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Rio de Janeiro, 27 de julho de 2024


Economia

Metade dos brasileiros tem conta no banco, mas só 21% poupam

Guilherme Simão - Do Portal

28/10/2013

 Arquivo Portal

Hoje, todas as cidades do país contam com algum tipo de serviço financeiro formal, dado que comprova o avanço na inclusão financeira da população na última década. Mas, mesmo com acesso a bancos, o brasileiro continua sem o hábito de poupar. A constatação está no relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, segundo o qual, em 2011, apenas 21% dos brasileiros adultos informaram ter economizado dinheiro no ano anterior. O estudo, divulgado em setembro, destaca os aspectos positivos da expansão dos serviços de finanças, mas ressalva que o Brasil ainda está longe de completar a sua agenda de inclusão financeira. Além da baixa taxa de poupança, economistas mostram preocupação com os riscos do endividamento e alertam para a necessidade de melhorar a educação financeira no país.

O relatório do FMI e do Banco Mundial sobre o acesso financeiro no Brasil aponta que 56% dos adultos brasileiros têm conta bancária. A percentagem é superior à média da América Latina (39%) e às taxas verificadas na maioria dos países emergentes, como Argentina (33%) e Peru (20%), mas menor que a da China (64%). Nos países desenvolvidos, a parcela da população com conta em bancos supera 90%. Por outro lado, o estudo enfatiza que apenas 10% dos brasileiros declararam ter guardado suas economias em bancos, enquanto países com renda per capita semelhante têm o dobro do nível de poupança formal. Como resultado, as empresas acabam sendo responsáveis por 90% da poupança do país.

De acordo com o documento, entre os fatores que explicam os baixos níveis de poupança pessoal no Brasil estão a relativa generosidade do sistema de pensão; a facilidade de tomar crédito de consumo; e os hábitos de compras herdados do período de instabilidade de preços dos últimos anos. O estudo destaca também a falta de incentivos por parte das instituições financeiras para que o cidadão faça uma economia formal, como o custo relativamente alto e as exigências para abrir e manter contas de poupança.

Expansão do crédito e aumento da renda estimularam consumo

Segundo o professor da USP Ricardo Rocha, o consumo ficou represado durante anos no Brasil por causa da hiperinflação e da estagnação da renda da população. Com a estabilidade da econômica e a ampliação do crédito, diz Rocha, houve uma corrida às compras. O economista Danilo Garcia (foto), da Confederação Nacional da Indústria (CNI), diz que o longo período de alta inflação no Brasil, do fim da década de 1970 até a metade dos anos 1990, foi decisivo para que o nível de poupança permanecesse baixo no país:

Divulgação  — Durante esse período, a melhor opção sempre foi gastar o dinheiro o mais rápido possível, pois guardar poderia representar menor poder de compra no futuro. Essa prática ainda persiste em parte da população — diz Garcia.

O economista Fabio Gallo, da Fundação Getulio Vargas, observa que o hábito de economizar é ainda mais raro na nova classe média — os mais de 35 milhões de brasileiros que ultrapassaram a linha da pobreza na última década.

— Com a renda maior, a classe emergente optou por consumir, incentivada pelo acesso ao crédito e pela redução da alíquota do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados).

Para Danilo Garcia, o nível baixo de poupança indica que o crédito está sendo tomado para o consumo:

— A expansão do crédito que observamos nos últimos anos serve para complementar o consumo, fazendo com que o indivíduo consuma agora o que ele só teria condições de consumir no futuro.

O consultor Reinaldo Domingos, presidente da Associação Brasileira de Educadores Financeiros (Abefin), destaca que o brasileiro é estimulado a consumir acima da sua capacidade de pagamento:

— O principal problema é a falta de educação financeira. O crédito fácil e o apelo do marketing são incentivos poderosos para que cidadão consuma além da sua possibilidade. A grande maioria da população tende a se endividar e, depois, a perder o controle dos gastos, tornando-se inadimplente – diz Domingos, que também preside a DSOP Educação Financeira.

