Projeto Comunicar
PUC-Rio

  • Facebook
  • Twitter
  • Instagram

Rio de Janeiro, 24 de abril de 2024


País

"Problemas que denunciei há 40 anos continuam", diz Tabak

Gabriel Camargo - aplicativo - Do Portal

11/10/2013

 Álbum JotaBeniano

Professor do Departamento de Comunicação Social, Israel Tabak, 69 anos – um dos palestrantes do congresso promovido na PUC-Rio pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) – dedicou boa parte de sua carreira a reportagens investigativas, fazendo denúncias principalmente em relação aos serviços públicos. Com mais 30 anos de experiência na redação do Jornal do Brasil, Tabak foi responsável, entre outras, por uma série de 30 reportagens denunciando fraudes na saúde, em 1996, que lhe renderam o prêmio Castelo Branco de reportagem; e pela série EducaçãoUm estado de calamidade, pela qual ganhou o Troféu Imprensa e menção no prêmio Esso, em 1975. Fez parte, ainda, da equipe que ganhou o Esso pela investigação do Caso Riocentro, em 1981. Para Tabak, não é mera coincidência que estes três temas – corrupção na saúde, crise na educação e a investigação sobre o atentado estejam ainda em pauta: “Nossos problemas são os mesmos dos anos 70, 80, 90. Muitas coisas que denunciei há 30 ou 40 anos continuam iguais. As coisas no Brasil não mudam”.

Hoje assessor de imprensa da Transpetro, ligada à Petrobras, o jornalista sente falta de produzir matérias, publicá-las e até de um público mais amplo, já que as suas reportagens do passado ainda se encaixam nos problemas de hoje. Além disso, acredita a frase “a boa notícia não tem preço”, que ouvia de seu chefe no JB, não existe mais nas redações.  Casado com a também jornalista e professora Rose Esquenazi e pai de dois jornalistas – Bernardo e Flavio –, Tabak, que iniciou carreira no Correio da Manhã em 1964, conversou com o Portal sobre sua trajetória e sobre o atual momento do jornalismo brasileiro.

Portal PUC-Rio Digital: Qual foi o motivo de ter escolhido se aprofundar no jornalismo investigativo, ou de profundidade?
Israel Tabak:
Minha decisão decorreu de um profundo sentimento de indignação em relação às injustiças sociais, disparidades e distorções que caracterizam a sociedade brasileira. E tenho certeza de que esta foi, também, a motivação de muitos colegas que seguiram a mesma linha. Para denunciar o que está errado, o jornalista precisa estar muito preparado e muito bem documentado, para não cometer injustiças. Fazer jornalismo investigativo não é fácil porque envolve iniciativa e esforço do repórter para apurar fatos de grande relevância social que pessoas ou instituições importantes procuram esconder. E muito difícil, por exemplo, documentar corrupção. Ninguém passa recibo da propina que recebe.

 Reprodução TV PUC Mas, quando analisamos os programas dos três encontros paralelos sobre jornalismo investigativo que vão ocorrer na PUC nos próximos dias, logo constatamos como os jornalistas especializados contam com técnicas e recursos cada vez mais sofisticados, muitos deles decorrentes da troca de experiências, um hábito já enraizado entre os profissionais da área. É por isso que o poder, onde quer que esteja ou a que interesses sirva, procura, em desespero, desqualificar o jornalismo investigativo, justamente naqueles momentos em que é atingido por reportagens bem documentadas que não deixam dúvidas sobre os desvios apontados.

Portal: Hoje são cada vez mais raras reportagens longas, por exemplo. Qual o motivo para que o jornalismo investigativo tenha perdido tanto espaço recentemente?
Tabak:
Pelos depoimentos de quem continua fazendo jornalismo investigativo, como o jornalista Chico Otávio, também professor da PUC-Rio, as crises financeiras na grande imprensa afetaram o jornalismo investigativo. Hoje, o que vai custar uma matéria investigativa é uma das situações a serem ponderadas pela área administrativa do jornal. Jornalismo investigativo é mais caro, o repórter precisa passar semanas ou meses consultando documentos, viajando. Os repórteres investigativos contam que hoje é mais complicado devido à burocracia do jornal, que muitas vezes não entende a importância de uma reportagem investigativa e cria problema se acha que a matéria vai ficar cara. A área administrativa não sabe ponderar bem a importância, para o prestígio do jornal, de uma boa denúncia dada com grande destaque, e leva mais em conta o custo que terá o jornal. Nos tempos em que o Jornal do Brasil tinha dinheiro e prestígio, um dos chefes de redação dizia: “A boa notícia não tem preço”. Acho que não se diz mais essa frase nas redações.

