunta “E agora?”, como a sugerir o que precisa ser feito para que o Brasil, em vez de estar na antessala dos ricos, seja parte do clube.
Portal: Pois é, e agora? Que medidas são necessárias não só para o país continuar crescendo, mas para transformar esses avanços em menos desigualdade e mais qualidade de vida?
Maílson: Aí é uma longa trajetória que tem muitos riscos, mas está associada essencialmente a um esforço na educação. O Brasil precisa de uma revolução na educação para preparar melhor a sua mão de obra, aumentar a produtividade e preparar bons dirigentes para o país. Essa é a perspectiva de longo prazo mais importante. No curto e médio prazo, há um conjunto de medidas, quase uma lista de supermercado. Todo mundo sabe o que fazer, já não há mais problema de diagnóstico. Agora é questão de reunir condições institucionais e políticas para avançar em um agente de reformas. A ordem é difícil de dizer, mas há consenso em torno de questões básicas, que podem começar com uma reforma tributária.
Portal: Como seria a reforma tributária ideal, na sua opinião?
Maílson: Uma reforma tributária não no sentido, como muita gente pensa, de reduzir a carga de tributos, porque isso é impossível no Brasil nos próximos anos. A questão é tornar o sistema tributário mais racional e civilizado. O Brasil tem um sistema tributário caótico, que é, na minha avaliação, uma das principais fontes de ineficiência e injustiça social do país. É uma tributação excessiva do consumo, uma vinculação excessiva dos recursos, o que torna o processo muito rígido e prejudica a própria qualidade da política fiscal. O país também tem que modernizar sua legislação trabalhista, que continua anacrônica, presa a padrões dos anos 30 do século passado. A legislação trabalhista é, também, uma grande fonte de ineficiência e de menor produtividade da força de trabalho. A legislação é flexível na prática, porque todo mundo pode ir à Justiça fazer um acordo, mas os custos para as empresas são muito elevados.
Portal: E em termos de infraestrutura?
Maílson: O Brasil tem que fazer grande esforço para modernizar sua infraestrutura, que é fonte de ineficiência, dificulta a operação logística. Talvez seja a menos complicada das reformas, porque não requer nenhuma mudança constitucional, nenhuma aliança política. Requer apenas vontade política e competência para desenhar os melhores marcos regulatórios e conduzir adequadamente a execução dos processos e a escolha dos vencedores do leilão e das operações posteriores, particularmente da área de transportes. O Brasil, em resumo, precisa melhorar muito no médio prazo o seu ambiente de negócios. Além dessas questões básicas de reformas estruturais, você pode listar uma soma enorme de questões pontuais, de natureza microeconômica, que precisariam ser resolvidas, desde a burocracia pura e simples até o tempo para registar uma empresa. Medidas desse tipo que melhorariam, no conjunto, a eficiência da economia, a produtividade e ampliariam o potencial de crescimento.
Portal: Outra fonte de preocupação tem sido a inflação, cujos índices recentes beiram o teto da meta do governo?
Maílson: O Brasil não corre nenhum risco de descontrole inflacionário. E por descontrole inflacionário, quero dizer uma inflação indo para dois dígitos ou chegando ao estágio da hiperinflação que vivemos até o início dos anos 90. Mas, no curto prazo, merece atenção: o Brasil tem inflação altíssima para padrões de um país estável. Nos últimos 13 anos, o país namorou com uma inflação alta, porque o governo se convenceu de algo, a meu ver equivocado, de que o melhor para o país seria uma meta de inflação mais alta. E o Brasil destoa, de modo geral, dos países com os quais nos comparamos, nos quais a meta de inflação costuma estar em torno dos 3% ou até 2%, como é o caso do Peru. Ultimamente, há algo pior ainda: o governo assumiu uma postura, uma visão de que a meta é 6,5%. Na verdade, a meta é 4,5%, e 6,5% é o intervalo entre tolerância, é o limite superior. O principal instrumento para cumprimento da meta é a taxa de juros e as decisões sobre ela produzem efeitos no sistema de preço nos três a seis trimestres posteriores. Nesse período, você pode ter choques, imprevistos, e por isso há esse intervalo de tolerância. O governo, portanto, está operando acima da meta. É preciso fazer esforço forte de impor controles à expansão do gasto público. O gasto público vem, nos últimos anos, crescendo sistematicamente acima da inflação e a expansão fiscal é uma fonte de pressão inflacionária, que deixa a cargo do Banco Central a tarefa quase exclusiva de ser a organização responsável pelo cumprimento da meta de inflação.
