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Rio de Janeiro, 19 de abril de 2024


Economia

Passada a Bienal, mercado tenta virar a página do atraso

Júlia Cople e Danilo Rodrigues Alves - aplicativo - Do Portal

17/09/2013

 Danilo Rodrigues Alves

O balanço da Bienal, encerrada há 10 dias, orgulha os apaixonados por leitura. A 16ª edição da mais famosa feira de livros fez jus ao aumento de 20% no investimento: amealhou 660 mil visitantes e 3,5 milhões de exemplares vendidos, 685 mil a mais do que em 2011. A maré positiva é identificada também na pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro, de 2012. O estudo da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe/USP) confirma uma ligeira expansão (0,49%) do mercado editorial. Tais números camuflam, no entanto, um enredo menos doce, longe ainda de um final feliz. Sinalizariam um vento próspero, não fossem os problemas crônicos do segmento literário: alto preço do livro, inacessível à boa parte da população; risco constante de encalhes; dependência de projetos associados a verba pública; concentração do negócio nas mãos de conglomerados editoriais; concentração de livrarias no Sudeste; baixos níveis de leitura e de compreensão textual do brasileiro.

Segundo a pesquisa da Fipe, o maior faturamento das editoras deve-se não propriamente ao avanço do consumo, mas ao preço superior dos livros. Ficaram, na média, 12,46% mais caros no ano passado, o que impulsionou a arrecadação de R$ 4,98 bilhões das empresas do setor. Todavia, o setor acumula, desde 2004, uma queda real de 41% no valor médio das publicações. Ainda assim, chega a R$ 26, o equivalente a três vezes o preço médio na França e no Japão, por exemplo.

Um dos gatilhos que mantêm o livro salgado no país remete à chamada economia de escala: o custo é indiretamente proporcional às unidades impressas. O medo de encalhe leva editoras a planejar tiragens relativamente reduzidas, pressionando, assim, o preço. No estudo Economia Produtiva da Cadeia do Livro, publicado em 2005, Fábio Sá Earp e George Kornis explicam a complexidade do processo: "A maior dificuldade das editoras é nunca saber qual será a reação do consumidor. Aproximadamente 10% das obras dão lucro, 20% se pagam e 70% dão prejuízo. Estoques encalhados, para uma editora, significam perda de capital de giro e, portanto, de capacidade de saldar dívidas de financiamento ou de investir em novos títulos".

Por essa razão, observam os pesquisadores, o editor multiplica por cinco ou seis o custo de produção de cada exemplar. Diante de tantos gastos e riscos, esse multiplicador aparentemente alto é considerado uma garantia básica à atividade editorial.

O jornalista e professor Felipe Gomberg, um dos responsáveis pela Editora PUC-Rio, reforça a tese: "o mercado ainda pratica preços altos porque o custo de produção também é alto". As tiragens, por este motivo, também mostram-se baixas. Em editoras de médio porte, não ultrapassam dois mil exemplares, e a unidade sai na faixa de R$ 35 reais, estima Gomberg. Para se obter "alguma rentabilidade", é necessária uma quantidade mínima de três mil consumidores, calcula Gabriel Zaid na pesquisa Livros demais! Sobre ler, escrever e publicar, de 2004. 

 Danilo Rodrigues Alves Às complexas equações de mercado, soma-se a ausência de publicidade nos formatos literários, uma importante fonte de receita em jornais e revistas. Assim, editoras com grandes catálogos e públicos mais amplos têm maior chance de viabilizar o negócio — o que se reflete na concentração de capital identificada na pesquisa O Censo do Livro, feita também pela Fipe, em 2010: das 498 editoras registradas na época, 46,39% tinham faturamento anual de até R$ 1 milhão, enquanto só 3,21% delas arrecadavam mais de R$ 50 milhões. Teobaldo Heidmann (foto), da Editora Vozes, exemplifica um dos efeitos desse desequilíbrio:

— Hoje, um mercado que não se sustenta por si só é o da venda de livros universitários. É impensável trabalhar apenas com livros universitários hoje em dia, falando, claro, do mercado em geral. Existem algumas pequenas editoras que sobrevivem nesse ramo, e as próprias editoras das universidades.

As editoras brasileiras venderam, em 2012, 435 milhões de livros, 7,36% a menos do que no ano anterior. A queda decorre, entre outros motivos, do recuo dos negócios com o Plano Nacional do Livro Didático, o que evidencia a certa dependência do mercado editorial a iniciativas associadas à administração pública. A participação governamental no faturamento das editoras caiu de 28,7%, em 2011, para 26,4%, em 2012. O impacto reacende o debate sobre o peso supostamente excessivo do investimento estatal no setor literário.