Portal: Qual foi a reportagem mais difícil? Valeu a pena, a denúncia surtiu efeito?
Tabak:
Foram várias, mas, historicamente falando, devo ter sido o primeiro repórter no Brasil a denunciar sistematicamente o uso indiscriminado de agrotóxicos. Fiz dezenas de reportagens sobre o assunto. Também fazia matérias sobre problemas na saúde pública, que não mudaram, são os mesmos de 1970, 80 e 90. Eu falava sobre situações que são praticamente as mesmas. Hoje eu falaria as mesmas coisas, mostraria os mesmos diagnósticos. Arte: Maria Christina M. Corrêa

Portal: Algum caso específico?
Tabak:
Fiz uma série de matérias com denúncias sobre desvios e fraudes na saúde, que me deram um prêmio e, indiretamente, geraram a saída de um ministro. Fiquei sabendo que, por causa das matérias, o ministério tinha mudado o sistema de controle e já tinham detectado uns R$ 30 milhões desviados em fraudes. Então, estava satisfeito porque a matéria tinha dado resultado, e daria uma manchete dizendo que as reportagens provocaram uma mudança no controle das fraudes, quando o ministro me liga e diz que os hospitais particulares conveniados com o Sistema Único de Saúde (SUS) estavam passando por dificuldades financeiras, ele ia pagar tudo e só depois iria investigar. Tentou me convencer de que estava certo, e obviamente não estava. Isso mostra a força dos agentes do sistema público de saúde, como algumas entidades filantrópicas, que têm uma força política muito forte. Eu não acusei o ministro de nada, apenas ficou claro que ele não queria mexer com as forças políticas, que têm representação no Congresso, e faziam com que as coisas continuassem assim.

Portal: Como foi participar da equipe que venceu o Prêmio Esso pela cobertura do caso Riocentro?
Tabak:
Fui da equipe mas meu papel foi secundário, pois atuei apenas cobrindo a fase processual. Foram dois repórteres já falecidos, Fritz Utzeri e Heraldo Dias, as principais figuras da cobertura. Eles comprovaram, fazendo uma “perícia” – que deveria ser papel do Exército e da polícia – que a bomba, por acidente, estourou no colo de um sargento e feriu gravemente um oficial que estava com ele. O objetivo era fazer a bomba explodir durante um show no Riocentro no Dia do Trabalhador, para pôr a culpa nos “comunistas”.

 Arte: Maria Christina M. Corrêa Portal: Passou por alguma situação mais complicada durante alguma reportagem especial? Alguma ameaça, por exemplo?
Tabak:
Pessoalmente nunca fui ameaçado. Algumas ironias e piadinhas, mas nunca ameaçaram me matar, por exemplo. Mas já tive fontes que eram ameaçadas em razão de matérias que eu publicava. Eu prezo muito esse tipo de fonte, geralmente um sujeito corajoso que está dentro de um sistema corrupto, mas não consegue fazer nada. Vendo de dentro como as coisas são feitas e com as provas que consegue, ele procura um jornalista, que o mantém em anonimato, mas por alguma razão desconfiam e ele acaba ameaçado. Mas essas pessoas são corajosas e muitas vezes continuam fazendo as denúncias.

Portal: A maior participação da população nas reportagens com denúncias e o crescente número de blogs concorrem com o jornalismo investigativo ou ajudam?
Tabak:
Acho que o repórter amador pode ajudar, porque muitas vezes faz determinado flagrante que o repórter não teria agilidade de fazer, ou a chance de estar naquele lugar. Mas, no ponto de vista de apurações mais longas, mais caras ou que exigem mais tempo, é preciso ter uma estrutura que custa dinheiro. O grande problema é que blogueiros ou pessoas que tentam fazer esse trabalho pela internet é que não contam com essa estrutura, se limitam a criticar ou elogiar, baseados no que os jornais publicam. É muito difícil ver denúncias e boas apurações investigativas; até podem existir, mas não são numerosas no jornalismo de internet. Isso, mesmo com as dificuldades todas, é ainda feito pelos veículos que têm maior poder financeiro para poder bancar essas investigações. Mas isso também está piorando.

 Álbum JotaBeniano Portal: O senhor já não está no jornalismo diário. Sente falta de fazer reportagens, de fazer uma investigação mais profunda?
Tabak:
Sinto falta. Volta e meia estou com vontade de escrever ou falar, às vezes até escrevo no Facebook, comento na PUC, mas gostaria muito de poder ter um público mais amplo, porque muitas coisas que denunciei há 30 ou 40 anos atrás continuam iguais. Minhas reportagens são provas de como as coisas no Brasil não mudam. Há situações crônicas que continuam se repetindo, até hoje.