Portal: O câmbio também apresenta motivos para preocupação?
Maílson: É outro ponto que merece atenção a curto prazo. No câmbio, não há muito o que fazer. O câmbio é flutuante. Aliás, felizmente voltou a ser flutuante. Até recentemente, o governo dava sinais de ter um piso e um teto da taxa de câmbio. O piso era 1,95 e o teto, 2,10. Fora desses limites, o Banco Central intervinha para manter tal banda cambial. A tendência do câmbio para os próximos meses é de depreciação. Isso por três razões. Primeiro, porque em algum momento vai haver uma mudança da política monetária americana, o chamado tapering, o que vai reduzir a compra de papéis no mercado pelo Federal Reserve, o Banco Central americano. Em seguida, de alguma maneira a taxa de juros dos Estados Unidos vai caminhar, entre 2014 e 2015, para a região dos 3%. Então, vai haver redução da liquidez e aumento da taxa de juros, com implicações na taxa de câmbio do Brasil. Em segundo lugar, porque o Brasil está vivendo uma deterioração de sua conta corrente do balanço de pagamentos, que depois de um superávit da ordem de 1% há seis anos, está caminhando para um déficit de 4%, com qualidade do financiamento muito pior. O Brasil cobria esse déficit com investimento estrangeiro e agora tem que recorrer a capitais de curto prazo. Isso gera a percepção de que o país ficou mais vulnerável, o custo aumenta e a oferta de crédito diminui, o que tem implicações na taxa de câmbio. Em terceiro lugar, há a percepção da deterioração séria da gestão fiscal em que, tudo indica, o governo não vai cumprir as metas de inflação. Isso gera um ambiente de incerteza, que pode levar a um rebaixamento da classificação do risco do Brasil, com implicações no custo do financiamento do balanço de pagamentos e, portanto, na taxa de câmbio. Esses três fatores tendem a empurrar o câmbio para frente ao longo dos próximos meses.
Portal: Como o senhor aavalia o resultado do recente leilão do Campo de Libra, relativo à logística estrutural de exploração do pré-sal?
Maílson: Em primeiro lugar, acho que não precisava do leilão. O país não precisava ter mudado o seu regime de exploração do pré-sal. O Brasil adotava o regime mais moderno, observado em países mais avançados, que é o regime de concessão. Esse é o primeiro erro dos governos do PT: adotar o regime de partilha, que é utilizado em países de baixo nível institucional, de grandes incertezas, sobretudo os mais pobres da África. Em segundo lugar, ao ficar muitos anos sem fazer leilão, o país perdeu a oportunidade de começar mais cedo a exploração dessa riqueza que a natureza nos deu. Em terceiro lugar, as próprias incertezas que têm cercado as ações do governo nessa área — o controle do preço da gasolina e o efeito disso na Petrobrás, as regras de conteúdo mínimo, as mudanças de regras em várias áreas da atuação deste governo — levaram à formação de um ambiente de incertezas, que reduziu o número de participantes. Dos cerca de 40 esperados, houve não mais que meia dúzia e um concorrente apenas. Difícil dizer que tenha sido um sucesso, mas não foi um fracasso, afinal duas grandes empresas de petróleo do mundo, com experiência na exploração de petróleo em água profunda, que participarão da exploração do campo de Libra. O governo dá impressão de que estava muito mais interessado em arrecadar os R$ 15 bilhões para ajudar a cumprir a meta fiscal, e indicar que a coisa começou a funcionar, do que desenhar o melhor sistema, conter seus instintos intervencionistas, para criar um ambiente melhor, para haver uma participação mais ampla de licitantes. A prova de que esse leilão não foi um grande sucesso é que o campo foi arrematado pelo valor mínimo.
Portal: Ainda em relação ao leilão do Campo de Libra, há divergência se o processo pode ser classificado como privatização. O que o senhor pensa?
