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Rio de Janeiro, 27 de julho de 2024


País

Pesquisadores analisam desafios da internet à democracia

Guilherme Simão - Do Portal

21/11/2013

 Divulgação

Nas primeiras eleições sem voto obrigatório no Chile, no último dia 17, apenas 6,3 milhões dos 13 milhões de eleitores foram às urnas. A queda do número dos que exercem o direito de votar, sobretudo nos países onde o voto é opcional, é apenas um dos indícios da insatisfação dos cidadãos das democracias modernas com seus representantes, e de seu desinteresse crescente em participar de eventos políticos. Pesquisadores que se dedicam a entender esses processos apontam que as tecnologias de comunicação e informação podem contribuir para o fortalecimento da democracia. É a democracia digital, campo de estudo da área de ciências sociais que tem se consolidado.

Para compreender melhor as iniciativas de democracia digital em curso, tanto da sociedade civil como as governamentais, foi criado o Centro de Estudos Avançados em Democracia Digital (CEADD), especializado na relação entre internet e democracia. Sediado na Universidade Federal da Bahia (UFBA), o CEADD é uma rede composta dos seguintes grupos de pesquisa: Grupo de Estudo de Comunicação, Internet e Democracia (CID); Grupo de Estudos de Comunicação, Política e Redes Digitais (CP-Redes); Núcleo de Pesquisa em Internet, Democracia, Estado e Sociedade (NIDES), todos da UFBA; Grupo de Pesquisa em Política e Tecnologias da Informação e Comunicação (GPOLITICs), na Universidade Federal de Alagoas (UFAL); Grupo de Pesquisa em Política e Novas Tecnologias (PONTE), da Universidade Federal do Ceará (UFC); Grupo de Pesquisa em Comunicação, Internet e Política (COMP), da PUC-Rio e Grupo de Pesquisa sobre Democracia Digital (GPDD), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). 

Os pesquisadores analisam os efeitos das tecnologias na democracia e o uso da internet para aperfeiçoar os processos democráticos. Segundo eles, a rede de computadores tem potencial para incrementar a participação do cidadão nas decisões políticas, ampliando a pluralidade dos debates públicos; para aumentar a transparência do Estado e das ações dos agentes públicos ao facilitar a divulgação de informações de interesse público, possibilitando aos cidadãos maior controle sobre o governo; para consultar a opinião pública, contribuindo para que a vontade dos eleitores oriente as posições dos representantes políticos.

Criador do CEADD e coordenador do Grupo de Estudo de Comunicação, Internet e Democracia (CID) da UFBA, o professor Wilson Gomes destaca o grande crescimento do uso de tecnologias digitais na comunicação política nos últimos anos. Mas ressalta que, na realidade brasileira, ainda há mais oferta de ferramentas digitais do que participação política dos cidadãos: “O brasileiro não tem uma cultura forte de participação política”. Segundo Gomes, a população só vai usar os canais de comunicação on-line quando tiver a percepção de que eles realmente produzem resultados:

 Carlos Serra – As pessoas vão continuar interditando vias na periferia enquanto acreditarem que essa forma de protesto é a ação mais eficiente para receber respostas do poder público às suas demandas e reivindicações.

Os estudiosos destacam como bons exemplos de canais de participação política pela internet as consultas públicas digitais, entre elas o debate virtual sobre o Marco Civil da internet e o portal e-democracia da Câmara dos Deputados, que organiza discussões sobre projetos de lei. O Gabinete Digital do governo do Rio Grande do Sul, ferramenta de diálogo entre cidadãos e poder público, também é considerado uma referência internacional em governo digital.

