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Rio de Janeiro, 26 de abril de 2024


Cultura

Sino embala encenação de conto no anfiteatro

Bruna Santamarina - Do Portal

18/12/2008

Na abertura da Semana Machado de Assis, em setembro, a peça “A Igreja do Diabo” emocionou os espectadores que lotaram o Anfiteatro Junito Brandão. Dirigida por Cláudia Ventura, a dramatização do conto na PUC-Rio aguçou a imaginação do público à medida que Alexandre Dantas interpretava Deus e o diabo. Ele se inspirou na ironia da obra de Machado para desenvolver uma peça divertida e, ao mesmo tempo, reflexiva sobre a incoerência humana.

A apresentação foi marcada pelos improvisos do ator. Especialmente, depois da contribuição do acaso: quando o sino da Igreja do Sagrado Coração tocou ao meio-dia, Alexandre aproveitou para encerrar a peça ao som dos badalos.

A partir da leitura contemporânea do texto escrito em 1883, Cláudia e Alexandre criaram monólogo interativo. A peça reproduz a história da igreja montada pelo diabo na Terra, para exaltar os pecados e reprimir as boas ações. No papel do diabo, Alexandre distribuiu vinho e canapés aos espectadores, que se tornaram discípulos. Leram trechos dos mandamentos da igreja recém-fundada e mergulharam na encenação.

– Quebramos essa quarta parede do teatro, essa parede imaginária que fica entre o palco e o público – empolgou-se o ator.

No cenário todo branco, folhas de papel espalhadas pelo palco representaram manuscritos religiosos. "O branco é para cada um ver o que quiser no cenário, poder interpretar como quiser e estender sua imaginação para o ambiente", esclareceu Cláudia.

No fim, quando o diabo descobre que seus discípulos praticavam boas ações às escondidas, os sinos da Igreja do Sagrado Coração, a poucos metros do palco, começaram a dobrar. Alexandre ficou em silêncio, abriu os braços e finalizou a peça com o arrependimento do diabo diante de Deus. 

– Foi um momento singular, com o sino e o olhar do Alexandre. Essa é a grande riqueza do teatro – emocionou-se Cláudia.

Embora seja fã do improviso, Alexandre ressalvou:  o ator não deve torcer para que algo mude o curso da peça, porque todos ensaiam muito antes de apresentá-la.

– O grande barato é o ator estar disponível para o improviso. Eu queria que o público passasse por um encantamento pelo diabo, até perceber que é importante que se tenham regras a seguir. O sino foi um presente para a cena.

– Foi o amém – completou Cláudia.

Para desenvolver a peça, os dois estudaram a relação de Machado com a religião. Notaram que a grande preocupação do escritor era, mais do que fazer um recorte político, religioso e social, mostrar a forma como o ser humano se apresenta no mundo.

– A gente não queria fechar só na Igreja Católica, porque não era essa a questão do Machado. Ele percebia a religião como instituição, como dona de uma verdade. Por isso, colocamos na peça também um pouco de umbanda e de igreja evangélica. – explicou Alexandre

Vânia Kampff, coordenadora da Cátedra Carlo Maria Martini, acredita que este tipo de abordagem colabora para o aprimoramento do diálogo entre as religiões:

– Isso mostra a abertura da PUC-Rio. O ser humano tem, regularmente, crises de fé, de identidade. É importante que se fale, que se pense, que se dialogue. A fé não pode se distanciar da nossa realidade diária.

A peça fica em cartaz no Planetário da Gávea até 20 de dezembro, sempre às 20 horas.