Falta ao brasileiro a cultura de pensar no futuro, afirmam economistas

Os economistas alertam que a maioria da população não faz um planejamento financeiro para gastos de longo prazo e que poucos se preparam para manter o padrão de vida depois da aposentadoria. Eles ressaltam que os níveis de poupança atuais são muito baixos diante do aumento da expectativa de vida da população. Em 2010, uma pesquisa da multinacional de seguro de saúde Bupa, conduzida pela universidade London School of Economics, com cidadãos de 12 países, apontou que os brasileiros são os que mais esperam ser sustentados pela família na velhice. Segundo o estudo, menos de 7% das 1.005 pessoas entrevistadas no Brasil disseram estar guardando dinheiro para a aposentadoria.

O consultor Reinaldo Domingos afirma que a população brasileira não tem a cultura de poupar dinheiro. O educador financeiro diz que o brasileiro é muito influenciado pelas gerações passadas que não tiveram educação financeira para administrar seus recursos.

— O brasileiro não tem projetos de vida e faz apenas planos de curto prazo. Vive para o hoje, não pensa no amanhã. Desde criança, ele é ensinado a gastar e a desenvolver hábitos consumistas.

O economista Roberto Zentgraf, coordenador do MBA em finanças do Ibmec, ressalta que organizar as finanças é uma decisão individual. Ele condena a despreocupação dos brasileiros em administrar dinheiro e diz que a ausência de planejamento financeiro é um problema comum a toda a população, inclusive nas famílias abastadas:

— As pessoas simplesmente não querem gastar tempo para administrar o dinheiro. Não fazem pesquisas de preço e tampouco buscam equilibrar os gastos com as despesas. Elas têm uma visão paternalista: parecem achar que o governo deve prover tudo ou que alguém vai resolver os problemas delas. Só resolvem organizar as finanças na velhice, quando é tarde demais e as dificuldades financeiras começam a aparecer — critica Zentgraf, que assina coluna com dicas de finanças no jornal O Globo.

 Tânia Rêgo da Agência Brasil Para Danilo Garcia, o brasileiro geralmente não administra mal as finanças pessoais. Mas o economista ressalva que a maioria da população não atenta para o custo final das dívidas contraídas:

— O brasileiro se preocupa, sim, com as finanças pessoais e da família. Mas essa preocupação não olha para o longo prazo. Em geral, o brasileiro presta atenção se os valores de suas contas do dia a dia e dos crediários contratados cabem no orçamento do mês. Contudo, não verifica qual o custo final das prestações e tampouco quais serão a taxa de juros e o prazo a pagar.

O professor Ricardo Rocha diz que o brasileiro ainda não tem o hábito de buscar melhores condições de pagamento:

— O brasileiro não trabalha com o horizonte de tempo mais amplo e acaba não enxergando os benefícios em longo prazo. As pessoas raramente negociam descontos para pagamentos à vista. Como se não tivessem pagando juros, elas preferem pagar as compras em prestações — explica Rocha, também professor do Insper.

Especialistas recomendam investimentos  

O economista Fabio Gallo, que também é professor de finanças da PUC-SP, afirma que o nível de poupança depende basicamente de três fatores: a capacidade de guardar dinheiro — o que decorre da renda per capita da população; o desejo de economizar e as oportunidades para poupar — as possibilidades de investimento, como a caderneta de poupança, títulos de renda fixa e a bolsa de valores.

Segundo o educador financeiro Reinaldo Domingos, a educação financeira pertence ao campo das ciências humanas e se refere aos hábitos e costumes do consumidor.

— Ao contrário das finanças pessoais que envolvem cálculos e uso de planilhas, a educação financeira está relacionada ao controle comportamental. O planejamento financeiro pode ser resumido em quatro etapas: identificar todos os gastos; estabelecer as prioridades e os desejos a curto e médio prazos em reuniões com a família; reservar a quantia do orçamento necessária para financiar os planos e, por fim, aplicar os recursos poupados em investimentos — explica Domingos, acrescentando que o planejamento financeiro do brasileiro geralmente se limita a buscar o equilíbrio entre a renda e as despesas, mas, como acaba faltando dinheiro, ele resolve tomar créditos para consumir.    

O professor Roberto Zentgraf, do IBMEC, diz que é recomendável que as pessoas façam uma poupança de 10 a 20%, pelo menos, de sua renda bruta.

— Com a moeda estabilizada, não há mais desculpas para não planejar a vida financeira. De modo geral, os brasileiros precisam cortar gastos, aprender a comparar os riscos dos investimentos e poupar por mais tempo.