O segmento mais afetado pela redução da verba pública foi, segundo a Fipe, o dos livros didáticos. Apesar de o faturamento ter atingido, no ano passado, R$ 1,3 bilhão — um crescimento real de 3,18%, em relação a 2011 —, o governo reduziu suas compras em 7,49%. Significa que R$ 900 mil reais deixaram de entrar no cofre das editoras. Analistas ponderam que "um mercado compensou o outro", mas, em termos gerais, o setor encolheu 4,72%.

Na avaliação da presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros, Sônia Machado Jardim, a redução do ritmo de crescimento da economia brasileira também contribui para manter puxado o freio de mão do mercado editorial brasileiro (veja reportagem da TV). A atrofia do PIB (Produto Interno Bruto, soma das riiquezas nacionais) impossibilita a expansão do setor, argumenta a editora:

— Eu diria que não recebemos o resultado de venda de livros com surpresa. Sem crescimento econômico, é difícil que o setor reflita um comportamento diferente do observado no PIB.

Já Juliana Cirne, da Editora Intrínseca, suaviza o cenário acredita que o crescimento do consumo de livros não se torne uma miragem, uma peça de ficção. Ela lembra que, para compensar a inflação, as editoras, “pelo menos as grandes”, costumam investir em maiores tiragens. Juliana lê o horizonte literário com otimismo:

Não vejo motivo para tanto alarme com esses problemas. Nossa editora, por exemplo, no ano passado vendeu 3,9 milhões de exemplares. Vejo um mercado em franca expansão.

Baixa compreensão textual, falta de hábito e desigualdade de acesso derrubam consumo

Apesar dos números proeminentes da Bienal e do ligeiro crescimento apontado em pesquisas, a expansão do mercado literário patina na base de consumidores esquálida. Brasileiro lê pouco, e lê mal. Um dos efeitos é o fantasma renitente da superprodução — oferta muito superior à demanda, sinônimo de encalhe. Para Earp e Sá, o risco tem raízes culturais: a distância do brasileiro da leitura como entretenimento. Em pesquisa do Centro Regional para o Fomento do Livro na América Latina e no Caribe, de 2012, só 46% da população se identificou como "leitor regular", contra 61% na Espanha, 55% na Argentina e 51%) no Chile. Na frequência de leitura, a diferença fica mais evidente: o brasileiro lê, em média, não mais do que dois livros por ano. O espanhol, 10,3; o chileno, 5,4; o argentino, 4,6.

O índice de leitura rasteiro é justificado pela falta de incentivos à leitura no ambiente familiar, aponta o estudo A Escola Pública na Opinião dos Pais, realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas e Estudos Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em 2005. O trabalho estima que 74% dos pais com alunos na rede pública de ensino raramente ou nunca leem livros. Desinteresse identificado também por levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2003: apenas 7,47% das famílias adquirem publicações não didáticas, um gasto que representa 0,05% da renda familiar.

Por outro lado, 84% desses pais veem televisão todos os dias, ainda de acordo com o IBGE. A pesquisa constata um gasto de R$ 19,3 bilhões das famílias brasileiras no mercado audivisual, enquanto itens de leitura recebem R$ 5,4 bilhões do mesmo grupo. Para Heidemann, "não se trata, porém, de uma mazela calcada no desinteresse da população":

— Um dos principais problemas é a falta de cultura não do brasileiro, mas do Brasil, de não apostar mais nesse mercado, de vacilar na hora de formar seu público. Um exemplo é a disparidade entre a quantidade de livrarias aqui e lá fora. Na França, mais ou menos onde se tem o número ideal de livrarias, há cerca de uma livraria para cada onze mil habitantes. No Brasil, esse número é de uma para cada quarenta mil — compara.

O déficit de livrarias desdobra-se em desigualdade de acesso. Em 2011, o Brasil acolhia 0,63 livraria por município, revela levantamento da associação nacional de estabelecimentos do gênero. O estudo confirma a enorme irregularidade: 52,54% concentram-se no Sudeste e só 3,45% ocupam a Região Norte.

A distribuição das livrarias acompanha as taxas de escolaridade de cada região. O nível de compreensão de texto precário, especialmente em áreas mais pobres, mantém-se como um dos obstáculos crônicos ao vigor do mercado editorial. Heidmann credita essa dificuldade a “décadas de baixo investimento em educação”. O Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional, oriundo da parceria entre o Instituto Paulo Montenegro e a ONG Ação Educativa, reitera o alerta acerca da compreensão textual insatisfatória.