Por outro lado, pode haver também riscos para a democracia. O professor Arthur Ituassu, coordenador do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Internet e Política da PUC-Rio (COMP), ligado ao CEADD, observa a crescente lógica comercial na internet e ressalta que as maiores redes sociais do mundo são empresas voltadas para o lucro. Ituassu, coordenador de jornalismo do Departamento de Comunidação Social da PUC, destaca que ainda não se sabe como o cidadão assimila a informação política disponível na internet:

 – Pesquisamos se a informação política na rede poderia ser mais qualificada. Isto é, se o cidadão está pronto para ter contato com informação política complexa no meio digital.

Integrante do grupo pela universidade baiana, o pesquisador Samuel Barros pondera que as pessoas querem usar as tecnologias digitais para participar mais da política, mas o incremento da participação depende do valor da ação do cidadão no processo da tomada de decisão. Em outras palavras, o quanto a voz dos cidadãos é considerada.

– Mas esta participação vai depender da questão em pauta: as pessoas não querem perder tempo com questões que não façam diferença em suas vidas, não querem discutir o programa aeroespacial brasileiro, que é importante, mas do interesse de poucos. As pessoas querem discutir temas mais relevantes em termos da sua própria experiência na sociedade, a exemplo do transporte, segurança, educação e saúde públicos.

O pesquisador Rodrigo Carreiro, da UFBA, lembra que o potencial da internet, como em qualquer ferramenta, depende do uso que se faz dela:

– Antes de tudo, a internet é um meio. O que vai ditar processos e aperfeiçoar qualquer aspecto da democracia é a relação que as pessoas e instituições estabelecem com a ferramenta tecnológica e o que ela oferece em termos concretos – diz Carreiro, citando como exemplo a facilidade de organização de grupos extremistas, como os neonazistas.

Participação política é um dos temas mais observados pelos estudiosos

Estudos em democracia digital apontam que a participação é um dos valores democráticos mais valorizados na política contemporânea. Mas, para Wilson Gomes, um dos organizadores do livro Internet e participação política no Brasil, a participação não é valor em si mesmo; é necessário avaliar a finalidade da participação, o ganho democrático, e as garantias de pluralismo político e respeito às minorias.

Barros compartilha a visão de Gomes de que é necessário ter uma visão crítica sobre a participação política:

– A participação é interessante porque permite que o cidadão, dono último do Estado, influencie a produção das decisões. Há uma expectativa também de que a participação dos cidadãos nos processos políticos traga ganhos para a legitimidade e para a qualidade da decisão. Há um entendimento otimista que defende que o cidadão participante dos negócios públicos é um cidadão mais comprometido com a sociedade e a comunidade política. Mas não podemos esquecer que as pessoas podem participar apenas interessadas no benefício próprio, na prevalência da posição pessoalmente mais vantajosa.

Maioria dos políticos ainda teme interação maior com eleitor pela rede

Outro tema analisado pelos pesquisadores do CEADD é a vontade política dos parlamentares e governantes de usar a internet para se comunicar com os cidadãos. Segundo os estudiosos, prevalece entre os políticos o uso estratégico na busca por votos durante as campanhas, mas também há registros de troca de argumentos, debates importantes e de participação de eleitores que visam a orientar as posições dos seus candidatos.

Arte Portal Segundo Samuel Barros, o número de políticos que faz uso da internet diminui sensivelmente depois das eleições, mas ressalva que há casos de parlamentares que usam a rede para prestar contas do mandado e coletar opiniões dos cidadãos. Ele destaca que há uma crescente profissionalização da comunicação política:

– Cada vez mais agências de publicidade e profissionais da comunicação desenvolvem iniciativas para a comunicação on-line entre os representantes e representados. Isso representa uma tentativa de organização e controle, por parte dos políticos, da comunicação nas plataformas digitais. Muito ainda pode ser feito em termos de uso da internet, e tenho observado que um número significativo de políticos dispostos a atender às demandas da sociedade por mais atenção de seus representantes.

Segundo Arthur Ituassu, as pesquisas mostram que, em geral, os políticos ainda estão receosos em interagir com os cidadãos, e os parlamentares usam a rede principalmente para divulgar o mandato.

