Projeto Comunicar
PUC-Rio

  • Facebook
  • Twitter
  • Instagram

Rio de Janeiro, 27 de julho de 2024


País

"A política precisa dialogar com o conflito"

Júlia Cople - Do Portal

12/09/2013

 Carlos Serra

O homem tem dificuldade em ser livre, porque liberdade requer lucidez, e essa lucidez custa caro. A frase, dita pela professora da Casa de Artes de Laranjeiras Celina Sodré, sintetiza boa parte do debate promovido pelo Departamento de Filosofia da PUC-Rio na abertura do seminário Outras Palavras, segunda-feira passada. À afirmação, soma-se um ponto não menos central discutido na mesa formada também pelo fotógrafo Pedro Curi, pelo professor de Filosofia da PUC-Rio Luiz Camillo Osório e pelo professor de Filosofia da UFRJ Leandro Chevitarese: a incapacidade de reconhecer o livre arbítrio do outro. Para os participantes, a perplexidade em relação aos protestos deflagrados em junho expõem um déficit de comunicação generalizado e uma perda da capacidade de a política dialogar com o conflito.

 Júlia Cople Celina (foto) alerta para uma "estrutura ilusória que soterra o real". Cenário no qual os protestos, acrescenta Curi, atestam um despreparo de governantes, manifestantes e policiais: "Sobram reivindicações e maneiras de protestar, enquanto falta a paciência para ouvir o outro lado. Há emissor, mas não há receptor", reforça. Já Osório evidencia outro aspecto convergente nas manifestações, apesar da descentralização de pautas e lideranças:

— Assim como disse a representante do Movimento Passe Livre na entrevista ao Roda Viva (programa da TV Brasil), a mensagem da massa é clara: “eu sou ninguém”. E eu sou ninguém porque “eu sou qualquer um”. Qualquer um é sujeito da política. A proibição da máscara nos protestos exemplifica isso: os dominantes tentam catalogar o movimento, mas as caras tapadas, além de se protegerem contra perseguição, também buscam essa perda de característica individual.

Diante da tentativa de unificar as manifestações, Curi critica a generalização da violência como traço preponderante. O olhar do fotógrafo — cujo objetivo, diz ele, migrou da documentação inicial para a busca do autoconhecimento — enxerga muito mais do que um reducionista duelo entre as esquinas e a repressão:

— Parece que a mobilização virou o grupo dos sem-farda versus o grupo com-farda. É muito mais que isso. A classificação da violência como resultado dos protestos visava a justamente retirar o povo da rua através do medo. E conseguiram — lamenta, assumindo certa deseperança.

 Júlia Cople Osório rejeita "a separação dos movimentos em admiração e caos". Segundo o acadêmico, trata-se de um discurso reacionário, pois "a radicalização faz parte das manifestações da história moderna". A grande questão agora, pondera o filósofo, é reverter a visão de que vandalismo foi o que restou de junho. 

Na avaliação de Chevitarese, a sociedade parece ter se acostumado com "desvios de conduta de autoridades e com as mazelas do sistema". Essa estrutura dominante, ressalta, acaba refletida nas relações cotidianas:

— Um ponto importante das manifestações foi a abertura para a discussão da micropolítica. É hora de repensar as nossas próprias ações, porque o que difere o político corrupto do cidadão anti-ético é, fundamentalmente, a oportunidade.

A honestidade foi exaltada por Curi como a "base do amplo leque de reivindicações". Na visão dele, as demandas "são o básico, nada têm de sofisticado", e convergem para o "respeito, aos direitos da população". Direitos que, lembrou um estudante na plateia, devem contemplar as diferentes camadas sociais.

— Fala-se muito da violência dos manifestantes. Mas e o vandalismo contra as pessoas? Ele é lícito para manter a ordem? É a violência institucional. Podemos lembrar também da morte de dez habitantes da Maré, do Amarildo, e isso para citar casos divulgados — argumentou.

 Júlia Cople No fim do debate, os organizadores do seminário divulgaram o lançamento da revista Lulliput, do Departamento de Filosofia. A publicação online pretende ampliar a discussão sobre "diversos assuntos da contemporaneidade", com textos de alunos das diversas graduações da PUC-Rio.