De acordo com a edição de 2012, o percentual de alfabetizados funcionais cresceu de 61% para 73%, embora apenas um a cada quatro cidadãos domine plenamente as habilidades de leitura, escrita e matemática. Só 62% dos brasileiros com ensino superior e 35% daqueles com ensino médio são plenamente alfabetizados; e 25% dos formados no ensino fundamental continuam na categoria rudimentar.

 Arquivo Portal Houve, entretanto, um avanço significativo nos índices de escolaridade. O IBGE estima que, graças à universalização da educação fundamental, na última década, o número de brasileiros com ensino médio ou superior cresceu em cerca de 30 milhões. Na Região Nordeste, o salto foi ainda maior: em 2002, 51% dos moradores eram analfabetos funcionais; dez anos depois, o volume caiu para 38%. A diretora-executiva do Instituto Paulo Montenegro, Ana Lúcia Lima, relativiza a evolução:

— Apesar dos avanços, os dados reforçam a necessidade de investimento na qualidade [de ensino], uma vez que o aumento da escolarização não foi suficiente para assegurar o pleno domínio de habilidades de alfabetismo: o nível pleno permaneceu estagnado ao longo de uma década nos diferentes grupos demográficos.

Já a coordenadora-geral da Ação Educativa ressalta que a qualidade não envolve apenas quantidade de horas de estudo ou ampliação da quantidade de conteúdos ensinados. O importante, diz ela, é "favorecer a permanência dos educandos nas escolas e criar modelos flexíveis de ensino, para que qualquer brasileiro possa ampliar seus estudos quando desejar". Juliana Cirne defende que o atraso é “perfeitamente natural”:

— Mesmo com os problemas de baixa compreensão, o brasileiro é um público que vem lendo cada vez mais. Não há como comparar o nível de leitura do Brasil com o de um país como a Alemanha. Por exemplo, a imprensa chegou ao Brasil no século XIX, 200 anos depois de já estar na a Alemanha e em outros países europeus.

Vale-cultura, preço fixo do livro e investimento em educação são as soluções discutidas

Na opinião de Heidmann, a arrancada do mercado editorial brasileiro depende da coordenação de ações públicas e privadas para estimular a cultura e a leitura. Ele considera o Vale-cultura, que garante ao trabalhador crédito mensal de R$ 50 reais para consumo de cultura e informação, um bom exemplo. Gomberg concorda, mas lamenta a escassez de estímulos espefíficos ao setor literário:

— É uma proposta interessante. Todo incentivo à cultura é bem-vindo. Mas pode não ficar tão claro, porque a verba para ser consumida com cultura será distribuído entre vários meios, não apenas no literário.

 Danilo Rodrigues Alves Outra proposta, cercada de polêmica, remete ao preço fixo do livro – como fazem Espanha, México, Argentina e França. (Na Alemanha, essa lei existe desde 1888.) Pelo modelo atual, o preço de capa é sugerido pelas editoras e fixado pelos pontos de venda.  A adotação de um valor máximo preservaria as pequenas e médias livrarias e garantiria a diversidade das publicações, argumentam os favoráveis. A corrente contrária evoca a lei do livre mercado e a concorrência.

Enquanto se discute o caminho para livros mais acessíveis — de maneira não só a impulsionar o hábito da letura, mas também os negócios —, as editoras têm investem em novos formatos, de menor custo de produção, para pegar o vácuo da ascensão da classe C na última década.

— Com essa nova configuração das classes sociais no Brasil, a classe C passou a ser um dos focos do mercado. Mas esse público demanda preços mais em conta. Assim, observa-se uma aposta nas edições de bolso, cujo preço varia, em geral, entre R$ 15 e R$ 20 — destaca Gomberg.

A iniciativa tem a ver também com a popularização das edições online: uma tentativa de manter vivo o material impresso. O mercado de livros digitais faturou 3,85 milhões em 2012, impulsionado pela chegada ao país de gigantes como Amazon, Google e Kobo.

 Danilo Rodrigues Alves Fora os livros de bolso, livreiros informais vendem exemplares de acabamento e preços inferiores. Nos camelôs do Centro, é possível adquirir um livro a R$ 2 (ouça reportagem do Rádio). Valores semelhantes são encontrados no projeto Ler é o maior barato, da Imprensa Oficial do Estado. Mas, para Gomberg, não adianta abaixar o preço "sem formar o público leitor":

— Toda política que torna o livro um produto acessível é bem-vinda, dá mais capacidade de compra para o consumidor que normalmente não tem condições. Mas não resolve o problema em termos de mercado. O problema é muito mais uma questão cultural, de investimento em educação. Formar um público que lê mais passa por um maior investimento do governo em educação.