– Em muitos casos, o agente público não está na internet para discutir com o cidadão, mas para divulgar o que está fazendo. Queremos saber o quão transparente o político quer ser. Durante a campanha eleitoral, o candidato está sempre disposto a dialogar, mas, durante o período do mandato, será ele que também fica realmente aberto ao diálogo? – questiona Ituassu.

 Divulgação Os motivos dos políticos para evitar a interação com o cidadão vão desde o risco de perder o controle da comunicação no meio digital até gerar oportunidades para oposicionistas, além da dificuldade de dar retorno satisfatório a todos, o que poderia gerar uma percepção de falta de representatividade.

Rodrigo Carreiro, da UFBA, afirma que estar presente na rede é um caminho inevitável para os políticos. Para ele, os parlamentares serão forçados a entrar no meio digital quando seus rivais começarem a usar a internet.

— Existe um senso geral de que abertura demais significa perda de controle. Mas essa é uma falsa sensação. Não criar estratégias de comunicação on-line bem organizadas é uma forma de estar atrás no tempo. Onde está grande parte dos eleitores? Na internet. É preciso estar lá e dialogar com os cidadãos. Se um determinado político ou candidato não se fizer presente, ou ele será "engolido" por outros que lá estão de forma mais ativa ou, quando criticado, não terá como se defender de maneira mais efetiva — defende Carreiro.

Campanha política on-line no Brasil ainda é incipiente, diz pesquisador

A campanha política on-line também é um dos objetos de estudo dos pesquisadores do CEADD. De acordo com o pesquisador Camilo Aggio, ainda não existe um padrão específico para o uso da internet durante o período de eleições no Brasil. Aggio afirma que as campanhas políticas on-line no país ainda estão num estágio experimental devido à legislação eleitoral que, até 2010, só autorizava o uso websites entre os recursos digitais dos pleitos. Apesar disso, ele critica a falta de planejamento dada à comunicação digital das campanhas políticas brasileiras.

— É preciso convencer coordenadores de campanha e gerentes de comunicação de que a internet é mais relevante do que eles julgam. Como grande parte desses profissionais é especialista em comunicação televisiva, costumam subvalorizar as qualidades das tecnologias digitais. O desenvolvimento das campanhas on-line depende da conquista de espaço interno nas estruturas de comunicação das campanhas.

Pesquisadores não creem em crise da democracia representativa

Na visão de Ituassu (foto, abaixo), a baixa representatividade dos políticos e as deficiências dos regimes democráticos não implicam uma crise da democracia representativa, ainda que haja um déficit de legitimidade das instituições políticas.

 Carlos Serra – A democracia é um processo imperfeito por natureza e está sempre tentando se aperfeiçoar. A grande vantagem dela é que o cidadão pode repensar o próprio regime político e transformá-lo.

O professor Wilson Gomes observa que o distanciamento dos cidadãos da política tradicional pode estar relacionado aos hábitos culturais da sociedade moderna, marcada pelo individualismo. Assim, novas formas de participação cívica estariam ganhando força em comparação aos canais tradicionais de organização, como os sindicatos, coletivos e greves.

O pesquisador Samuel Barros ressalta que, numa perspectiva histórica, os valores democráticos nunca foram tão valorizados como parte essencial dos governos.

– O que se chama de crise de democracia representativa é um ponto de disputa. Não tanto para afirmar se existe ou não uma crise, mas sim qual a extensão e o remédio para ela. Há quem queira acabar com democracia representativa em benefício da democracia direta e também quem queira melhorar, tornando-a mais porosa, para aproximar representantes e representados. A democracia é sempre um governo de crise, um modo inteligente de administrar as crises. Sempre novos atores querem participar do jogo político. No Brasil, ficamos acomodados demais durante o período logo depois de retomarmos o estado e de alcançarmos a estabilidade econômica. Mas sempre queremos mais, e isto é bom, desde que em busca de mais democracia.