Maílson: Ninguém pode ter dúvida de que foi uma privatização. Privatização tem a ver com a propriedade, e o Brasil tem apenas 40% do campo, que é a participação da Petrobras. Não é como um produto. Claro, o país vai receber mais de 80% do óleo, que será produzido, contudo, por maioria de capital não brasileiro. É, sim, uma privatização. Demonizar a privatização continua sendo um ativo político para o PT, dá para entender porque vão à televisão defender isso. Mas qualquer pessoa minimamente informada sabe que foi uma privatização. E não é ruim, até porque a Petrobras não reúne as condições operacionais e financeiras para se responsabilizar isoladamente pela exploração dessa vasta riqueza petrolífera.
Portal: Outra controvérsia, que voltou recentemente ao debate, diz respeito à independência do Banco Central. Qual a sua opinião?
Maílson: Claro que o Banco Central tem que ser independente. Dizer que não precisa independência do Banco Central é imaginar que os países que têm são tolos, ingênuos. Se você olhar, todos os países desenvolvidos, sem exceção, concederam a autonomia formal em lei aos seus Bancos Centrais, alguns há quase um século. Na verdade, o Banco Central é um órgão do Estado. Tem que ser gerido por pessoas qualificadas e com capacidade de resistir a pressões do governo de ocasião. Aqui na América Latina só há três países sem uma lei que conceda essa independência: Brasil, República Dominicana e Guatemala. Claro que, em alguns, essa independência do Banco Central não funciona, até porque a lei não é uma garantia de que vai funcionar. Na Argentina, na Bolívia e na Venezuela, não funciona, por exemplo. Mas no Chile, no México, na Colômbia e no Peru, funciona. A experiência mostra que, quando o Banco Central é independente por lei e tem autonomia para decidir sobre a taxa de juros, a taxa de juros tende a ser mais baixa.
Portal: Ainda sobre esse ponto, como o senhor avalia a situação do Banco Central brasileiro?
Maílson: No Brasil, hoje o Banco Central é autônomo na prática, dada a importância de preservar a estabilidade, mas a gente verificou que, na administração da presidente Dilma, isso não resiste ao voluntarismo dos chefes de governo. Dilma incorporou que tem o poder de mudar a taxa de juros e seus assessores também acreditam nisso. Ao interferir no Banco Central, acabou minando a credibilidade da instituição. Acabou, devido ao bom funcionamento das instituições brasileiras como um todo, tendo que devolver ao Banco Central a iniciativa e a condução do ciclo da política monetária com a alta da taxa de juros. Foi, na verdade, uma opção entre delegar essa função ou deixar a inflação fugir de controle e perder popularidade para as eleições. Unicamente por isso. Mas, infelizmente, a gente está vendo os grandes líderes políticos do Brasil, tanto do PT quanto do PSDB, professando uma ideia equivocada de que o Banco Central deve ser independente por uma dádiva do Poder Executivo, não por uma lei. É como se o Banco Central, na visão desses políticos, fosse um órgão do governo. Não é. Deve ser um órgão do Estado.
Portal: O Prêmio Nobel de Economia 2013, Robert Shiller, suspeita de que o Brasil viva hoje uma bolha imobiliária. O senhor concorda?
Maílson: Não. Na minha opinião, é um equívoco. As bolhas imobiliárias, que causam efeitos danosos à economia, estão muito associadas a mecanismos de oferta de crédito para especulação com imóveis. Todas as bolhas imobiliárias foram desse tipo. Você tem aqui no Brasil um aumento da demanda por imóveis, mas não é necessariamente impulsionada por uma expansão de crédito nem por euforia, até porque, nesse ponto, a vantagem brasileira é que o crédito imobiliário é muito regulado. Aqui não é possível comprar três, quatro imóveis utilizando o sistema como era nos Estados Unidos. O que se tem hoje são praças em que há uma forte valorização de imóveis. É o caso do Leblon, cujo preço do metro quadrado foi para as alturas (bairro mais caro do país, com metro quadrado médio estimado em R$ 21.866, pelo índice FipeZap). Mas isso não é resultado de uma oferta de crédito, e sim porque as pessoas têm dinheiro, o Leblon ficou na moda, os acetis estão se instalando por aqui e há uma demanda maior do que a oferta. Em algum momento esses preços vão cair, mas, ao contrário das bolhas, não detonará uma crise de câmbio. Nesse sentido, não há bolha de crédito no Brasil.
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