Arquivo pessoalA jornalista Rhaiane Sodré (foto) está entre a maioria dos brasileiros que tem dificuldades para poupar. Embora não faça compras por impulso, Rhaiane não consegue economizar. Ela reconhece que precisa organizar melhor suas finanças e buscar orientação financeira.

— Por causa da falta de tempo, eu acabo adiando ou me esquecendo de anotar os meus gastos. Sou econômica na hora de fazer escolhas no momento da compra, mas acho que falta mais determinação para organizar as finanças. Também sinto que deveria me informar melhor no banco sobre oportunidades de garantir um futuro mais tranquilo e de fazer uma economia concreta para os meus desejos, como viajar mais e comprar uma casa própria.

Para o economista Ricardo Rocha, as pessoas precisam entender que a poupança é um benefício, e não um sacrifício. Rocha defende que o planejamento financeiro seja debatido entre os familiares, no local de trabalho, nos bancos e nas escolas. O consultor Reinaldo Domingos acredita que a inclusão financeira pode avançar no país se a educação financeira for incluída no currículo escolar nos ensinos fundamental e médio, como prevê o Projeto de Lei Nº 171/09, apresentado pelo ex-deputado Lobbe Neto em 2009. A proposta está na Comissão de Educação do Senado e aguarda para entrar na pauta de votação.

Captação recorde da caderneta de poupança reforça tendências positivas

Economistas afirmam que é mais fácil estimular a poupança quando as pessoas estão bancarizadas (têm contas bancárias). Em junho de 2012, a pesquisa Retratos da Sociedade Brasileira: Inclusão Financeira, elaborada pela CNI em conjunto com o Ibope, indicou que 36% da população não têm conta em banco. Segundo o estudo, 60% desses cidadãos declaram não ter conta bancária por falta de condições financeiras. O relatório do FMI e do Banco Mundial atribui a maior bancarização no Brasil à expansão do microcrédito, ao aumento da renda da população mais pobre e ao crescimento da rede de correspondentes bancários, postos de serviço contratados pelas instituições financeiras para fazerem o papel de bancos no país. Os correspondentes já respondem por 62% do número total de pontos de serviço do sistema financeiro nacional.

— No Brasil, as instituições financeiras são confiáveis e o sistema de pagamentos é eficiente. Mas, em parte devido à falta de educação financeira, as pessoas resistem a guardar suas economias em bancos.

Os correspondentes bancários são uma peça-chave do programa de inclusão financeira do governo, principalmente em áreas distantes e carentes. Mas o Ministério Público do Trabalho (MPT) ajuizou recentemente uma ação para fechar os postos de serviço do sistema financeiro instalados em lotéricas, agências dos Correios, farmácias, papelarias e supermercados. Para o MPT, os funcionários de correspondentes bancários deveriam ter direitos trabalhistas equivalentes aos dos bancários, como piso salarial da categoria e auxílio-alimentação.

Se o aumento do endividamento das famílias pelo crédito é motivo de preocupação para os economistas, por outro lado, eles destacam o volume de recursos depositados na caderneta de poupança em 2013. Em setembro, os depósitos superaram as retiradas em R$ 6,69 bilhões, batendo novo recorde na série histórica do Banco Central. O economista Ricardo Rocha observa que o apelo do consumo tem diminuído nos últimos meses e que os inconvenientes da inadimplência podem deixar as pessoas mais preocupadas em poupar:

— As pessoas acabam aprendendo com o erro. É constrangedor receber telefonemas de cobrança. Então, elas passam a poupar um pouco da renda e a fazer uma reserva financeira. A poupança traz mais segurança e tranquilidade porque o consumo se torna perene e o cidadão não fica dependente do crédito.

Segundo estimativas do FMI, a poupança doméstica do Brasil equivale a cerca de18% do PIB (produto interno bruto), taxa considerado baixa por economistas. Para Fabio Gallo, o país precisaria de uma poupança de 24% do PIB para ter crescimento sustentável de 4% ao ano. O economista Danilo Garcia destaca que o aumento da poupança é recomendável para ampliar os investimentos no país e impulsionar o crescimento econômico.

— Uma alta taxa de poupança é fundamental para financiar os investimentos produtivos. A retomada do crescimento brasileiro passa pela expansão dos investimentos de longo prazo, como os projetos de infraestrutura e as concessões. Contudo, a baixa taxa de poupança faz com que os recursos disponíveis para investimentos se tornem escassos e caros, demandando aportes de capitais externos.