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Rio de Janeiro, 26 de abril de 2024


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"Narrativa jornalística pode alterar julgamento"

Marina Chiarelli - aplicativo - Do Portal

09/09/2013

Arte: Nicolau Galvão

Há quem diga que a imprensa tem o poder de influenciar a decisão de um julgamento. Casos emblemáticos como o da menina Isabela Nardoni, do sequestro do ônibus 174 e, mais recentemente, do estudante Marcelo Pesseghini, de 13 anos, acusado de matar a família em São Paulo, têm em comum a grande atenção que receberam da mídia e o choque que provocaram na população.

A jornalista e advogada em Direito Leise Taveira, professora do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, acredita que a cobertura detalhada em tempo real e a construção espetacular feita pela imprensa podem influenciar a narrativa e proporcionar um julgamento precipitado. Para a professora, uma nova forma de abordagem e de narrativa jornalística surgiu. Segundo Leise, as manifestações no mês de junho foram fundamentais para que a população acordasse, e para que novas alternativas de mídia surgissem.

Em virtude das grandes coberturas jornalísticas, Leise Taveira escreveu Narrativas jornalísticas e construção da realidade: o caso Isabella no tribunal da mídia, baseado no caso de Isabella Nardoni, em que a professora apresenta a narrativa do caso construída pela imprensa. Promovendo o lançamento do livro, o Departamento de Comunicação da PUC-Rio promove nesta segunda-feira, dia 9, das 13h às 19h, na sala 102K, o seminário “Questões sobre a narrativa da mídia na contemporaneidade: do caso Isabella Nardoni à mídia ninja”. A seguir, Leise antecipa alguns dos temas do debate, que terá como mediador o professor Leonel Aguiar, coordenador de Jornalismo, e contará com a presença do coordenador-geral de Direito da Universidade Gama Filho, Luis Gustavo Grandinetti; do jornalista Thiago Castanho, colaborador do site Mídia e Justiça; e do pesquisador e sociólogo Fernando Vieira.

Mauro Pimentel  Portal PUC-Rio: Como a mídia influenciou na decisão do caso Nardoni?
Leise Taveira:No caso Nardoni, a população estava diante de um homicídio, e o homicídio é decidido pelo tribunal do júri, que são pessoas comuns, da comunidade, que se inscrevem para fazer parte do júri. A mídia foi cobrir a perícia do caso de assassinato de Isabella Nardoni, o que é muito controverso, pois uma perícia demora para ser concluída. Mas a mídia insistiu, e acabou acompanhando a reconstituição do crime, dentro da área isolada do assassinato e usando helicópteros na cobertura diária. A imprensa construiu uma narrativa, um julgamento, e, mesmo que fosse esta a intenção, acabou construindo uma interpretação. A partir do momento em que se tem a construção de uma novela, muita coisa pode ser interpretada. A mídia não tem a intenção de manipular, mas, quando ouve determinadas vozes, quando dá atenção a determinadas fontes, acaba destacando alguns em detrimento de outros. Logo após a menina ser morta, o pai foi prestar esclarecimentos na delegacia e a delegada de plantão saiu gritando “assassino, assassino”, o que foi presenciado pela imprensa. O ombudsman da Folha de S.Paulo criticou a atitude da delegada – uso como exemplo a Folha porque tem todo um aspecto local, e por ser um jornal de nível e amplitude nacional. É preciso passar por todo um processo até se chegar à conclusão de que uma pessoa é inocente ou culpada, e a presunção é sempre de inocência. Uma história foi criada a partir do momento em que a menina apareceu morta e a delegada acusou Alexandre Nardoni, e isso acabou provocando a ira da população.
Ao mesmo tempo em que há essa questão narrativa, temos a construção das pessoas se manifestando. No dia do aniversário da menina, houve gente com bolo cantando parabéns. Acho pouco provável que, em 2010, os jurados, que já tinham acompanhado o caso desde 2008, estivessem neutros no julgamento. Mas o que mostro é como a narrativa foi construída, e deixo o leitor chegar à sua própria conclusão. A construção da narrativa por parte da mídia não teve um equilíbrio de vozes; as fontes eram básicas. Só os peritos, os policiais e o Ministério Público foram ouvidos.

E qual é a alternativa? A imprensa vai se calar? Claro que não. Só acho que, quando não há uma informação robusta, não é certo fazer disso um espetáculo. Acredito que preponderou o dispositivo mídia versus dispositivo direito constitucional. O direito ao contraditório, o direito à presunção de inocência, o direito ao devido processo legal e o direito ao processo justo foram prejudicados em relação ao espetáculo, porque as pessoas acabaram assistindo a um grande show. Foi utilizada uma linguagem cinematográfica e literária para montar o histórico de que a madrasta malvada matou a menina.

Portal: Casos como os da jovem Eloá, do goleiro Bruno, do menino João Hélio, do sequestro do ônibus 174 e da invasão do Complexo do Alemão podem ser considerados de natureza semelhante ao do julgamento dos Nardoni?
Leise:
No caso da Eloá eu acredito que a mídia teve um impacto fundamental. Não sou Deus, mas posso especular que, se a mídia não estivesse cobrindo o caso em tempo real, talvez o sequestrador não tivesse matado a menina. O sequestrador estava com a televisão ligada, estava se vendo, e é preciso ter o mínimo de bom senso. O caso de João Hélio, arrastado pelos ladrões pendurado ao carro, foi uma tragédia, mas diferente do assassinato de Isabella Nardonil que. O caso de Isabella foi premeditado, mas em relação à contrução da narrativa eu compararia ao caso do adolescente que pretensamente teria matado a família. O caso está bem fresco, a população assiste a várias construções, uma de que o menino é assassino e outra de que ele é inocente. Não é possível narrar um fato a partir de várias perspectivas. Além disso, há toda uma ideia de que a mídia traz uma verdade. Que verdade? A mídia pode trazer uma narrativa, uma construção ou uma possibilidade do caso.

Portal: O que você acha da ideia dos julgamentos serem transmitidos ao vivo pela mídia, como no caso de Mércia Nakashima.
Leise:
Em geral a preferência é não transmitir julgamentos desse tipo. No caso Isabella Nardoni as pessoas já estavam presentes via twitter, mídias sociais. Hoje, com a sociedade cada vez mais conectada, a tendência é que vazem os julgamentos, não tem jeito. Afinal, o juiz não vai impedir que gravadores, computadores e celulares entrem no julgamento. Em relação à influência da mídia, não acredito que tenha influenciado tanto, pois os jurados já fazem prévia apuração. A mídia faz a suíte do espetáculo, a venda do produto.

Portal: A seu ver, qual seria o tipo de cobertura ideal para julgamentos?
Leise: Estamos chamando para a ideia da contemporaneidade. Esses movimentos, as passeatas de junho, trouxeram, além de um grito que parecia estar abafado, outros tipos de abordagem e a narrativa de outras mídias. Acho que não existe uma receita de bolo, e sim uma construção possível de acordo com o que se quer. Então, se você quer uma sociedade mais democrática, é preciso ter mais eduação e mais consciência, pois é assim vai ser possível exigir uma narrativa da mídia mais democrática. Hoje foi o casal Nardoni, amanhã pode ser um casal conhecido seu. Se não tem informação, por que vai cavar um show, por que vai construir a parte só de um lado? Isso vai contra a polifonia. A cobertura ideal é uma construção, e não uma receita de bolo. Uma alternativa seria não dar ouvidos ou não dar voz a um só lado da história. A perícia é uma construção que demora para ser feita, e acompanhar uma perícia significa construir uma mentira, construir uma farsa. A Folha de S.Paulo fez uma autocrítica, o ombudsman via que o jornal estava cometendo excessos, mas isso não suficiente para mudar a política editorial.

Portal: No caso mensalão, mesmo que não tenha influenciado no resultado, é possível dizer que a cobertura em tempo real influenciou, com a GloboNews retransmitindo a TV Justiça? Ou mesmo na construção dos “personagens” Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski?
Leise Taveira:
Não há como dizer que a imprensa não seja influente. Acredito que, de alguma forma, há sempre uma colaboração da mídia, mas também posso dizer que não é uma teoria conspiratória. A opção por uma narrativa espetacular é que acaba gerando tudo isso.

Portal: Qual a sua opinião sobre a cobertura do desaparecimento do pedreiro Amarildo?
Leise Taveira:
O caso Amarildo é muito importante, surgiu devido à nossa conjuntura atual, que permitiu o aparecimento de um novo caso – a instalação de UPP e a tentativa de fazer uma remodelação na cidade. Há uma série de transgressões aos cidadãos. Está sendo feita uma maquiagem da cidade para os grandes eventos, e não para o cidadão. Essa conjuntura permitiu que o caso Amarildo surgisse como uma representação do que a população quer como cidadania, como democracia. Mas, infelizmente, quantos Amarildos estão desaparecidos, quantos são aqueles que não aparecem na mídia e continuam invisíveis?

Portal: A mídia ninja surgiu para o grande público durante as manifestações iniciadas em junho. Esse tipo de relato modifica a cobertura tradicional? Ou mesmo agrega para o jornalismo tradicional? Podemos considerar o relato da mídia ninja como jornalístico?
Leise:
Eu acredito que sim. A mídia ninja é uma nova forma de fazer jornalismo. Eles são bem instruídos em relação à maneira de construir uma narrativa. Acho interessante, é uma nova proposta. O tipo de jornalismo da mídia ninja tem aberto um horizonte enorme para os estudantes de jornalismo, são novas frentes de mercado de trabalho. Na minha época, há 20 anos, quando saí da faculdade, o desejo da maioria era trabalhar no Globo, ou nos falecidos Jornal do Brasil e Gazeta Mercantil. Agora é preciso lembrar que o Washington Post foi vendido para a Amazon. Será que existe esse mercado de tranalho para todos? É preciso olhar para esse novo modelo de jornalismo, como cidadãos e como profissionais da área. É preciso sair da faculdade como um empreendedor, pronto para criar seu próprio blog. A mídia tradicional não vai atender à demanda, a mídia está se revendo, é preciso olhar para as novas alternativas de mídia como alternativas de mercado de trabalho para amanhã.